Robin Hood (1973)

Miguel Serpa
24 min readMay 23, 2018

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Dez anos após A Espada Era a Lei e seu moderado sucesso estrearem no cinema, a Disney resolveu voltar para o folclore inglês com Robin Hood. Robin Hood, muito como o Rei Arthur, é uma as figuras mais proeminentes da mitologia da Inglaterra, e ele, também, gera muita discussão quanto à sua possível existência em algum momento da história, com alguns a defendendo, e alguns o vendo apenas como eu personagem fictício que nunca chegou a existir de fato. A base para o personagem de Robin Hood é que ele é um criminoso, porém nobre, roubando dos ricos para dar para os pobres, e lutando contra a injustiça do tirânico Príncipe João, defendendo os interesses do povo. Por existir desde, no mínimo, o século catorze, com suas histórias crescendo em popularidade no fim da Idade Média e se mantendo até hoje, não há uma versão definitiva ou oficial das lendas de Robin Hood, e muito como Rei Arthur, suas histórias foram alvos de muitas reinterpretações, releituras e modificações ao longo dos séculos, passando por diversos autores e mídias diferentes.

O filme da Disney se mantém fiel à base da história de Robin Hood, com a distinta diferença de contá-la em um universo estrelando animais antropomórficos ao invés de humanos. Ainda assim, muito do universo de Hood está lá; ele é um criminoso nobre procurado pela coroa, que rouba dos ricos para dar para os pobres, e é muito sagaz, sempre conseguindo se safar com suas proezas. Hood, uma raposa, ainda possui seu fiel companheiro, João Pequeno, um urso, seu par romântico, Maid Marian, também uma raposa, e seu arqui-inimigo ainda é o Príncipe João, um leão, que explora o povo a quem Robin Hood jura proteger. Aqui ainda temos o xerife de Nottingham, um lobo, e também inimigo do protagonista, por apoiar e reforçar a tirania do monarca antagonista, e o rei legítimo Rei Ricardo, que é a quem Hood realmente é leal, mas que está afastado do reino, deixando o trono à disposição de seu irmão, João. O fato de Ricardo e João serem leões é muito criativo, inclusive, devido ao fato de o Rei Ricardo ser baseado em um rei inglês que realmente existiu, que fora apelidado de Ricardo Coração de Leão. Todos esses elementos estão presentes nas histórias de Hood, e o filme segue uma narrativa básica que vê o protagonista roubando do Príncipe João e tentando acabar com sua opressão para com o povo, ao mesmo tempo em que engata um romance com Maid Marian. É um filme de aventura típico e sem grandes inovações.

Robin Hood possui suas raízes lá nos anos trinta, sendo o filme mais um resultado final de um projeto que ficou anos e anos sendo engavetado e desengavetado, possuindo diversas mudanças ao longo deste período até se tornar o que viemos a conhecer hoje. Robin Hood talvez seja um dos mais notórios exemplos porque o filme tampouco era sobre Robin Hood. Walt Disney sempre teve vontade de fazer um filme voltado para outro personagem medieval; Reynard a Raposa. Acontece que as histórias envolvendo Reynard, fábulas europeias da Idade Média, mesmo tendo seu nome as intitulando, poderiam ser lidas vendo o protagonista como o vilão, já que ele era um malandro que sempre enganava e causava mal aos outros personagens de suas próprias histórias. Isto afastou Disney de ir em frente com o projeto, que não achava apropriado fazer um filme onde o protagonista era uma pessoa falha, ainda mais levando em conta a popularidade de seu estúdio como familiar e infantil, e isto levou Reynard a ser engavetado, com muitos animadores tentando voltar à ideia ao longo dos anos, porém sem sucesso. Foi apenas em 1968, quando Walt Disney já havia falecido, que o animador Ken Anderson conseguiu convencer seus colegas à dar uma outra chance para Reynard, porém com uma grande diferença: Anderson sugeriu pegar os personagens das histórias de Reynard e aderi-los à outra narrativa medieval, Robin Hood, recebendo sinal verde de Wolfgang Reitherman, que, como citado, essencialmente assumiu os passos de Disney e se tornou o responsável pelo departamento de animação após sua morte. Uma coisa interessante de se perceber é que as histórias originais de Reynard nada mais eram do que sátiras das histórias medievais clássicas, românticas e heroicas, e agora os animadores da Disney estavam simplesmente pegando essas histórias e misturando com aquilo que elas se propunham a satirizar.

Robin Hood foi o primeiro filme da Disney a ser produzido inteiramente sem nenhuma interferência ou participação de Walt Disney, com ele já estando morto quando a sua produção começou, diferentemente de Aristogatas, e isso, muito como as outras obras deste período, machucou um pouco seu resultado final. Como seus contemporâneos, os animadores estavam em uma constante divisão entre fazer algo em que eles acreditavam, ou fazer algo considerando se isto agradaria a Walt Disney, e assim, eles se impunham muitas limitações, e não abraçavam totalmente as suas próprias ideias. Um exemplo desta divisão nós encontramos na dicotomia entre Ken Anderson, responsável por sugerir a ideia para Robin Hood e criar o design de seus personagens, e Wolfgang Reitherman, diretor da obra e meio que o líder do departamento após a morte de Disney. Enquanto Anderson tinha ideias mais inovadoras para Robin Hood, com seus designs sendo mais criativos, utilizando-se de animais pouco comuns em animações para seus personagens, Reitherman se preocupava mais em como o filme seria recebido e com o legado de Walt, diminuindo consideravelmente as liberdades que Anderson tomou e fazendo dos personagens de Robin Hood mais genéricos e figuras comuns das animações, o que realmente desagradou seu colega, que não fazia mistério sobre seu descontentamento com Robin Hood, chegando a chorar ao assistir o resultado final pelo fato de suas primeiras ideias terem sido completamente deturpadas.

As coisas ficaram particularmente mais complicadas quando o irmão de Walt Disney, Roy, também morreu graças à um AVC, em 1971, deixando a companhia, já devastada com a morte de Walt, em uma posição ainda mais comprometedora, agora sem nenhum dos seus fundadores vivos e sem saber o que fazer a partir de então. Isto fez de Robin Hood o primeiro filme animado a ser realizado na Disney quando os responsáveis pela empresa não eram nenhum dos Disney, e sim Donn Tatum e Card Walker. Tudo isto fez o empresa ficar turbulenta, com muitos acionistas inseguros quanto ao seu futuro agora que ambos os seus fundadores, que davam nome a ela, estarem mortos, além da Disney World, na Flórida, possivelmente o projeto mais ambicioso e grandioso que a Disney já lançou em toda a sua história, estar em processo de inauguração por aquela época, e isto gerou ainda mais preocupação, com a dúvida se a Disney conseguiria sustentar aquele projeto, um dos maiores sonhos de Walt, sem nenhum dos Disney comandando-o. Logo, todos os investimentos e atenções foram voltadas para aquele parque de diversões/comunidade do amanhã, e o departamento de animação foi mais uma vez esquecido, com seus recursos sendo consideravelmente diminuídos. Assim, juntando a insegurança dos animadores em sair de suas zonas de conforto e as dificuldades financeiras da companhia naquela época, Robin Hood estava seriamente comprometido deste seu começo e, bem, isto é notável.

A principal vítima do baixo orçamento e cuidados reservados para Robin Hood, como é de se esperar, foi a animação. Mas não por ser grotescamente pobre e mal-acabada, como em Aristogatas, e sim pela quantidade de cenas reutilizadas e recicladas de outros filmes do estúdio. Sim, esta técnica já existia e já havia sido utilizada antes, é verdade, mas foi em Robin Hood que ela estourou, e o filme utiliza da reciclagem de cenas de maneira descarada, o que é bem distrativo uma vez que você nota a presença destes momentos. Em apenas uma sequência, o filme pega de Branca de Neve, Mogli e os Aristogatas. Esses momentos, apesar de pequenos, e no fim das contas, insignificantes, são sintomáticos de o que estava acontecendo com a Disney naquele momento, estando não apenas com problemas financeiros que limitavam suas obras, mas com medo de se explorar, e se mantendo em sua zona de conforto, tentando recriar coisas que funcionaram em seu passado, sem dar liberdade para que suas novas obras fossem seus próprios filmes, o que as enfraquece no fim das contas, e deixa elas como um mero reflexo das glórias de outrora.

Mas tirando este momento chave, a animação não é tão ruim em Robin Hood. O filme possui um grande avanço neste sentido, considerando que a xerografia tinha atingido o ápice de suas pobrezas e limitações em Aristogatas, e aqui ela está apresentável, e inofensiva. Não há visuais deslumbrantes e mesmo notáveis em Robin Hood, mas eles funcionam, e contam sua história, sem serem distrativos ou abaixo da média. Neste sentido, eu acho que o conceito do filme funciona com a xerografia, porque a ideia de um mundo composto por animais antropomórficos é, em seu cerne, algo simples, básico, mas que dá a oportunidade da história, em sua simplicidade, poder ser mais absurda, caricata e cartunesca, e por isso esse modelo é muito usado em animações, sobretudo em desenhos animados. E Robin Hood traz muito em si a essência de desenhos animados, algo vindo da televisão, que veríamos sábado de manhã na televisão. O filme tem muitos momentos exagerados e cartunescos, e por isso a arte simples da xerografia funciona. Mesmo com ele querendo beber da fonte dos outros clássicos conhecidos da Disney em muitos outros aspectos, com a animação os animadores foram sábios ao saber se prenderem ao estilo mais básico dos desenhos animados, não querendo recriar a arte mais polida destes outros filmes, até porque, com o orçamento baixo, provavelmente o resultado final seria pouco satisfatório, como o foi em outras obras que usaram da xerografia, e Robin Hood aproveita da simplicidade da xerografia para manter sua animação simples e com a essência menor dos desenhos animados, que é onde esta técnica funciona mais e não está em constante disparidade com os visuais mais elegantes, aos quais ela simplesmente não conseguia fazer jus.

O filme como um todo, no caso a história e o roteiro, também sabe usar de suas limitações para se fortalecer, mas isto não significa que não hajam falhas. O principal problema com Robin Hood é o quão genérico ele pode parecer às vezes, e sim, de fato ele é um clássico filme infantil, sem grandes inovações. Assim como na animação, a Disney resolveu reutilizar de coisas que funcionaram para ela no passado, ao invés de dar a liberdade para Robin Hood ser seu próprio filme, sobretudo na caracterização de seus personagens, que parecem versões pioradas de figuras do passado. Um grande exemplo disso é João Pequeno, que nada mais é que um Balu 2.0, mas sem todo o charme daquele personagem, justamente porque sempre que o vemos em cena nós imediatamente nos lembramos de Balu e de como ele era ótimo em Mogli, e não há espaço para que João Pequeno nos impressione muito, estando eternamente na sombra de seu predecessor. Isto é pior na versão em inglês do filme onde eles escalaram exatamente o mesmo ator de Balu para dar voz ao segundo urso — o que era um problema ainda maior porque Phil Harris, o dublador, já havia dublado dois personagens da Disney até aquele momento, com João Pequeno sendo seu terceiro seguido. Além de Balu, Harris, um músico e comediante conhecido, havia emprestado sua voz para Thomas O’Malley, de Aristogatas, ou seja, pela terceira vez consecutiva o público estava vendo um personagem de personalidade malandra e sagaz sendo dublado pela mesma pessoa. Isto torna difícil desassociar um filme do outro, e o espectador é imediatamente levado de volta a estes outros filmes no minuto em que ouvem Phil Harris falar, o que é um problema, justamente porque não dá a oportunidade de que Robin Hood possa se apresentar por conta própria, estando diretamente atrelado a outros filmes do passado da Disney. Isto comprova o que eu venho falando; o estúdio após Walt se tornou tão estagnado e inseguro de seguir por novos caminhos, se fechando em uma bolha, que até os dubladores de seus personagens estava reciclando. E, tirando a questão do dublador repetido, João Pequeno não é o único elemento de Robin Hood que parece estar copiando filmes do passado. Sr. Chio, a cobra conselheira do Príncipe João, parece uma segunda Kaa, de Mogli — aliás, por ser um filme com o núcleo todo composto por animais, Robin Hood traz muitas lembranças de Mogli, propositalmente ou não, mas não é só deste filme que a obra pega. A roupa do protagonista é inegavelmente uma cópia das vestimentas de Peter Pan, e o romance entre Robin e Maid Marian, objetivamente a parte mais fraca de Hood, é uma tentativa da Disney de recriar o elemento romântico de seus antigos filmes, como se ter uma subtrama envolvendo o amor fosse obrigatório para um filme — não o é, e Robin Hood prova isso.

Mas mesmo que seja, de certa forma, genérico e um típico filme infantil, Robin Hood compensa por isso por ser, pura e simplesmente, divertido. O filme é uma diversão de uma hora e vinte, e ele realmente entrega isso, conseguindo divertir às crianças, mas também aos adultos, em sua simplicidade. O filme me lembra 101 Dálmatas, no sentido de, mesmo não trazer nada de novo ou ousando, ele cumpre sua proposta, e consegue nos manter investidos em sua pequena e simples história. E apesar de ele pegar muito de outros filmes da Disney, ele também consegue estabelecer uma identidade própria, algo que, por exemplo, Aristogatas, não conseguiu, pois, diferentemente deste outro filme, Robin Hood apenas pega de pontos chave e específicos, e não copia exatamente a premissa de outras obras, como a obra dos gatos. Isto dá a Hood uma vantagem pois, mesmo com sua história simples e pouco inovadora, ele consegue se apresentar de forma única. Por exemplo, o conceito de uma história totalmente composta por animais antropomórficos, apesar de não ser nada de novo, especialmente nas animações, é ótimo, e o filme brinca com ela e utiliza dela para benefício próprio. Ele bebe dessa ideia para formar uma identidade única. O conceito de uma Idade Média composta por diferentes animais vivendo como humanos dá a Robin Hood, como citado, uma essência mais simples, de desenho animado televisivo mais do que uma obra cinematográfica grandiosa como as que a Disney estregava, e isso, apesar de poder ser visto como um problema, aqui dá a Hood justamente a essência que eu citei, de ser um desenho que passa sábado de manhã na televisão, e ele pega dessa pequinês para nos divertir, pura e simplesmente, assim como esses desenhos menores fazem. Robin Hood é extremamente despretensioso e honesto com o que ele quer fazer: ser um entretenimento para as crianças. E é essa honestidade que o engrandece, que o deixa fofo e simples. Robin Hood, de fato, termina como um simples entretenimento para crianças: ele é uma aventura, ele é uma comédia, ele tem romance e momentos de tensão, ele nos faz rir e nos deixa nas pontas dos pés vendo a história se desenrolar. Ele não tem pretensão nenhuma além de querer prender nossas atenções e contar a sua história de maneira envolvente, e eu consigo respeitar isso, e me divertir assistindo ao filme.

Assim, Robin Hood é genérico, mas tem seu charme e personalidade. Esta é uma boa maneira de descrever seus personagens, inclusive. Uma das coisas que Hood tem em comum com Mogli, e este elemento eu não sei se foi proposital ou não, é que há claramente um enfoque maior nos personagens, o que dá a eles um maior espaço para brilhar e os faz se destacarem, mesmo que não de maneira tão bem-feita como em Mogli, até porque, como citado, alguns pontos de Robin Hood parecem pegar diretamente desta obra de 1967, com a qual ele não consegue se equiparar. Mas ainda assim, muitos dos personagens são extremamente divertidos, envolventes e criativos. Eu gosto da dinâmica entre Robin e João Pequeno que, mesmo que sejam personagens um pouco genéricos, muito como o filme, tem seu charme e protagonizam sequências engraçadas. O companheirismo entre eles é muito envolvente, e isto é algo que eu gostaria que o filme se focasse mais — no laço entre os dois, ao invés de se focar totalmente em suas ações. Eu senti falta de momentos onde o filme pausasse e desse a oportunidade para que os protagonistas apenas interagissem um com o outro, o que ele faz às vezes, mas esses momentos menores são engolidos pelo ritmo frenético da maior parte da história — que é divertido, mas eu senti falta de cenas mais humanas e intimistas. Ainda assim, os dois protagonizam momentos verdadeiramente hilários com seus constantes planos para roubar do Príncipe João, estando sempre se disfarçando e enganando os vilões, estragando os planos deles na cara dura e de maneira espirituosa e sagaz. Eles são realmente hilários, mesmo que, mais uma vez um pouco genéricos, e eu compro de fato que eles sejam amigos de longa data, porque os animadores e os dubladores conseguiram estabelecer esse laço entre os dois de maneira crível e divertida. Robin Hood é o típico herói galanteador e sagaz, e João Pequeno é o ajudante engraçado e expansivo que faz de tudo para defender seu amigo. São clichês, mas feito de maneira bem-feita e envolvente, mais uma vez, muito como o próprio filme.

E além dos heróis, há outros personagens que se destacam. Os secundários são igualmente divertidos e cômicos, e eu consigo ver este elenco de personagens e realmente sentir um companheirismo e amizade entre eles. Lady Kluck, a galinha melhor amiga de Maid Marian, que, ao contrário de sua amiga, tem muita personalidade, sendo expansiva e exagerada, Frei Tuck, o padre da cidade de Nottingham, que é companheiro de todos e luta por justiça e pelo bem da população, e até o galo narrador, que nos conta a história, sempre com seu bandolim em mãos, cantando a história para nós, todos são exemplos do excelente grupo de personagens em Robin Hood, mas é em seus vilões onde a obra realmente se destaca.

A dupla composta pelo Príncipe João e Sr. Chio é ótima e verdadeiramente hilária, sendo os elementos mais divertidos do filme todo. Se aproveitando do estilo menor e mais cartunesco de Robin Hood, os animadores não se preocuparam em trazer um vilão intimidador aqui, colocando seus antagonistas, também, como alívios cômicos, mas que funcionam muito bem. Príncipe João é uma criança mimada no corpo de um adulto, estando sempre dando ataques de pelanca e se comportando como um bebê sempre que seus planos são contrariados, e é muito engraçado ver ele tentar impor respeito na população, ao mesmo tempo em que é impossível levá-lo a sério, tendo em vista a maneira com que ele sempre chora pensando em sua mãe e chupando seu dedo, e ver seus planos sempre serem estragados por Robin Hood é maravilhoso justamente pela maneira com que ele reage às atitudes de seu rival e inimigo. Já Sr. Chio é mais racional e esperto que seu mestre, mas nunca é levado à sério, sempre sendo dispensado e mandado calar a boca pelo príncipe, e é igualmente engraçado ver ele ser destratado e constantemente castigado, mais do que os outros antagonistas da história, pois ele apanha de todos os lados, com Príncipe João sempre querendo bater no animal, descontando sua raiva no pobre. Muito como Kaa, Sr. Chio é constantemente humilhado, e ver a dinâmica entre os dois personagens talvez seja a melhor coisa do filme. A maneira com que eles constantemente discutem e brigam faz com que os dois inclusive pareçam como um velho casal, em constantes discussões, e esse troca-troca entre os dois é ótimo. Aqui, a Disney se utiliza de algo que ela costumava a fazer que era retratar seus antagonistas sutilmente com tons e ações homossexuais, como uma maneira de enfraquecê-los ou, simplesmente, remetê-los à homossexualidade, algo negativo, mas muitas vezes o feitiço virava contra o feiticeiro e este estilo mais leve e solto dos antagonistas, que eram mais teatrais e exagerados do que os heróis, faziam com que eles se tornassem os melhores personagens de suas respectivas histórias, o que acontece aqui, com a dupla composta por Príncipe João e Sr. Chio.

Além da dupla, existe o Xerife de Nottingham, o terceiro vilão da obra, e, provavelmente, a figura mais detestável do filme todo. Os animadores realmente conseguiram construir a figura do Xerife como uma pessoa terrível, e é impossível assistir ao filme sem pegar ódio do personagem, com a maneira com que ele constantemente maltrata, abusa e, principalmente, rouba dos personagens pobres da cidade, utilizando de sua posição de poder para fazer o que bem entender, além de se divertir recolhendo os impostos determinados pelo Príncipe João. A cena onde o Xerife passa de casa em casa recolhendo o pouco dinheiro que ainda restava das famílias, sem nenhum pudor, roubando, inclusive, uma moeda que um coelho aniversariante havia acabado de ganhar de presente, é um dos momentos do filme que mais consegue retirar alguma emoção do público; no caso, o ódio, direcionado ao antagonista. E, no que tange ao Xerife, eu gostaria de elogiar a dublagem brasileira, que eu acho que, inclusive, melhora o personagem, pois o deixa ainda pior e mais perverso, o colocando, de fato, como um monstro de pessoa, e até um pouco ameaçador, enquanto que o áudio original trata o personagem de maneira mais cômica e caricata. Talvez eu seja parcial por ter crescido com a versão dublada, mas eu realmente acredito que a dublagem melhora e fortalece a figura do Xerife de Nottingham.

A personagem mais fraca de Robin Hood, como eu venho citando, é, de fato, Maid Marian, mas isto não é tanto culpa dela, e mais dos animadores, que colocaram a personagem na história apenas para fazer nada com ela, e a subtrama do romance entre ela e Robin Hood surge do nada e vai para lugar nenhum praticamente, parecendo só estar ali para cumprir cota, como se a lógica que os responsáveis pelo filme seguiram foi “bem, tinha romance nos nossos filmes do passado, então nós temos que colocar romance aqui”. Assim, Maid Marian é só mais um par romântico genérico para o herói, estando lá apenas para ser algo que ele deseja, mas não tendo praticamente nenhuma personalidade além de ser uma pessoa gentil, e nem uma função narrativa. Aliás, Maid Marian é praticamente inteiramente esquecida na segunda metade da obra, só voltando no final para se casar com Robin Hood, o que é simboliza o final feliz e é uma maneira alegre de fechar o filme. O fato de Maid Marian desaparecer está inteiramente ligado ao fato de ela, como citado, só estar lá para cumprir cota, e, a partir do momento em que o filme não tem mais espaço para romance, ela é devidamente esquecida, e só volta, como citado, nos momentos finais. E não é como se o casal que ela forma com Robin Hood não seja cativante, é só que não havia porque este elemento estar ali, especialmente quando sentimos que ele só está ali por obrigação. O elemento romântico do filme surge de absolutamente nada — do nada nós vemos Maid Marian e Robin Hood declararem seu amor um para o outro sem que isso tenha sido propriamente estabelecido — e vai para lugar nenhum, e quem mais sofre com isso é Marian, que, apesar de simpática, é vazia e ajuda a empobrecer o filme, pois é um constante lembrete de que, por mais divertida e envolvente que a história seja, ela ainda é genérica e se prende à fórmulas pré-estabelecidas para se contar.

Mas, voltando para os elementos positivos, outra coisa que eu gosto muito em Robin Hood são as músicas. Não, elas não são tão marcantes e memoráveis, mas eu as acho divertidas de se ouvir e cumprem seu papel perante o filme, construindo em cima de sua essência infantil, doce e leve. As minhas favoritas são as que são cantadas pelo personagem do galo, que aliás foram compostas por seu próprio dublador original, sendo essas a que abre o filme e a que toca enquanto todos os moradores de Nottingham estão presos pelo Príncipe João. Outra muito divertida e irreverente é a que toca quando os animais estão festejando, que possui uma letra hilária debochando do Príncipe João.

Robin Hood é cerceado por momentos puramente cômicos, que ajudam a passar a sensação de que estamos vendo uma obra menor e mais leve, provinda de desenhos animados televisivos, do que algo cinematográfico e grandioso. Há muitas piadas físicas, momentos leves e exagerados, e a essência cartunesca destas obras menores. E este é um dos motivos que eu digo que o filme traz a essência dos desenhos que passam sábado de manhã na televisão; ele é extremamente cartunesco, exagerado e teatral, mas isto casa com o filme que estamos vendo e faz sentido dentro do universo, já que a história praticamente inteira é cercada por estes momentos exagerados, diferente de outros filmes da Disney que, apesar de possuírem estes momentos em si, os utiliza apenas como alívios cômicos momentâneos, enquanto Robin Hood é inteiramente cercados deles. São momentos como quando Robin e João Pequenos se fantasiam de ciganas para roubas o Príncipe João, ou toda a sequência no torneio de artilharia — essas cenas são exageradas e elevadas à máxima potência, continuando crescendo e crescendo e crescendo, e sempre ficando mais e mais caricatas e exageradas, e realmente são divertidas e engraçadas, mesmo para as pessoas que não são mais crianças, justamente por serem tão envolventes e exageradas que é impossível não se pegar dando no mínimo um sorriso vendo essas sequências absurdas e caricatas se desenrolarem.

Mas, além da comicidade, Robin Hood também traz um senso mais épico e aventureiro consigo, mais típico das histórias heroicas de Robin Hood. Aliás, eu vejo este casamento do épico com o cômico como a mistura das origens distintas desta versão de Robin Hood; os momentos épicos e grandiosos são provenientes das lendas e histórias do protagonista, e os momentos cômicos e exagerados, onde João Pequeno e Robin Hood enganam e passam a perna em seus inimigos, vem das histórias de Reynard, a raposa, que eram mais exageradas e menos heroicas, com o protagonista daquelas histórias sendo conhecido justamente por passar a perna nas pessoas. Esses momentos épicos e grandiosos são muito envolventes e extremamente bem-feitos, o que é impressionante, considerando o orçamento debilitado que o filme tinha. Ainda assim, os animadores conseguiram entregar nas cenas de ação, e elas nunca parecem pobres ou soam como se estivessem se segurando e não entregando tudo de si. Todos esses momentos vão à mil por hora, se desenrolando de maneira frenética, e isso é algo que eu gosto muito em Robin Hood. É como se o filme fosse uma explosiva aventura de uma hora, e isto é o que faz dele tão divertido de se acompanhar. Ele raramente para e vai jogando tudo o que tem para cima de nós, seja do cômico, ao épico, ao tenso, o filme está sempre indo e indo e indo, e isso faz dele divertido no fim das contas. Essas cenas de ação podem tanto ser mais cômicas e leves, como a que acontece no torneio de artilharia, onde todos os personagens tomam parte, e o filme utiliza-se de sua veia cartunesca e exagerada para continuar jogando coisas ao público, sendo cheia de piadas físicas e momentos grandiosos e exagerados que quase não param e se seguem de maneira frenética, ou de maneira puramente tensa, como o clímax. O clímax de Robin Hood é ótimo, não só porque ele também possui essa questão de continuar jogando coisas para o público, mas porque ele realmente consegue nos atingir e nos deixar tensos e angustiados vendo tudo se desenrolar. As coisas começam de maneira silenciosa, quando Robin Hood consegue se infiltrar na cadeia e soltar os prisioneiros do Príncipe João, e, mais tarde, vai até o quarto do príncipe e rouba seu dinheiro enquanto ele sutilmente dorme. Nós ficamos tensos acompanhando tudo isso, porque sabemos que logo tudo irá explodir e ele será descoberto, e quando isso finalmente acontece a obra realmente entrega, com momentos angustiantes de perseguição que vão a mil por hora. Tem tudo o que podemos pedir nesta sequência, perseguição, lutas, armas atirando e até um incêndio. Os animadores deram tudo de si para nos impactar em sua reta final, e realmente conseguiram, mesmo que a resolução de tudo isso seja meio fraca e anticlimática, além de não fazer muito sentido, mas temos que nos lembrar que se trata de um filme infantil, além de um filme infantil dos anos setenta, então estava bem claro que os responsáveis não iriam se poupar de um final feliz, e, ainda com o final fraco, eles conseguiram realmente entregar um clímax excelente, sendo épico, cômico e dramático na dose certa.

Mas meu principal problema com Robin Hood é sua disparidade de tom entre uma metade e outra, o que, apesar de fazer sentido narrativamente, não foi trabalhado de maneira orgânica, e acabou parecendo dois filmes diferentes que se chocaram e formaram um filme único. Acontece que, enquanto que em seus primórdios Robin Hood era um típico filme da Disney, sendo alegre, divertido e cômico, com cenas coloridas e animadas, da metade para o fim, ele abraça uma maior melancolia e tristeza exageradas, abandonando o seu tom alegre e ficando mais denso, inclusive na paleta de cores, que deixa de possuir tons vivos, e passa a ser totalmente escura, com todas as cenas se passando de noite. O que justifica isso na narrativa é que, após a primeira parte da obra atingir seu ápice com o torneio de artilharia e os personagens todos festejarem, o Príncipe João resolve retalhar e aumentar os impostos, o que faz com que a maior parte dos cidadãos de Nottingham não consigam pagar, e sejam presos pelo vilão. Até aí, ok, mas, como citado, isso não é passado de maneira orgânica, e, do nada, o filme dá uma virada de 180º tanto visual, quanto narrativamente, e as preocupações de Robin Hood passam a ser puramente libertar os cidadãos da prisão, e tudo o que veio antes, sobretudo o romance com Maid Marian, é esquecido e empurrado para debaixo do tapete — é aqui que Maid Marian praticamente morre, só voltando para os segundos finais antes do filme se encerrar. Isto eu também acho que é graças ao choque de ideias entre as lendas de Robin Hood e as fábulas de Reynard, que possuem tons e aspectos diferentes.

Mas essa maior disparidade entre as duas fases do filme não chega a atrapalhá-lo, porque ambas as partes são bem-feitas. O início é divertido, engraçado e envolvente, enquanto que o final é tenso e dramático, mas ainda conseguindo manter a veia cômica viva em diversos momentos, sobretudo nas cenas envolvendo os guardas urubus (extremamente similares aos de Mogli), que ficam de vigiar a prisão, enquanto Robin Hood tenta invadi-la. E a segunda metade de Robin Hood, surpreendentemente, entrega nos momentos tensos, mesmo que o filme seja seu típico filme infantil com animais antropomórficos. Ainda assim, ele consegue tocar fundo em nós em seus momentos mais dramáticos, mesmo que, obviamente, esses momentos sejam todos melodramáticos e exagerados, no maior estilo Disney, que se utiliza pesadamente de sentimentalismos e emotividade para nos passar sensações. Ainda assim, mesmo que esses momentos sejam completamente melodramáticos e exagerados, eles nos atingem, graças àquela simplicidade emocional que os filmes da Disney tanto sabem como utilizar. Ver a cena da briga entre o Xerife de Nottingham e Frei Tuck, e ver o vilão prendê-lo enquanto a chuva cai sob os personagens, ver como Frei Tuck e os ratos que trabalham em sua igreja estão desolados com a pobreza da população, ver os animais todos acorrentados nas masmorras escuras de Príncipe João, todas essas cenas conseguem nos atingir, por mais bobas e teatrais que elas sejam, justamente por serem tão simples e saberem priorizar as emoções que querem passar, elevando-se à máxima potência.

E eu gosto como Robin Hood consegue criar um senso de companheirismo entre os animais. É isso o que eu quero dizer quando falo que realmente acredito que estes personagens sejam amigos. O filme faz um ótimo trabalho criando a comunidade de Nottingham, e nos mostrando como eles se apoiam e se ajudam, e conseguem manter as esperanças mesmo sendo constantemente oprimidos e abusados pelas pessoas que os lideram e deveriam os proteger. É muito tocante, mesmo que seja exagerado, ver como essas pessoas conseguem, nos laços que criaram umas com as outras, manterem sua cabeça erguida e suas esperanças que um dia aquilo irá acabar, que um dia Robin Hood irá dar um fim no tirânico Príncipe João, ou que o Rei Ricardo, o monarca regente, voltará e dará um fim no reinado de seu irmão. Esses momentos estão por toda a parte, seja na interação de Frei Tuck com seus empregados, na maneira com que os animais que estão presos se apoiam e se ajudam, e, principalmente, no momento em que todos eles festejam (na cena onde os animadores reciclaram diversos momentos de animações passadas). O povo de Nottingham é unido e amigo, e essa união é, de fato, muito tocante. Muitas pessoas veem filmes da Disney como filmes bestas e fúteis, que não entregam nada e só se utilizam de manipulação emocional e sentimentalismo besta para dialogar com o público, o que, sim, tem um fundo de verdade nisso, mas essas pessoas também não sabem enxergar que, mesmo em meio à este sentimentalismo, suas obras, por mais infantis que sejam, tem coisas para dizer e para entregar, e por isso tantas pessoas se sentem compelidas por elas. E, no fim, Robin Hood, aquele filme bobo e inofensivo, que parecia mais uma animação genérica do que qualquer outra coisa, traz, em si, uma mensagem muito positiva e tocante sobre como a união entre as pessoas, sobretudo em momentos difíceis, é a melhor arma que nós temos para os enfrentarmos, além de retratar de maneira poderosa a opressão e violência que um povo enfrenta quando sob o comando de um estado tirânico. Robin Hood, nesse sentido, me lembra muito as fábulas de Esopo, que também se utilizava de animais e de sentimentalismos para conseguir passar uma mensagem explicita para seu público.

Mas eu também não vou fingir que Robin Hood é um filme significativo e poderoso, que tem muito a dizer e é mais sério do que parece. Não, o apelo do filme está em, simplesmente, ser uma diversão para toda a família, e ele atinge isso. Robin Hood é, pura e simplesmente, uma obra muito divertida, que consegue deixar quem o assiste entretido e com um sorriso no rosto. Tem suas falhas, claro, mas, no fim, é uma típica obra infantil, com muito humor, cenas de ação frenética e um excelente elenco de personagens, que conseguem nos encantar. É genérico, sim, mas muito charmoso e doce. Tendo em vista o estado com que a Disney se encontrava na época de seu lançamento, os animadores nos entregaram um resultado muito satisfatório, ainda mais considerando que este foi o primeiro filme que se deu totalmente após a morte de Walt Disney. Dos filmes da Era das Trevas, Robin Hood é um dos que mais consegue alcançar a luz.

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