Operação Big Hero (2014)

Miguel Serpa
22 min readFeb 25, 2019

De todas as mudanças e decisões executivas pelas quais a Disney, enquanto companhia, passou durante a regência de Bob Iger, talvez nenhuma tenha sido mais lucrativa do que a aquisição da Marvel Comics. Regendo o dito MCU — Universo Cinematográfico da Marvel — Mickey Mouse deu um jeito de ficar ainda mais rico, lançando em média três filmes de super-herói por ano, em sua imensa maioria extremamente lucrativos (dos dez filmes mais lucrativos de todos os tempos, quatro deles são da Marvel), criando uma febre em Hollywood por filmes estrelando combatentes do crime fantasiados, causando um impacto na indústria cinematográfica de grandes blockbusters, e simplesmente gerando um fenômeno cultural de escala mundial. Com todo este poderio em suas mãos, não faria nada menos do que sentido lógico que a Disney tentasse capitalizar ainda mais em cima da Marvel e da sede do público por histórias de super-herói também através de seu departamento animado, e foi exatamente isto que ela fez, com Operação Big Hero, baseado em uma linha de quadrinhos da Marvel obscura o suficiente para que os animadores e roteiristas envolvidos no projeto pudessem modificar o material o quanto quisessem sem grandes reclamações. Realizar um filme animado de super-herói também foi um passo calculado da Disney como uma forma de diversificar suas animações contemporâneas e não alinhá-las inteiramente a um único gênero, seguindo os passos de Detona Ralph e fazer um filme que apetecesse mais ao gênero masculino, após o conto de fadas musical mais estereotipicamente alinhado ao gênero feminino que foi Frozen, mostrando uma tentativa da companhia de lutar contra um de seus erros do período da Renascença — a supersaturação de uma única fórmula — e diferenciar um pouco as coisas. Dirigido por Don Hall (O Ursinho Pooh) e Chris Williams (Bolt — Supercão), o filme foi lançado em 2014 e ganhou o Oscar de melhor animação no ano seguinte (o segundo do Walt Disney Animation Studios).

Enquanto promoviam Operação Big Hero, uma das frases que foi constantemente repetida pela equipe de produção em entrevistas foi a de que o filme seria uma combinação da sensibilidade e a doçura esperada de animações da Disney com a ação bombástica dos filmes da Marvel — isto é uma verdade. Infelizmente, no entanto, só uma dessas facetas realmente funciona, e a outra ativamente ajuda a puxar o filme pra baixo, e o impede de se fechar de forma muito melhor do que como acaba se fechando.

Sim, assim como Frozen antes dele, Operação Big Hero apresenta uma base emocional sólida e bastante tocante que servirá de suporte para o resto da aventura que será construída acima de si, cuja qual não conseguirá manter o mesmo apelo de sua fundação e se tornará uma história um tanto quanto derivativa em seu avançar, perdendo considerável parte do brilho que retia em si em seus momentos iniciais. São os momentos mais humanos que configuram a parte que funciona, a relação entre os personagens e os momentos genuínos que eles compartilham — a parte Disney. A parte Marvel, no entanto, é o que enfraquece o filme, quando a obra deixa de lado a sensibilidade que doa ao laço entre o protagonista, Hiro Hamada, e seu robô, Baymax, para se pintar como um filme de super-herói extremamente genérico e formulaico, que não está tanto inventando a roda quanto está assaltando uma loja de pneus já conhecida e popular e forçando a inserção de tais pneus em seu veículo.

Em mais um paralelo com Frozen, o filme parece ocupar o seu primeiro ato focado no tema da irmandade — desta vez, não focado na relação entre duas irmãs, mas entre irmãos do sexo masculino, Hiro e Tadashi. Um adolescente e um jovem adulto, respectivamente, a dupla é criada por sua tia Cass, porque — não surpreendente para um filme da Disney — seus pais faleceram. Operação Big Hero faz um excelente trabalho neste primeiro momento em estabelecer o laço entre os dois irmãos, de uma maneira contagiosa e que soe familiar para o público. Ambos agem como uma dupla de irmãos reais agiria; eles se amam, mas se provocam. Eles podem passar algum tempo se provocando e se alfinetando, mas ainda existe um visível senso de camaradagem e de carinho entre eles. Hiro, como nós descobrimos, é um garoto prodígio; ele se formou do ensino médio extremamente jovem, mas desde então vem desperdiçando seus dotes e não tem um rumo encaminhado para sua vida, o que deixa Tadashi, seu irmão mais velho, que quer ver Hiro bem encaminhado e fazendo proveito de seus talentos, preocupado. Enquanto isso, é perceptível que Hiro, veladamente, possui grande respeito e admiração por seu irmão mais velho, até se espelhando nele um pouco. Ambos possuem uma forte e genuína conexão que os melhores filmes da Disney sabem construir tão bem entre seus personagens, particularmente aqueles sobre família. A dinâmica familiar aqui é ainda mais incrementada com a figura de tia Cass que, mesmo que possua poucas cenas para desenvolver, consegue nos ser entregue como a figura materna dos dois garotos de forma bastante competente e, mais uma vez, genuína, com a forma com que ela se preocupa de forma exasperada com os dois.

Não apenas o primeiro ato é competente ao nos introduzir aos personagens e suas dinâmicas, ele também faz um bom trabalho ao introduzir o mundo em que a história se habita, e até estabelecer a própria identidade da obra e o que a difere de outros filmes da Disney. Como citado, e até esperado pela natureza do filme, Operação Big Hero é um filme que visa se esquivar dos conformes lúdicos e adocicados dos musicais da Disney, e se vender como uma mais badalada e energética história de ação e aventura que esteja mais alinhada à demográfica masculina, e a ambientação da obra faz maravilhas cimentando esta pegada do filme. Operação Big Hero é ambientado em São Fransóquio, um híbrido entre São Francisco e Tóquio, que alinha a arquitetura e estilo mais familiar ao público americano da primeira, com a essência high-tech e ultrametropolitana da segunda, assim dando a sensação imediata ao público de que ele está vendo um filme mais moderno e atual do que produtos como Frozen.

O termo chave aqui é high-tech, com Big Hero se aproveitando inteiramente da associação do Japão com tecnologia de ponta para pintar o filme com retoques futuristas e elementos de ficção científica em si; esta é uma cidade em que a possessão de um robô é tão comum que existe até uma subcultura de brigas de robôs ilegais — que, retornando este texto para os personagens, é como Hiro vem desperdiçando seus talentos; desenvolvendo robôs para lutar e assim ganhar muito dinheiro. Enquanto isso, Tadashi tenta convencer seu irmão a exercer de suas habilidades de maneiras mais produtivas, lhe introduzindo à meios legais em que esta maior participação da tecnologia em São Fransóquio se reflete, o levando para conhecer sua prestigiosa universidade voltada para o campo da ciência, onde ele possui colegas que realizam invenções, cada um com um campo de estudo voltado para um nicho da física diferente que eu sou burro demais para inteiramente compreender. Por um breve momento, parece que este vai ser o caminho pelo qual Operação Big Hero percorrerá — se focando nos intelectos Hiro e Tadashi e como ambos os irmãos interagem com o mundo focado em alta tecnologia em que vivem, com eles na universidade criando invenções com seus amigos… mas este não é o caso.

Ao invés, o filme faz uma curvatura brusca em seus primeiros vinte minutos quando, após Hiro fazer uma espécie de exame para passar na universidade de Tadashi, e passar, o próprio Tadashi acabar morrendo em um incêndio dentro da instituição, o que faz com que o que se siga seja Hiro em um estado depressivo e isolado após a morte de seu irmão. Isto não necessariamente precisa ser um problema… e, inicialmente, não o é, particularmente porque o filme toma este tempo para introduzir propriamente Baymax na história.

Baymax é um robô de assistência médica que Tadashi construiu na universidade — e ele é excelente, um dos melhores alívios cômicos que a Disney já criou para um de seus filmes, sem sombra de dúvidas ocupando um top 5. Baymax mostra mais um passo em frente da Disney do período em que acreditava que o que fazia um bom alívio cômico era simplesmente o personagem mais exagerado e berrante possível, dublado por um comediante famoso e realizando quinze piadas de teor anacrônico e referencial por minuto; o robô é a antítese desta ideia. Ao invés seu senso de humor é bastante seco e sutil, e o personagem o tempo todo parece estar alheio ao filme de ação bombástico em que está inserido, indo pela via contrária e sendo dócil e calmo, e este é de fato de onde vem muito de seu humor. Por ser um robô, Baymax possui uma maneira mecanizada e robótica de agir e falar, o que é aumentado por sua natureza calma e delicada — Baymax é um robô de fins médicos, tendo sido construído para diagnosticar e cuidar de pacientes, então ele foi especificamente codificado com um gênio gentil e um tom de voz monótono e exaustivamente calmo, o que ganha mais camadas de humor quando o filme migra para uma obra exclusivamente do gênero dos super-heróis, e Hiro adere ao personagem um uniforme e espera que ele haja de maneira durona e combativa. Não apenas em sua personalidade, no entanto, que está o humor de Baymax; o filme consegue tirar muitas piadas de teor físico com seu design, que fazendo jus ao personagem, é bastante gentil e delicado, tendo seu corpo todo feito de balão inflável, o que faz com que o personagem tenha que constantemente se espremer entre objetos, acabe ficando entalado diversas vezes, e solte ar dentro de si quando perfurado. O filme consegue até se safar com deixar o personagem intoxicado, quando sua bateria está baixa e ele essencialmente se comporta como alguém sob influência, o que lhe dá ainda mais oportunidade de ser hilário — em suma, Baymax é o coração e alma de Operação Big Hero, e a constante que consegue carregar o filme mesmo em seus momentos mais medíocres.

Mas Baymax não possui apenas fins cômicos em Big Hero e, aliás, o mesmo é uma das principais peças para os momentos mais emocionais e sensíveis da história. Eu até me questiono se devo considerá-lo um alívio cômico, porque mais do que um secundário que existe apenas para descontrair dos dramas pelos quais o protagonista atravessa, Baymax claramente possui uma posição de protagonismo aqui, e é em seu laço com Hiro que nós podemos encontrar os melhores momentos de Operação Big Hero após a morte de Tadashi. Como eu havia dito. depois que seu irmão falece, Hiro se isola do mundo ao seu redor, com o filme aproveitando para pintar uma imagem bastante madura e realista de um quadro depressivo, o que eu não esperava encontrar em um filme que acaba sendo apenas um genérico de super-heróis quando os créditos sobem à tela. Hiro passa os meses após a morte de Tadashi isolado em seu quarto, sem ter aptidão para fazer nada; ele não fala com seus amigos, não vai às aulas na universidade na qual se esforçou tanto para ingressar, ele nem sequer chega a se alimentar — estes são claros quadros de depressão clínica, e o filme chega a diretamente abordar o assunto com Baymax. Baymax, que havia sido guardado no quarto de Tadashi junto com seus outros pertences, é acidentalmente ativado quando Hiro se machuca e solta um grito de dor, e o robô surge para diagnosticar o irmão de seu criador — é aí que Baymax diagnostica Hiro com sinais de depressão e resolve tentar curá-lo; um filme para crianças que reconhece a depressão como uma legítima doença biopsicológica, ao invés de um estado de espírito, e defende meios para curá-la? Uau, isso genuinamente me surpreendeu — especialmente pela forma com que o filme acaba desandando e se tornando tão derivativo e bobo até seus momentos finais, eu não esperaria que ele tocasse em assuntos tão profundos e com tanto tato quanto desta maneira.

E o filme arruma um jeito de replicar tal tato e substância na relação de Baymax e Hiro, que tal qual Hiro e Tadashi nos primeiros vinte minutos, desenvolvem um laço bastante tocante e genuíno, que serve de base para todo o restante do filme — Baymax continua suas tentativas de tentar melhorar o estado de Hiro, que começa a ver o robô como um reflexo de seu irmão, e juntos ambos compartilham os melhores momentos da obra. Infelizmente, o resto do filme não os acompanha.

Ao invés, Operação Big Hero começa a mofar na marca dos cinquenta minutos, quando se é revelado a existência de um vilão misterioso que está se utilizando de uma invenção de Hiro que o garoto acreditava ter sido destruída junto do incêndio que matou seu irmão para um plano diabólico, e agora ele, Baymax, e seus amigos de faculdade, se juntam para formar um time de super-heróis para acabar com seus planos — é aqui que o filme mergulha de cabeça a parte Marvel da coisa, e o resultado, longe de ser o tocante drama familiar entre Hiro e Baymax, é simplesmente… genérico, e vazio de qualquer substância. Esta, na realidade, é uma crítica que é atribuída aos próprios filmes da Marvel como um todo, com muitos atribuindo ao estúdio e seus filmes o fardo de se guiarem inteiramente por um modelo fácil e formulaico, não se permitindo muitos riscos e liberdades criativas para que os produtos finais estejam sempre condizentes com a ‘fórmula Marvel’ e assim se fechando como obras genéricas, feitas em um modelo fast food; de fácil consumo e baixa degustação, onde tudo é sempre igual e só muda a embalagem. E eu não posso evitar de admitir que tais críticas tem seu fundo de verdade; apesar de eu gostar e me distrair vendo filmes da Marvel, eles tendem a funcionar apenas como distrações momentâneas que não deixam grandes impactos no espectador e se fecham de maneira esquecível (ou alguém se lembra das tramas exatas de Capitão América 1, Thor 1 e 2, Homem de Ferro 2 e 3 ou O Incrível Hulk?). Claro que eventualmente eles lançam filmes mais ousados e que conseguem se libertar das limitações impostas pela fórmula para realizar algo de maior peso, como Pantera Negra (que no momento em que estou digitando isso, está ganhando múltiplos óscares), ou até Guerra Infinita… mas Operação Big Hero não é um desses filmes.

O que mais prejudica Big Hero acaba sendo sua natureza como uma história de origem, o que, em um mundo saturado com filmes e outros formatos de mídia envolvendo super-heróis, veio a se tornar um formato narrativo extremamente previsível e cansativo, que nós, o público, já decoramos todo o seu desenrolar de cor e salteado; o herói vai adquirir seus poderes, vai possuir algum tipo de motivação para utilizá-los (no caso de Hiro, a vingança pela morte de seu irmão), nós teremos uma montagem em que o herói testa e aperfeiçoa seus super-poderes, ele terá que deter algum vilão que possui um plano de consequências catastróficas que deixará alguma metrópole caindo aos pedaços no terceiro ato, passará por algum tipo de teste em que ou duvidará de seus poderes, ou abusará de seus poderes, ou os dois, e terá que se redimir e refletir sobre o que significa ser um verdadeiro herói, e só então ele estará pronto para finalmente deter o vilão genérico de motivações genéricas, em uma batalha épica nos trinta minutos finais que, como prometido, deixará alguma metrópole caindo aos pedaços, e terá a presença uma espécie de raio azul surgindo dos céus (o que inexplicavelmente virou uma constante em filmes de super-heróis atuais), mas ainda assim com perseverança e boas intenções, o herói salvará o dia. Operação Big Hero faz tudo isso, e executa tais elementos da maneira mais previsível e formulaica possível; existe um vilão genérico de motivações genéricas, existe uma montagem em que os heróis testam com seus poderes ao som de uma música em off, existe um momento em que o protagonista toma uma atitude egoísta e precisa repensar seus valores como herói, existe uma batalha final épica em que prédios caem aos pedaços e um raio azul surge do céu em direção a terra — tudo o que se pode esperar de um filme atual de super-heróis está regurgitado aqui da maneira mais básica possível, e isto realmente cria um rombo em uma obra que parecia ser tão promissora; especialmente em um mundo em que para cada lugar que olhamos existe um produto de super-herói diferente, se é justo esperar que um novo filme de super-herói tente minimamente inovar as coisas para deixar sua marca, mas Operação Big Hero parece confortável demais apenas reciclando um amontoado de clichês em si — e as tentativas do filme de ser autoconsciente a respeito (com falas como “é aqui que nossa história de origem começa”) não são espertas e irreverentes, e nem deixam a obra mais divertida; pelo contrário, elas só servem para deixar mais escancarado o quão confortável o filme está se banhando em clichês.

Além disso, para um filme que, teoricamente, segue uma equipe de super-heróis (o título original da obra, Big Hero 6, é literalmente o nome da equipe em questão), a equipe mal se deixa registrar. Aliás, todo personagem neste filme que não seja Hiro, Baymax ou Tadashi, nunca evolui para além de meros arquétipos, e isto se aplica perfeitamente para os parceiros na luta contra o crime de Hiro e Baymax, que são os amigos de universidade do protagonista — eles são todos meros arquétipos repetitivos que nós já vimos um trilhão de vezes antes. Gogo Tomago é a garota radical e cheia de atitude, Wasabi é o responsável obsessivo, Honey Lemon é a delicada e gentil e Fred é o palhaço do grupo — eu tive que ir procurar o nome deles na internet de tão pouco impacto que eles deixaram em mim. Mas, mais uma vez, isto é culpa do filme que nunca deixa que eles se desenvolvam — apesar de estarem presentes por boa parte do filme, estes personagens devem ter, coletivamente, umas vinte falas ao todo, e sua única função é servirem como adereços para o arco de Hiro e lhe darem suporte; sério, eles estão constantemente reforçando o quanto eles querem ajudar Hiro e estão lá para o que ele precisar, mas em nenhum momento eles possuem vontade própria ou agem como indivíduos independentes — nem em um momento do filme em que Hiro age de forma impulsiva e egoísta (o já citado momento da narrativa em que o herói comete um erro e precisa se redimir na reta final), e eles tem todo o direito de estarem enfurecidos com o personagem pela maneira com que ele se comportou, os mesmos simplesmente dão de ombros e voltam a reforçar o seu apoio incondicional ao protagonista — camaradagem e espírito de equipe são importantes, mas estas pessoas parecem que sofreram lavagem cerebral para nunca pararem de servir a Hiro. Eles nem chegam a ter individualidade — toda cena em que um deles está presente, os outros três necessariamente precisam estar presentes também, como se todos vivessem grudados uns aos outros, e fossem uma unidade.

O único elemento redimível nestes personagens são os seus “poderes”, com seus trajes de super-herói incorporando as invenções nas quais nós vimos estes personagens trabalharem em sua cena de introdução, e cada um deles utiliza destas criações como seus super-poderes, o que é interessante e mantém o espírito de ficção científica do filme vivo. Mesmo assim, no entanto, nós mal vemos os mesmos exercerem seus super-poderes porque eles ainda são figurantes de luxo, e esta ainda é uma história de origem, que acompanha primariamente Hiro e seu arco narrativo e não foca em mais ninguém, o que dá apenas duas cenas para que os amigos do protagonista de fato batalhem ao seu lado e tenham a oportunidade de exercer suas habilidades, sendo uma delas literalmente o clímax final, e o resultado é que o público nunca sente um laço entre estes heróis, e que eles de fato são uma equipe, o que é um requerimento para todo filme de equipes de super-heróis.

Como se não bastasse imensa parte dos heróis do filme serem figuras extremamente genéricas e mal desenvolvidas, nós também temos o vilão, que é igualmente genérico e mal desenvolvido (o que, para ser justo, é meio que o padrão dos filmes da Marvel — mais uma vez Operação Big Hero se mostrando firme em sua decisão de seguir literalmente toda cartilha possível desenvolvida pelos filmes da editora). Assim como o que acontece com os amigos de Hiro (e o que acontece na imensa maioria dos filmes da Marvel com vilões fracos), o filme está ocupado demais focado no protagonista e em seu arco narrativo para de fato devotar um segundo sequer para desenvolver outros personagens, então a saída fácil encontrada pelos roteiristas é, mais uma vez, a criação de um genérico e preguiçoso “vilão surpresa” que terá sua identidade revelada no terceiro ato, para que o filme não tenha que de fato ter o trabalho de criar um antagonista interessante e possa simplesmente tratá-lo como uma ameaça ambulante vazia de personalidade até que os heróis descubram quem ele é faltando alguns minutos para o filme terminar. Desta vez, o vilão que arquitetou tudo desde o começo é o professor da universidade de Hiro e seus amigos, que arquitetou sua própria morte durante o incêndio que matou Tadashi para que na surdina pudesse arquitetar seu plano maligno — sua motivação é a de que sua filha acabou morta sendo cobaia de um experimento para uma empresa, e agora ele quer se vingar do CEO da dita empresa.

Deixe-me dizer uma coisa; não importa o quanto o filme queira desviar nossa atenção deste personagem, é óbvio que ele será o vilão desde o princípio para qualquer um que tenha mais de oito anos. Os roteiristas realmente tentam nos distrair fazendo os personagens acreditar que o vilão por trás da máscara é na realidade o CEO da empresa em questão (com, mais uma vez, as tentativas forçadas do filme de se manter autoconsciente, e um dos personagens falando, literalmente, “O [personagem X] é o super-vilão que nós temos que derrotar”), o que vai pelo caminho contrário e só deixa ainda mais escancarado que haverá uma super-revelação no final, e o professor, que todos achavam que estava morto, é o único personagem possível para preencher este papel, principalmente porque ele é o único personagem que restou (há não ser que o filme quisesse ser muito ousado e revelar que a vilã esse tempo todo era a tia Cass, mas a este ponto Operação Big Hero já deixou escancarado que este não é o tipo de filme que ele é). No final das contas, este vilão (que eu acabei de checar e se chama Professor Callaghan) não funciona pelo mesmo motivo que os outros vilões medíocres da Marvel não funcionam: ele está ali apenas para cumprir a cota de “vilão malvado a ser derrotado pelo herói” e nunca é tratado com mais humanidade e dedicação do que apenas um mero obstáculo. O filme tenta redimi-lo ao revelar seu passado trágico e sua sede de vingança pela perda de sua filha, mas isto acaba saindo pela culatra quando no terceiro ato ele se transforma no típico vilão unidimensional e maniqueísta sem um resquício de humanidade que não condiz com o professor aparentemente bondoso e respeitado pelos seus alunos que o mesmo era antes da grande revelação — ele justifica a morte de Tadashi no incêndio causado por ele mesmo sem um pingo de remorso em seu corpo… quer dizer, ele é um vilão de passado trágico e de motivações nobres ou só um típico vilão maniqueísta e genérico?

Um dos poucos elementos que se mantém consistente do início ao fim da obra é a sua animação, que é um grande avanço da animação aparentemente mal acabada e pobre de Frozen. Mais uma vez, a cidade de São Fransóquio é um conceito extremamente inventivo, mas, mais do que isso, ela também é magistralmente materializada pelos animadores, que mesclam o aconchego de São Francisco, com suas casas coloridas, suas ladeiras e seus bondinhos, com a grandiosidade e inovação tecnológica de Tóquio, pegando diversos elementos da topografia e da cultura nipônica, como os clássicos telhados e jardins japoneses, e os introduzindo aqui, criando um design de produção e identidade visual muito únicos para o filme, que perfeitamente encapsulam a essência modernosa de ficção científica na qual Operação Big Hero aposta. As cenas mais movimentadas de ação também são competentemente animadas pelos artistas, com lutas bem coreografadas e coesas. Mas o destaque aqui cabe inteiramente à cena em que Hiro sobrevoa sobre a cidade fictícia com Baymax, mesclando ambos os visuais criativos e únicos, a medida que nós vemos a metrópole de São Fransóquio de longe em todo o seu escopo, com a movimentação mais agitada e aventureira da obra.

Tirando a animação, a única outra constante que se mantém como um elemento positivo a medida que Operação Big Hero vai descendendo mais e mais e se tornando um filme genérico de super-herói, como já citado, é Baymax e sua relação com Hiro, que ainda se traduz de forma sutil e genuína por mais formulaico e clichê que a história ao redor deles pareça. Mas mesmo a dupla acaba sendo afetada, chegando um momento onde suas interações não parecem mais genuínas e compartilhadas por duas figuras de forma natural, mas sim forçadas dentro da narrativa como mais um elemento obrigatório para uma narrativa de super-herói. Leve em conta a falsa morte de Baymax no terceiro ato, enquanto ele se “sacrifica” para salvar Hiro; isso é claramente um momento forçado e extremamente manipulado, inserido dentro da narrativa porque todo filme precisa de um momento final que faça o espectador chorar. As próprias linhas de diálogo entre os personagens nesse momento não são mais naturais, e parecem terem sido manufaturadas da maneira mais calculada possível para fazer com que o público se emocionasse — é simplesmente óbvio que Baymax não vai morrer, e que Hiro vai conseguir revivê-lo nos quarenta e cinco do segundo tempo, e o fato de que isto de fato acontece faz o momento parecer ainda mais gratuito em retrospecto — pra quê matar um de seus personagens da maneira mais exagerada e melodramática possível se você simplesmente vai cancelar o peso do momento ao trazê-lo de volta imediatamente depois? Isto é simplesmente preguiçoso — que é exatamente a palavra que eu usaria para descrever metade deste filme.

Preguiçoso. Ou então você pode substituí-la por genérico, ou previsível — formulaico também é aceito. Mas tudo isso é uma pena, e eu me sinto parcialmente culpado por ser tão duro com este filme assim pois, assim como em Frozen, existe a promessa de uma tocante e promissora história aqui, ela só é engolida por convenções e clichês, ferindo seriamente as chances do filme de ser algo a mais do que mediano. Eu só fico extremamente frustrado — com filmes em geral — mas especialmente com a Disney quando ela essencialmente mata o potencial de uma história interessante e com amplas capacidades de ousar e ser mais madura do que aquilo que o estúdio é conhecido por fazer, apenas para que tal história se encaixe numa fórmula facilmente digerível e sem grandes esforços — eu fico frustrado porque isto é algo que acomete o estúdio de novo e de novo, e eu sei o que este estúdio é capaz quando ele está inspirado e realmente se esforça e tenta com suas narrativas; O Rei Leão, A Bela e a Fera, Pinóquio, Lilo & Stitch, A Nova Onda do Imperador — todos excelentes filmes que são definidos tanto por seus elementos clássicos quanto por suas inovações, pelos riscos tomados em suas execuções e pela familiaridade de seus elementos, o segredo está na forma em como estes diferentes campos são mesclados, mas a forma com que a Disney vem mesclando tais elementos em suas novas narrativas se limita a apenas introduzir algumas ideias interessantes aqui e ali, mas acabar deixando que elas morram em prol do caminho mais fácil.

Isto é algo que eu senti sendo realizado em Frozen, um filme com uma base interessante que acaba sendo soterrada pela subsequente narrativa básica e de fácil digestão que a segue, e eles realizaram novamente a mesma coisa com Operação Big Hero — e ganharam um Oscar, novamente (eu entendo porque premiar Frozen, mesmo sem merecer, afinal o filme foi um fenômeno cultural, mas Operação Big Hero, sério? Não apenas é um filme extremamente básico e simplório em sua execução, mas era facilmente um dos filmes mais fracos daquele ano, e é difícil se livrar da sensação de que o mesmo só foi premiado por ser um produto da Disney). Mas eu não quero entrar nesta discussão e começar a atacar este filme, porque ele é um filme com excelentes elementos adicionados em si, e é um filme do qual eu realmente queria gostar, mas, tal qual com Frozen, bons elementos não necessariamente se traduzem em um bom filme, e mais uma vez o resultado final é um que acaba morrendo na praia. Eu acho que eu sou duro com a Disney porque eu a amo. É um estúdio que teve uma forte presença em minha infância, e que claramente continua tendo uma ampla participação na mesma a medida que eu avanço para a idade adulta, um estúdio que fez filmes que passam no teste do tempo e continuam dialogando com diversas gerações diferentes e tocando pessoas diferentes, então me mata ver um filme como Operação Big Hero, que poderia muito bem se manter a altura destes outros grandes filmes, mas que simplesmente… não o faz.

No final das contas, para você gostar de Operação Big Hero ou não realmente vai depender de quantos clichês e elementos formulaicos em uma única narrativa você consegue aturar, mas se você for como eu e simplesmente ficar facilmente frustrado com filmes que tem potencial para ser mais do que são e puramente o desperdiça, então eu aconselho que você assista à obra apenas até a marca dos cinquenta minutos, mantenha todas as memórias boas dos diálogos entre Tadashi e Hiro e das interações entre Hiro e Baymax, e faça com o seu restante a mesma coisa que o imaginário popular parece fazer com a imensa maioria dos filmes da Marvel e esqueça que ele existe.

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