O Túmulo dos Vagalumes (1988)

Miguel Serpa
16 min readFeb 7, 2018

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Em 1945, enquanto a Segunda Guerra Mundial caminhava para seu fim, com a Alemanha nazista já derrotada pelos Aliados, o Japão não se rendeu, dando continuidade à Guerra do Pacífico, onde seu maior inimigo era ninguém menos do que os Estados Unidos da América. Já tendo bombardeado diversas cidades durante o conflito, e sendo especialmente impulsionado pelo ataque japonês em Pearl Harbor, os EUA decide entregar tudo o que tem ao conflito, e, em 6 e 9 de agosto de 1945, joga as famosas bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente.

Apesar de os momentos pós-guerra vividos pelo Japão terem sido imprescindíveis para moldá-lo em direção ao grande polo econômico que conhecemos atualmente, as sequelas destes ataques são sentidas por ele até os dias de hoje. Um grande exemplo disso é o cinema japonês, onde muitos filmes revisitaram e revisitam esta época obscura de sua história. É aí que entra O Túmulo dos Vagalumes.

De 1988, dirigido por Isao Takahata, e considerado um dos maiores filmes de guerra de todos os tempos, O Túmulo dos Vagalumes é um dos filmes mais emblemáticos e icônicos do estúdio de animação japonesa, Studio Ghibli, mesmo não sendo dirigido por Hayao Miyazaki, que é mais universalmente conhecido e ligado ao estúdio do que seu companheiro, Takahata. Foi baseado em um conto semi-autobiográfico do mesmo nome, do autor japonês Akiyuki Nosaka, mas com roteiro também de Isao.

Quando foi lançado inicialmente, no Japão, O Túmulo foi passado ao lado de Meu Amigo Totoro, o que foi considerado “uma das mais tocantes e notórias exibições duplas já oferecida à um público de cinema”. Ambos os filmes abordam a relação entre irmãos vivendo momentos difíceis de suas vidas, com o mais velho tentando segurar as pontas e estar lá para o mais novo, mas com atmosferas e estilos totalmente diferentes. Se Totoro é inconfundivelmente uma obra de Miyazaki, se passando em um mundo onde elementos fantásticos interagem com os personagens de uma maneira crível, e com uma sensação de aventura e descoberta contagiante, O Túmulo dos Vagalumes grita Takahata, pertencendo a um universo mais palpável e denso do que os abordados pelas obras de seu colega, com um ou outro elemento sobrenatural retocando a história.

A primeira cena do filme já deixa claro que este não terá um final feliz. Começando pela morte de seu protagonista, sentado em uma estação de metrô, com moscas pousando em seu cadáver, enquanto o espírito do garoto vê a si mesmo naquela situação deplorável, O Túmulo dos Vagalumes já deixa claro que a tristeza e melancolia estarão ali, seguindo o espectador por sua jornada. Enquanto o corpo do menino lentamente apodrece, junto com o de tantos outros pobres, que também encontraram seu fim ali, deitados na estação, as pessoas passam por eles, como se aquilo fosse uma situação cotidiana, o que, infelizmente, o era no início do Japão pós-guerra.

Enquanto os zeladores da estação passam pelos cadáveres, fazendo seus trabalhos, podemos perceber a primeira crítica de Takahata; a desumanização. Provavelmente acostumados a encontrar cenas como essa durante a guerra, o povo já estava vacinado, e aceitava cenas lamentáveis como essa com a maior naturalidade do mundo. Ainda mais considerando a perda do país no conflito, o sentimento de que todo o sofrimento e destruição que sofreram naquele período foi em vão pairava pela sociedade japonesa.

Quando o faxineiro meche no corpo do garoto para verificar se ele estava vivo e uma caixinha cai de seu corpo, ao perguntar ao seu colega; “O que é isso?” recebe a resposta “Não importa, apenas jogue fora”. É como se toda a jornada e história vivida por aqueles mendigos não significassem nada. Eles não eram mais ninguém, não iriam fazer falta. Agora tudo o que representavam era um corpo a ser descartado, dando trabalho ao resto da população (tal crítica, aliás, pode muito bem ser feita sem o fator guerra presente, é só parar para pensar como as comunidades carentes normalmente são tratadas pela sociedade em geral). Então, enquanto o trabalhador joga a caixa que estava sendo guardada por aquele homem no lixo, como um objeto qualquer, desprovido de valor, vemos duas pessoas vendo a situação de longe, um menino e uma menina, um irmão e uma irmã, duas vítimas da guerra, que agora se reencontravam em espírito.

Após este prólogo, que, apesar de curto, é muito significativo, a devida história começa.

Seita e Setsuko vivem com sua mãe, enquanto seu pai, um marinheiro, está na guerra. Ele é um adolescente, ela, uma menina de quatro anos. Quando sua cidade é bombardeada, sua casa pega fogo e a matriarca falece, os dois se veem obrigados a ir morar com a tia. Depois do tombo inicial, tudo parece estar seguindo como os conformes, mas as pressões da guerra, os ataques aéreos incessantes e as constantes concessões que a família tem que fazer para se alimentar, vão aumentando as pressões sobre aqueles indivíduos, enquanto eles buscam sobreviver.

Antes de seguir com a minha resenha, acho que cabe aqui dizer com todas as letras; O Túmulo dos Vagalumes não é apenas o meu filme favorito do Studio Ghibli, como um dos meus filmes favoritos de todos os tempos. Sendo assim, há uma grande cobrança de mim mesmo para que este texto faça jus a ele, e eu espero conseguir.

Logo nos primeiros minutos de filme, já somos deparados com cenas de extrema violência, como os bombardeios, que se repetirão ao longo da história, além de certos momentos bastante gráficos, o que deixa claro que, apesar de ser um filme de animação, O Túmulo dos Vagalumes definitivamente não é para crianças, quebrando o estereótipo que o “gênero” recebe, mostrando que a animação nada mais é do que uma técnica, que pode ser usada para contar diversas histórias e de diversos tipos. Tanto filmes como O Túmulo dos Vagalumes e Valsa com Bashir (animação israelita, também com temática de guerra), quanto filmes como A Pequena Sereia ou Shrek podem ser explorados nesse meio, e tem seu valor e espaço.

Porém, mesmo com o tema da guerra pairando sobre o filme, ele foca nos impactos que tais situações trazem para pessoas comuns e não no conflito em si. Takahata deixa explícita sua visão contrária à guerra, mostrando todo o rastro de destruição que esses eventos trazem consigo, e como a maior vítima de tudo isso é sempre a população comum, que não tem nada a ver com a batalha estrelada pelos chefes de estado das populações conflitantes e seus soldados.

Diferente de muitos filmes hollywoodianos que abordam esse tema, trazendo uma mensagem, muitas vezes, a favor do imperialismo americano, e os pintando como os grandes heróis de qualquer situação retratada, O Túmulo dos Vagalumes foca na devastação, não defendendo interesses por trás da história. Obviamente, acredito que ninguém em sã consciência defenderia as ações do Japão na Segunda Guerra, levando em conta que o país se aliou com a Alemanha nazista, mas é um ponto muito positivo do filme que ele não glamorize ou romantize uma situação tão horrenda como esta, apenas para levantar uma bandeira.

O foco do filme está na relação dos dois irmãos, que vivem em uma cidade do interior, bem distantes do conflito em si, mas que recebem lembretes deste todo dia através dos constantes bombardeios que assolavam o Japão como um todo na época. Com a perda de sua mãe e seu pai na guerra, Seita e Setsuko se agarram um ao outro, acreditando serem a única coisa que ainda têm. Em uma das últimas cenas, com Setsuko em um estado bem debilitado perto da morte, Seita pergunta a sua irmã o que ela gostaria de comer. A menina faz uma grande lista, mas quando o jovem diz que irá a cidade retirar o dinheiro do banco para poder comprar o que ela pediu, a garotinha, em uma voz chorosa, mas já sem forças para chorar, o pede para não ir, e diz que não precisa de nada, apenas de sua companhia.

Os personagens do filme são o seu maior ponto alto, especialmente, mas não só, a dupla de protagonistas. Setsuko representa a inocência de uma criança em meio há um ambiente tão violento (em um determinado momento, ela encontra um cadáver coberto por um pano, e acredita ser alguém dormindo). A menina não entende muito o bem o que está acontecendo, chora, faz manha, clama por sua mãe, e é o ponto principal da crítica de Takahata em relação à guerra, que deixa pequenas crianças sem os pais, sem casa e sem alimentos. Takahata disse que Setsuko foi a parte mais difícil de realizar, pois apesar de haver muitas cenas onde ela faz birra, ele não queria retratá-la de maneira irritante, e queria fazê-la de forma tangível, o que foi difícil de realizar, segundo o próprio.

Seita é a figura mais trágica da história; sendo apenas um garoto, porém mais velho que sua irmã, ele se vê encarregado de protegê-la a qualquer custo. Sem querer admitir suas fraquezas, comuns para alguém de sua idade, deixando seu senso de responsabilidade e ego falarem mais alto e se recusando a pedir ajuda, no fim é ele quem acaba levando sua irmã, e ele mesmo, para seus respectivos fins.

O ego pode ser tido como o principal vilão da história, estando presente em muitos dos personagens, e não apenas em seu protagonista. A tia dos meninos, com quem eles se mudam em um primeiro momento, também é cheia dele, o tempo todo sendo grossa com os dois sobrinhos e se queixando que ela dá duro por eles e eles não a valorizam. A mulher em questão é a antagonista mais detectável do filme, mas em nenhum momento ela é maniqueísta ou age como a madrasta má da Cinderela. Por mais que o público fique com raiva dela pela maneira como ela trata os dois irmãos, os dando reprimendas o tempo todo, os chamando de folgados e cobrando que eles contribuam mais, não é difícil de perceber o lado da personagem na história. Sendo uma dona de casa no meio da guerra, tendo que virar para conseguir comidas para toda a família, e agora com duas bocas a mais para alimentar, é compreensível que a pressão tenha lhe subido a cabeça e a feito lhe comportar desse jeito. Acontece que, por vermos a história através dos olhos dos irmãos e compreendendo sua dor, nós ficamos irritados com a maneira rude que ela lhes trata.

A situação com a tia fica tão inóspita, que Seita decide se mudar, se acreditando perfeitamente capaz de fornecer para si próprio e sua irmãzinha. Em mais um momento em que o orgulho fala mais alto e ele sente a necessidade de autoafirmar, o garoto vai com a pequena para um abrigo no meio da floresta, se acreditando capaz de cuidar dela. A partir daí, as coisas desandam. Com os recursos cada vez escassos, Seita se desvirtua cada vez mais para conseguir cuidar da irmã. Ao invés de simplesmente pedir ajuda, ou se desculpar com a tia, o jovem não quer dar o braço a torcer, e começa a roubar das plantações próximas, ou das casas vizinhas, para ter o que comer. A coisa chega a um ponto em que, quando os aviões passam para bombardear a vila, ao invés de se esconder com medo, como o resto da população, ele comemora, pois com os moradores nos abrigos, ele pode invadir as casas e roubar seus pertences. Mesmo com a condição de saúde de sua irmã piorando cada vez mais, Seita permanece persistindo em seus erros, por acreditar que, caso ele recue, será uma pessoa, e um irmão, fraco. Assim o menino vai, se afundando cada vez mais em um buraco do qual não conseguirá sair, tudo por causa de seu ego e orgulho.

Quando Seita finalmente é pego em seus roubos, podemos perceber a situação inumana em que ele se encontra, tanto física quanto emocionalmente. Ele sai a tapas com o dono da cana de açúcar que estava roubando, como se os dois fossem animais ferozes lutando por um último farelo de comida. Espancado e arrastado até a delegacia de polícia, ele se sente humilhado, e sente que falhou com Setsuko, temendo que ela não o verá da mesma maneira depois daquilo. Quando ele termina de ser interrogado pelo policial, o jovem encontra sua irmã na rua. Ela corre e o abraça, sem entender o que está acontecendo, mas Seita não consegue nem a olhar nos olhos, de tão envergonhado que estava, por ter que se diminuir àquele ponto para prover para ela. Antes da menina ter a chance de chorar, no entanto, é o mais velho que se debulha em lágrimas, mostrando toda a sua fragilidade, e, pela primeira vez, não conseguindo conter seus sentimentos.

As ações de Seita podem ser compreendidas, no entanto, se olharmos para seu pai. Aparecendo apenas em duas cenas o filme todo, ambas em flashbacks, percebemos nele toda a imponência e seriedade de um militar. Seu filho tenta se equiparar a ele, e se provar digno, como se não precisasse da ajuda de ninguém para cuidar da sua irmã. Isto, no entanto, não é verdade, e as consequências de seus atos são catastróficas.

Na reta final do filme, quando o jovem está na fila do banco para retirar todo o dinheiro que lhe resta, ele ouve sobre a rendição do Japão na guerra. Chocado, ele questiona os homens da fila sobre as frotas marítimas, e eles dizem que todas elas afundaram. Percebendo que, não só seu país havia perdido, mas seu pai estava morto, derrotado, contrariando a figura heroica que ele tinha em suas memórias, o menino percebe que tudo aquilo que fez, todas as suas ações para se provar perante os outros e se mostrar um bom irmão e bom provedor, foram em vão. Chocado e sem conseguir assimilar o que tinha acabado de descobrir, Seita volta para casa, fitando bem uma foto de seu pai que tinha nos bolsos da calça, vestindo sua farda e com uma expressão séria em seu rosto, murmurando “Agora até o papai está morto”. Neste percurso, um avião passa pelos céus e o protagonista cai no chão, com medo, antes de lembrar que a guerra havia acabado. Ele olha o avião ir embora, levando consigo todas as suas convicções e seu árduo trabalho duro, que acreditava terem sido para nada.

Em relação à Seita, Takahata disse que se sentiu compelido a fazer um filme do conto ao perceber que o protagonista era um “estudante único dos tempos de guerra”. O diretor explicou que qualquer história sobre guerra, seja ela animada ou não, tende a ser “tocante e triste”, e que pessoas mais jovens desenvolvem um “complexo de inferioridade”, por perceberem as gerações que lutaram em guerras como sendo mais nobres e capazes do que eles, e, portanto, o público mais jovem, ao ver histórias que se passam nesses períodos, acreditam que elas não as dizem respeito. Então, o diretor argumentou que queria fazer um filme que acabasse, de uma vez por todas, com essa forma de se pensar, fazendo um filme de guerra onde o protagonista não só é jovem e inexperiente, mas também não tem o glamour e nobreza que se imagina quando pensamos nas gerações que lutaram na guerra,

Em uma cena, onde Setsuko tenta capturar um vagalume com as mãos, mas acaba o esmagando, Seita diz “você apertou forte demais”, o que também pode ser dito da relação do mesmo com a sua irmãzinha, no decorrer do filme.

Aliás, os vagalumes, presentes no título, fazem parte integral da história, aparecendo em momentos chave da mesma. Alguns dos significados atribuídos a estes insetos são a iluminação e a esperança, o que é o que eles trazem para os irmãos. Tentando distrair sua irmã da realidade dura de suas situações, Seita a leva para passear em um gramado onde muitos deles voam por lá. Os dois se distraem com a beleza dos animais, se esquecendo, mesmo por um breve momento, do estado de suas vidas, e se lembrando dos momentos bons que viveram antes disso, como se pudessem voltar a estes.

Outra cena emblemática com vagalumes, e, provavelmente, a mais bonita visualmente do filme, ocorre quando a dupla já se mudou para o abrigo da mata. Seita, que havia capturado um monte dos insetos em um balde, os solta sobre as camas deles, envoltas por um mosquiteiro, e os dois se distraem os vendo voar e brilhar. O mais velho se lembra de como era sua vida antes, com sua mãe e seu pai, apenas de olhar para os insetos.

No entanto, este é o último momento alegre do filme. Quando acordam, todos os vagalumes já estão mortos, e Setsuko cava um buraco para despejar seus cadáveres (o túmulo, podemos dizer, destes vagalumes). Chorando, ao lembrar de sua mãe, a menininha indaga; “Por que vagalumes tem de morrer tão cedo?”. Aquela ação simboliza o fim da esperança para os protagonistas, mesmo que o espectador não saiba disso ao vê-la para primeira vez, com as luzes se apagando definitivamente, já que, a partir daí, a história se encaminha para os momentos finais, os mais tristes e tensos dela.

A marca das balas retratadas no filme, mais tarde fez uma edição especial, com Setsuko na embalagem.

Além dos vagalumes, outro elemento simbólico do filme é a caixa de balas que Seita compra para Setsuko durante a história, sendo esta mesma caixa a que estava com ele, quando encontram seu corpo no começo da história. O protagonista compra as balas logo no início, antes de as coisas desandarem tão tremendamente. Ela acompanha os dois durante toda a sua trajetória, e, quando quer que a menina começasse a chorar ou ficar triste, seu irmão tirava uma bala e dava para ela, a fazendo sentir melhor. Mesmo após as balas acabarem, eles continuam carregando ela consigo, como um símbolo e um lembrete de que as coisas iriam melhorar, e seriam doces novamente. Quando Setsuko falece, e fica claro para Seita que este não seria o caso, ele a crema e coloca suas cinzas dentro da caixa, e continua a carregando junto de si, como uma maneira de mantê-la junto dele, mesmo após sua morte.

Já ficou redundante tecer elogios à arte destes filmes, já que todos eles são de uma qualidade técnica impressionante, melhorando a cada filme, mas é impossível não o fazer. O diretor de arte, encarregado da parte animada da obra, já que Takahata não é animador, foi Nizo Yamamoto, que já havia trabalhado com o Studio Ghibli anteriormente, e seguiria a fazê-lo, se tornando um colaborador frequente. Neste filme, os já comuns cenários bucólicos muitíssimo bem trabalhados se fazem presentes. Mas também há momentos onde a dedicação aos detalhes é menor, momentos onde há maior enfoque na introspecção dos personagens. Se deixa os cenários menos trabalhados propositalmente, para que o público possa sentir o peso das emoções deles.

Como de praxe, considerando a filmografia do estúdio, a natureza contribui bastante para a história, compondo a maioria dos seus cenários. Em muitos momentos, pode se notar, os irmãos buscam refúgio na mesma, como o passeio pela mata onde eles observam os vagalumes pela primeira vez ou quando vão à praia, um dos poucos momentos do filme onde conseguem espairecer e que é marcado pela alegria, contrastando com o resto da obra. No fim, quando decidem sair da casa da tia, se mudam para um abrigo no meio da floresta, como eu já havia citado antes.

É bom notar, também, que a natureza está sempre inteira e plena, contrastando com os ambientes nas cidades, que são marcados por destruição, representando a sobrevivência e resistência dos ambientes naturais, enquanto os humanos brigam entre si e se autodestroem.

Outro ponto visualmente interessante do filme são as sequências mostrando os espíritos dos dois irmãos, que estão espalhados por ele. Estes momentos são marcados por um vermelho gritante e opaco, representando a dor dos dois, principalmente de Seita, ao revisitar aqueles momentos obscuros de sua vida, que ele vê há distância. Porém, como o vermelho também representa a cor do amor, é em uma dessas sequências, que mostra os espíritos dos dois irmãos, que o filme se encerra, em uma cena agridoce, onde Seita e Setsuko finalmente estão juntos de novo, depois de tudo o que passaram.

O desfecho não compensa toda a tristeza que perpassa a história, mas é bonito ver que, mesmo com todas as tragédias, Takahata encontrou uma maneira de passar esperança ao seu público, nos momentos finais de sua obra.

A trilha sonora, composta por Michio Mamiya, especialista em música barroca, também é belíssima. Marcada por música clássica, ela combina com a arte a mão do filme e dá elegância à história.

O autor do conto que serviu de base para a história, Akiyuki Nosaka, disse que recebeu muitas ofertas de adaptação de O Túmulo dos Vagalumes em filme. Ele contra-argumentou que acreditava ser impossível recriar a atmosfera que serviria de cenário à história, além do que achava que nenhum ator mirim conseguiria fazer jus aos protagonistas. Ficou surpreso ao receber uma proposta para adaptar seu conto em uma animação. Após ver os rascunhos do filme, Nosaka concluiu que uma história como aquela não poderia ser adaptada por nenhum método que não fosse a animação e admitiu surpresa em relação à beleza dos cenários.

Se O Túmulo dos Vagalumes perderia seu peso caso fosse adaptado em live-action, eu não sei. O que eu sei é que, do jeito em que foi feito, o filme é um dos mais lindos e tocantes que eu já tive o prazer de ver na minha vida. Takahata, em seu trabalho mais denso e bem esculpido, nos entrega uma história linda sobre relações familiares e como elas sobrevivem mesmo nos momentos onde tudo mais está morrendo. Sendo assim, eu só tenho a agradecer. Obrigado Takahata, obrigado Nosaka, obrigado Ghibli, por nos proporcionar esta belíssima história, e por continuar a entregar trabalhos excelentes ininterruptamente mesmo trinta anos após esta obra.

Por mais que eu duvide muito que algum dia um filme do estúdio vá superar O Túmulo dos Vagalumes no topo da minha lista, dou todo o apoio para que eles tentem, e que continuem me encantando, e a tantos outros, com estas obras de arte em formato de filme.

Amanhã: O Serviço de Entregas da Kiki, de Miyazaki (1989).

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