A Morte do Superman (2018)

Miguel Serpa
18 min readAug 7, 2018

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Superman foi criado em 1938, pelo escritor Jerry Siegel e artista Joe Shuester, quando, no dia 18 de abril, ele teve sua primeira aparição nos quadrinhos, na revista Action Comics Nº 1. Apesar de não ser o primeiro super-herói oficial a existir, Superman foi, provavelmente, o mais popular à sua época, e ajudou a popularizar este arquétipo de personagem, de forma que hoje em dia todos os personagens do tipo existentes possam ser traçados até ele. Superman é o grande símbolo do universo dos super-heróis, o herói definitivo. Esse ano, a figura emblemática completa oitenta anos, ou seja, ele é mais velho do que a Segunda Guerra Mundial e um dos símbolos culturais mais duradouros e marcantes do século XX. Seria natural esperar que a DC Comics fizesse algo neste ano para comemorar o aniversário do personagem mais icônico de todo o seu catálogo, mas como o departamento cinematográfico da companhia não consegue nem organizar uma lista de compras de forma competente, coube, mais uma vez, ao departamento animado salvar o dia e não deixar a data passar em branco, ao adaptar a história A Morte do Superman.

A Morte do Superman é uma das histórias mais marcantes do personagem, e, sendo assim, já foi adaptada diversas vezes para o áudio visual. Em um episódio de Liga da Justiça, no outro filme animado homônimo de 2007 (que no original se chama Superman: Doomsday) e até no polêmico eu-gosto-desse-filme-mas-não-conte-pra-ninguém™ Batman VS Superman, mas esta obra de 2018 é a que pretende ser mais fiel à sua versão nos quadrinhos. Note que eu chamei A Morte do Superman de uma das histórias mais marcantes do herói, e não de uma das melhores, porque, de fato, não o é. Se tornou uma narrativa comum entre os fãs do Superman e de quadrinhos em geral a de que as melhores histórias deste super-herói são aquelas isoladas e que não estão atreladas à continuidade do universo principal da DC Comics, como Grandes Astros: Superman, O Reino do Amanhã e Entre a Foice e o Martelo, mas que raramente algo que venha dos títulos oficiais do herói seja de fato bom. Quanto a veracidade desta afirmação, eu não posso atestar nada sobre, já que não sou um grande fã do personagem, e tampouco sou versado em suas histórias, mas é fato que quando as melhores histórias o envolvendo são levantadas, raramente algo que pertença ao grande status quo da DC Comics se faz presente, com A Morte do Superman sendo uma das poucas exceções à regra, e, mesmo assim, esta história é extremamente polêmica, com alguns dos fãs inclusive afirmando que ela devesse preencher um espaço na lista das piores histórias do Super.

Para compreendermos o porquê desta resistência à obra, precisamos nos atentar ao período em que ela foi concebida; os anos noventa, mais precisamente 1993. A década de noventa foi o ápice da época conhecida como A Era das Trevas dos quadrinhos, quando o meio vinha cada vez mais renegando suas origens como um folhetim infantil, reservado para contar histórias inocentes, fantasiosas e inconsequentes, querendo se provar como uma mídia séria e madura, mas acabou pecando por excesso, com o tiro saindo pela culatra e, ao invés de essas histórias serem vistas como obras maduras e sérias, o constante uso de violência gratuita, sexo e narrativas querendo tão desesperadamente ser pesadas e complexas que acabavam banalizando todos esses elementos, e, ironicamente, soando como imaturas mais do que qualquer outra coisa — quase que como a fase de adolescente rebelde sem causa dos quadrinhos (isso para não citar a arte da época, que tendia mais a traços violentos e exagerados, com os personagens sendo todos extremamente musculosos e brutos). Além disso, foi aqui que começaram a surgir os ditos eventos, quando as editoras passaram a valorizar acontecimentos impactantes e marcantes que juntassem todos os heróis de seus diferentes títulos e que percorresse por mais tempo e mais títulos do que as típicas histórias fechadas, para que assim elas não só tivessem a chance de incrementar a constante preferência por histórias mais violentas e maduras, com esses eventos sendo sempre mais épicos e tensos do que as outras histórias menores, mas também aumentasse a venda por quadrinhos, com os fãs tendo que comprar todos os diversos títulos pelos quais os eventos se estendiam para acompanhar essas histórias, o que muitos também não veem com bons olhos, pois tiram o foco das histórias individuais dos heróis, que costumam ter um maior conhecimento e cuidado com os mesmos, e trocam essa fidelidade e caracterização cuidadosa por um grande espetáculo, que muitas vezes não são construídos de forma fiel à o que estávamos vendo nos títulos solo e nem tem a mesma substância, sendo apenas histórias épicas que visam aumentar o interesse e as vendas, mas com pouca substância que as sustente para além da curiosidade que é ver os personagens interagindo juntos. Nesse ecossistema, surge A Morte do Superman, a história chocante e nunca antes vista antes que prometia reascender a curiosidade e a procura pelo personagem, que, como previsto, possui muitas das falhas que os quadrinhos da época possuíam.

A história de 1993, no entanto, não foi a primeira a matar Superman. Ainda assim, essas histórias eram todas fechadas e imaginárias, daquele jeito inconsequente e pouco preocupado com a continuidade geral dos quadrinhos dos anos cinquenta e sessenta (um exemplo é a edição #161 da primeira revista do Superman). No entanto, o arco A Morte do Superman prometia levar sua premissa a sério e honrar o impacto que a morte de Superman teria por todo o universo DC, em um evento que uniria todos os diferentes títulos envolvendo Superman, e mostrando como o mundo e os personagens no geral lidavam com a tal perda — tudo isso durou um ano de lançamentos. Na realidade A Morte do Superman aconteceu por acidente. A ideia original era finalmente casar Super com seu par romântico de décadas, Lois Lane, mas os produtores da série de televisão Lois e Clark: As Novas Aventuras do Superman queriam que o casamento acontecesse primeiro no programa, o que levou a DC a deixar esta história em particular na geladeira. Procurando por algo que a substituísse, um dos redatores sugeriu matar o personagem — segundo consta, a ideia de matar o Superman sempre rondou por entre as paredes da DC Comics, mas sempre como uma piada. Em algo que diz muito sobre o estado que o meio dos quadrinhos durante os anos noventa, os escritores decidiram levar a ideia a sério pela primeira vez, e os planos começaram. Podemos até analisar esta decisão através do contexto da época; talvez um período que prezava pela violência e por anti-heróis brutos e politicamente incorretos não tivesse mais espaço para alguém que basicamente é a representação da moral e dos bons costumes.

Na história, Superman luta contra um monstro gigante que vem do nada chamado de Apocalypse, após ele derrotar a Liga da Justiça inteira sozinho, e os dois batalham até ambos morrerem. As críticas a essa história envolvem o fato de ela ser apenas mais uma amalgamação de clichês dos quadrinhos noventistas, como o uso excessivo de violência, a ponto de esta eclipsar a narrativa (os capítulos iniciais da história são basicamente uma luta estendida entre Super e Apocalypse que vai se arrastando), e no geral a história ser apenas mais um exemplo da tendência por histórias mais “ousadas” e “sombrias” no período, sem de fato se esforçar em contar algo bem construído e envolvente, apelando para choques baratos para prender o leitor. Um exemplo é o fato de Apocalypse não possuir nenhum tipo de explicação para sua existência, e simplesmente aparecer como um artifício de roteiro capaz de matar Superman — pelo choque, apenas. Eu concordo em partes com essas críticas, e a morte do Superman propriamente dita poderia ser muito melhor trabalhada, se fechando de maneira até um pouco inconsequente, mas o verdadeiro trunfo deste arco é o que vem depois da dita morte, com a história se mostrando de fato mais madura do que as típicas narrativas da Era das Trevas, se propondo a analisar o impacto que Superman tinha no universo da DC e seu papel no mundo, com a introdução de quatro pretendentes ao cargo do herói, na continuação, O Reino dos Supermen, sendo que nenhum deles têm o que é preciso de fato para preencher o papel de Super.

Esta história tomou proporções enormes nunca vistas antes no universo dos quadrinhos, com cobertura midiática assídua, anunciando a morte do super-herói mais icônico de todos. Esta era a primeira vez que os quadrinhos ousavam matar um super-herói desse porte, algo que nunca antes havia sido visto no meio, e todo esse fervor, compreensivelmente, chamou a atenção de diversas pessoas, mesmo aquelas que não faziam parte do público comum dos quadrinhos, e as vendas da DC Comics explodiram. No entanto, eventualmente, Superman retorna, em um final realmente anticlimático e que empobrece toda a maneira com que O Reino dos Supermen vinha construído o impacto que a morte do herói causou no universo, e como o mundo aos poucos se adaptava à perda. Isto irritou muitas pessoas, que se sentiram traídas pela DC, e passaram a ver A Morte de Superman como os seus próprios detratores a veem até hoje — uma tática corporativa feita apenas para vender quadrinhos, e pouco se importando com a história de fato. Logo as vendas dos títulos envolvendo Superman despencaram, e sentem esta perda até os dias de hoje. No entanto, isso não foi o suficiente para parar a editora, e logo mortes de super-heróis — apenas para voltarem logo depois — se tornaram lugar comum nos quadrinhos (tanto para a DC, quanto para a sua principal concorrente). Super não havia nem voltado e Batman havia sofrido um acidente e substituído por um anti-herói violento, típico do período (cabe notar que ele não havia morrido de fato — isso iria acontecer mais tarde). Lanterna Verde, Capitão América e Homem-Aranha são alguns dos muitos nomes que já tiveram o seu fim pelas mãos dos redatores, mas retornaram saudabilíssimos alguns meses mais tarde. Até mesmo mortes que haviam ocorrido antes de A Morte do Superman, e que pareciam intrínsecas ao status quo do universo dos quadrinhos foram desfeitas após anos, como a de Barry Allen, o segundo Flash, e Jason Todd, o segundo Robin. E é graças a seu impacto que A Morte do Superman é uma das histórias mais marcantes do herói, mesmo que não seja a melhor.

Mas e quanto ao filme? Eu estou a tanto tempo me alastrando sobre o quadrinho que nem sequer cheguei a cobrir o filme ainda, o verdadeiro motivo de estarmos aqui. Bom, sendo uma história polêmica e cheia de altos e baixos, me alegra muito poder dizer que esta adaptação de A Morte do Superman sabe usar das qualidades de seu material de origem, deixando de lado o que não funciona tanto, e, assim, se fechando de forma bastante positiva. Este filme acaba nem sendo tanto sobre a morte do Superman propriamente dita, e mais uma contextualização sobre o peso e a significância do personagem, aderindo diversos elementos imprescindíveis da mitologia do personagem em si, e representando perfeitamente o porquê de ele ser um marco da cultura pop e tão querido pelo público, mesmo após tantos anos e acontecimentos após sua estreia nas páginas de um quadrinho, se fechando como um perfeito evento de aniversário. Seu relacionamento com Lois Lane, sua rivalidade com Lex Luthor, seus ideais de justiça e verdade, sua paixão pela humanidade, sua vida como Clark Kent, o carinho que sente por seus pais humanos, a angústia que sente graças à sua vida dupla, tudo está presente aqui, e, em sua uma hora e vinte minutos, o filme se fecha como uma perfeita homenagem para o personagem.

Muitas pessoas, e eu me incluo nisso, já acusaram o Superman de ser um personagem pouco interessante, pelo fato de ele ser superpoderoso e capaz de enfrentar qualquer coisa que joguem em seu caminho, portanto não possuindo fraquezas ou limitações que o façam uma figura identificável e, mais uma vez, interessante. Mas este filme faz um excelente trabalho desbancando este argumento, mostrando que o personagem possui sim conflitos e questões, só que estes são mais internos e subjetivos do que externos e objetivos, e o filme inclusive é todo pautado em um desses conflitos. No caso, o fato de ele estar constantemente dividido entre seu lado humano e seu lado super, e sempre se sentir um estranho em sua própria casa, nunca podendo ser apenas mais uma pessoa na multidão, por ser fundamentalmente tão diferente de todo mundo, e possuir uma enorme responsabilidade sobre seus ombros, que o impede de levar uma vida normal, de homem comum, que pode apenas se casar com a mulher que ama e construir uma família, já que o mundo sempre dependerá dele para ser salvo. Sua vida dupla é o principal obstáculo em seu caminho, e o faz com que ele nunca deixe que ninguém se aproxime de si, com medo de que elas se machuquem graças a ele, ou se assustem com seus poderes — isto está perfeitamente representado na relação do herói com Lois Lane, o grande símbolo do laço que Superman tem com os humanos.

Sim, porque o filme vai contra o que já estava estabelecido no universo compartilhado dessas animações da DC (e que bebe diretamente da fonte dos Novos 52), acabando com o relacionamento de Superman com a Mulher Maravilha, e a obra já começa com os dois terminados e com o mesmo junto de Lois — algo que os fãs sempre pediram. Eu fiz e faço coro ao grupo que não gosta de Super e Diana juntos, mais pela falta de química e estranhamento do que qualquer outra coisa, mas este filme faz um excelente argumento sobre o porquê Clark e Lois precisam sempre estar juntos — o já citado fato de Lane ser a representação física do apreço que Super tem pela humanidade, sendo ela a humana mais próxima ao herói, e o carinho que ele sente por ela, além de muitas vezes esta ser salva diretamente pelo herói, representarem o que ele faz por todos nós (ou ao menos pelos humanos do universo DC); se arrisca por nós e sempre luta pelo nosso bem estar, Lois Lane é apenas alguém a quem ele dá atenção especial, mas ainda assim a maneira com que ele age com ela é a mesma com que ele age por todos. Além disso, Lois representa a faceta humana de Super, ela é a encarnação da vida de Clark Kent, e o que mantém os pés de Superman no chão e faz com que ele nunca perca contato com seu lado humano. Aliás o filme praticamente inteiro é marcado pela dúvida de Clark se conta ou não para Lois que ele, na realidade, é Superman — mais uma vez aquela velha dualidade do personagem, perdido em um limbo entre seu lado homem e seu lado super — e é Lois Lane o principal agente que manifesta essa dicotomia no mesmo.

Já com Mulher Maravilha, eu sentia que o relacionamento dos dois era meio redundante, já que os dois são super-heróis imbatíveis e detentores de uma força sobre-humana, e isso sim despertava a falta de identificação e acessibilidade que tantos criticam no personagem, apesar de serem as similaridades entre eles que os filmes e, obviamente, os quadrinhos usavam como argumento para manter sua permanência como casal — com ambos se sentindo isolados pelos seus próprios superpoderes, que os fazem diferentes dos demais, e apenas tendo um ao outro para compreender como é essa solidão e podendo preenchê-la. Mas, sendo assim, eu preferi muito mais a dinâmica deles nesta obra, com eles agindo mais como melhores amigos e companheiros — Mulher Maravilha inclusive dá conselhos à Super sobre como lidar com seu relacionamento com Lois enquanto um super-herói, e eu achei isso uma maneira muito melhor de representar as similaridades entre eles — os colocando como amigos justamente porque eles sabem como o outro se sente e se ajudando a superar os obstáculos do cotidiano — do que os botando como par romântico um do outro. Além disso, sendo este um evento que comemora os oitenta anos do Superman e que, como citado, visa celebrar toda a sua mitologia e o que faz de Superman, Superman, não é nada menos que lógico que eles resgatem o seu par romântico definitivo e que está muito mais atrelado a sua existência do que Mulher Maravilha jamais esteve; Lois Lane.

O filme como um todo parece muito mais devotado à figura de Clark Kent do que o de Superman, ou ao menos os aspectos que fazem de Super humano, provavelmente para compensar pelo fato de que a luta derradeira com Apocalypse é somente física, com este sendo o principal adversário físico do herói, onde ele terá a oportunidade de mostrar todos os seus diversos poderes. Assim, enquanto esse momento não chega, a obra quer humanizar Superman, não apenas em seu relacionamento com Lois — o principal foco da obra — mas em diversos outros momentos, como o seu jantar com seus pais, que o mostram como apenas uma criança do interior filho de um casal de anos e que continuará sempre prezando por ele, mesmo que o filho em questão seja suficientemente capaz de cuidar de si. Até mesmo suas interações com a Liga da Justiça como um todo são bem mais intimistas e descontraídas, e eu continuo amando a maneira com que esses filmes representam a Liga de forma humanizada e descontraída, mostrando que, no fundo, eles não passam de um grande clube, e deixando claro que seus membros podem sim confraternizar de vez em quando, brincando uns com os outros, jogando conversa fora e até pedindo conselhos quando necessário. Sim, isso é meio que copiado dos filmes dos Vingadores, que tratou seus heróis da mesma maneira descontraída, mas ainda assim é bastante divertido poder ver a versão da DC Comics da mesma vertente (já que quando eles tentaram fazer o mesmo nos cinemas o resultado foi, no mínimo, decepcionante).

E, essa maneira mais humanizada com que o filme retrata Superman compensa muito no final da obra, em sua luta com Apocalypse e em sua eventual morte, pois nos mantém muito mais próximo do herói, de maneira com que sua perda seja muito mais sentida, além de oferecer um maior entendimento de o que faz o personagem tão especial. O que faz de Superman tão icônico é que ele é o retrato perfeito de o que os super-heróis são, em sua maioria. Superman representa, pura e simplesmente, o bem, e a vontade de exercê-lo. Ele é uma força que luta pelo bem-estar das pessoas, e pela justiça, e isso é tudo o que importa para ele. Como o próprio diz no filme; “eu sou só um homem de uma cidade pequena querendo fazer o que é certo”. Mesmo que não tivesse superpoderes, Clark Kent ainda lutaria por um mundo melhor, e é isso o que faz dele “super”, sua superforça e habilidade de voar vem de brinde. Ele é alguém que se importa tanto conosco e com o bem-estar da humanidade que sacrifica sua própria vida para salvarmo-nos. Assim, ele se torna o paralelo perfeito para o próprio Apocalypse, que é dito ser uma máquina de guerra e, consequentemente, da destruição, ao passo em que Super é uma máquina de paz e da salvação (e, já que estamos aqui, isso também faz dele o paralelo para Lex Luthor, seu arqui-inimigo, e mais um dos elementos da mitologia básica de Superman que se faz presente aqui. Assim como Super, Luthor também possui poderes — no caso, seu dinheiro — mas ele nunca os usa de maneira altruísta, e apenas para ganho próprio. Ele faz o bem, mas apenas pela glória que isso trará a seu nome, algo que também é perfeitamente demarcado pelo filme — sobretudo quando Luthor tenta lutar contra Apocalypse ele mesmo).

E falando da luta, o filme consegue passar toda essa sequência de ação de forma muito positiva também, tanto no momento em que apenas Superman e Apocalypse lutam um contra o outro, quanto quando a Liga da Justiça vai contra o monstro. Quando é a Liga, é interessante a maneira criativa com que o filme se utiliza dos diferentes poderes dos diferentes heróis, e ver seus diferentes estilos de combate, que deixa tudo mais divertido de se acompanhar, ao invés de uma mera poluição visual, que eu sinto que é algo que tem acometido muitos filmes de super-heróis atualmente. Quando Superman enfrenta Apocalypse, o embate continua dinâmico e envolvente, mas dessa vez é mais por toda a escala da luta, com nós podendo ver como toda a cidade de Metrópolis vai sendo destruída aos poucos, e o desespero de Super para conseguir salvar a todos, enquanto enfrenta seu inimigo, o que evita que toda a sequência se limite à uma troca de socos interminável — que foi o que pareceu nos quadrinhos. Tirando as cenas de ação, a animação não é nada de espetacular, apesar de fazer um trabalho descente, o que é compreensível considerando que esta não é uma animação cinematográfica, e sim um lançamento para DVD. Ainda assim, eu salvaria o design dos personagens, que é algo que eu sempre gostei dentro deste universo dos Novos 52, com todos os heróis se destacando bem visualmente.

Mas resgatando a comparação entre o filme e os quadrinhos, além da luta entre Super e Apocalypse, outro elemento que o filme domina muito melhor que seu material original é o peso da morte de Superman, que, como citado, é algo que eu senti que o quadrinho tratou de maneira um tanto quanto inconsequente. Não tanto a morte, mas o que levou até ela, foi um elemento muito jogado, e nós não tivemos tempo de sentir o impacto da figura de Superman e o que ele significava antes que ele morresse. Mas, como o filme, como eu venho dizendo, funciona perfeitamente como uma homenagem ao herói, representando de forma sublime todos os elementos chave de sua mitologia e o que faz de Superman quem ele é, nós temos tempo o suficiente para compreender seu peso e sua significância, de forma com que, vê-lo estendido sobre o concreto no final se torna muito mais impactante (mesmo que essa imagem em específico seja melhor retratada nos quadrinhos), porque nós conseguimos compreender o que faz do herói especial, e acabamos desenvolvendo um carinho pelo mesmo. Eu entendo que isso se dá pela diferença do meio dos quadrinhos e do meio cinematográfico. Em um quadrinho, se espera que o leitor acompanhe as histórias do personagem título, e conheça minimamente o seu universo, sem que precise de lembretes em todo o capítulo sobre coisas básicas do universo do mesmo, ao passo em que um filme precisa se sustentar sozinho e não pode se dar ao luxo de acreditar que todo espectador possua algum conhecimento prévio a respeito de seu universo e personagens, precisando dar a nós toda informação necessária para que feche sua história de forma coesa e completa, mas, ainda assim, existia diversas maneiras com que os quadrinistas poderiam fazer da morte de Super mais impactante do que foi, algo que os roteiristas souberam fazer sublimemente aqui.

O filme também retrata perfeitamente o significado de alguém como Superman para a humanidade: ele é a representação de o que ela tem de melhor, mesmo que o próprio não seja humano. Ele representa para nós a esperança de um mundo melhor, onde todos sejam pessoas genuinamente boas que apenas prezem por fazer o que é certo, e inspira o resto das pessoas a seguir pelo mesmo caminho. Isso é deixado claro logo na primeira cena do filme, onde o herói consegue derrotar uma gangue de criminosos, e um grupo de civis o assiste entusiasmado, com um deles inclusive pedindo para tirar uma foto com o mesmo. Este homem fará aparições recorrentes pelo resto do filme, e seu papel é essencialmente mostrar ao público o impacto que Superman tem nas pessoas comuns, que se inspiram nele para serem melhores em seu dia a dia. Ele é o dono de um bar, e quando Apocalypse chega em Metrópolis ele diz para seus fregueses que quem não tiver como voltar para casa naquela confusão poderá ficar com ele até as coisas se acalmarem. Mas a pessoa mais emblemática a representar a inspiração que Superman é para o resto das pessoas é Lois Lane, que, quando vê que Apocalypse está prestes a matar o herói, se coloca na linha de frente para ajudá-lo, mesmo que ela não tenha nenhuma chance, estando essencialmente dando sua vida para proteger Superman, algo que ele fez por ela milhões de vezes.

Mas é justamente por Superman funcionar como uma fonte de inspiração para o resto do mundo que, mesmo quando ele morre, ele nunca se vai por completo, como as cenas pós-créditos nos informam. Superman é uma ideia, que se mantém na mente de todas as pessoas a quem ele inspirou. Cabe esperar até ano que vem, quando a continuação desta obra finalmente estrear (adaptando O Reino dos Supermen) para ver aonde isso desembocará. Mas, justamente pelo fato deste filme, que adaptou a pior parte do arco, se fechar de forma tão positiva, eu estou bastante esperançoso quanto a parte dois, que ficará com a melhor metade para adaptar.

Eu disse mais acima que eu não sou o maior dos fãs de Superman. Isso, na realidade, é um grande eufemismo, porque a realidade é que eu nunca gostei do herói — isto para não dizer que eu sempre o detestei. Eu nunca fui um grande apreciador de personagens todos poderosos e com praticamente nenhum defeito, que se carregam como os detentores da moral e dos bons costumes. Eu compreendo que isso é mais culpa minha do que dos personagens em geral, e eu provavelmente nunca irei gostar de nenhuma figura fictícia que se enquadre nesta categoria, mas Superman em específico sempre me pareceu quadrado demais e com um ar de superioridade difícil de engolir (quando uma pessoa chega dizendo que luta pela “verdade, justiça e pelo american way”, já é o necessário para eu perder meu interesse). Com o tempo, no entanto, eu fui compreendendo melhor as qualidades do personagem, por mais que gostar ainda seja uma palavra forte no que tange o mesmo. Felizmente, este filme faz um excelente argumento a favor do herói, mesmo que eu ainda não tenha sido convencido completamente — então, se até eu que não sou nem um pouco aficionado pelo personagem consegui gostar desta obra, sem sombra de dúvidas qualquer um que gostar verdadeiramente do herói adorará. Talvez eu nunca irei gostar de Superman, mas são filmes como esse que ao menos conseguem me fazer respeitá-lo.

2018 não foi o melhor ano para as animações da DC; não que tenha sido um ano particularmente ruim para as mesmas, mas devido ao alto nível da editora no que tange seus filmes animados, eu não posso deixar de ficar um pouco decepcionado quando ela falha em atingir minhas altas expectativas. Felizmente, A Morte de Superman se fecha como a melhor animação da DC do ano (eu nunca pensei que iria gostar mais de um filme do Superman do que do Batman, mas aqui estamos nós), e estou ansiosíssimo para a sua continuação, já que, se a primeira parte for algum indício, nós teremos mais uma excelente animação da editora nos esperando ano que vem.

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