Meu relato sobre a depressão
Eu tinha apenas 16 anos quando fui diagnosticada com depressão. Apatia, tristeza, choro repentino e raiva foram alguns dos sintomas que chamaram a atenção da minha mãe. Apesar de ter passado por um trauma gigantesco naquela época (um acidente de carro que me deixou 30 dias internada no hospital), o fator genético foi determinante para acender o sinal de alerta na minha progenitora, que também já sofria do mesmo transtorno.
E lá fomos nós no primeiro psiquiatra que conheci. Depois de alguns exames e a sugestão de terapia (que eu já fazia na época), o primeiro medicamento me foi recomendado. Meio comprimido pela manhã. Lembro até hoje da sensação de cansaço e da sonolência que senti nos primeiros dias de tratamento. Contudo, segui firme porque sabia que mais cedo ou mais tarde os efeitos colaterais iriam passar e dar espaço para o bem-estar. Pelo menos era isso que fora me dito pela médica.
Naquela época, lembro que o início do tratamento medicamentoso mudou minha vida. Passei a me sentir mais feliz, menos raivosa e voltei a ter esperança no futuro. Mal eu sabia que aquele seria apenas o início de uma saga que contarei nas próximas linhas.
Três anos após isso, me mudei de cidade para cursar faculdade. Longe de casa e numa nova fase de vida, o fantasma da depressão voltou a me assombrar. Dificuldade de socializar, falta de concentração, sonolência, tristeza profunda e aperto no peito. Eu já conhecia esses sinais e não demorou muito até eu entrar num estado depressivo agudo. Procurei um novo psiquiatra, tendo em vista que agora vivia numa capital onde a cartela de opções de médicos era muito mais extensa que no interior. Lembro de me consultar com pelo menos 3 psiquiatras nesse período até encontrar alguém com quem sentisse confiança. Dessa vez, o diagnóstico foi depressão com agravante de ansiedade. Naquela época, meu coração saia pela boca só de imaginar que havia um futuro pela frente e que ele era desconhecido por mim.
Comecei com outra medicação. Os efeitos colaterais dessa vez eram mais fortes: boca seca, enjoo frequente, tremedeira e um calorão que subia pelo meu corpo até nos dias mais frios. Foi nessa época que eu entendi que nem toda medicação funciona. É preciso testar, ajustar a dose, compreender o funcionamento do nosso organismo com aquela substância nova. Levei pelo menos 6 meses até encontrar a pílula mágica que faria com que eu voltasse a me sentir eu mesma.
A depressão é uma doença horrível. Um transtorno que faz com que nada faça mais sentido, nem mesmo viver. Eu vivia me perguntando por quais motivos eu precisava ir pra faculdade, me relacionar com pessoas, ter uma rotina ou até mesmo tomar banho todos os dias. Tudo perde o sentido. É como se um filtro nublado fosse colocado em todas as ações do nosso dia a dia, como se o simples ato de respirar fosse pesaroso. Não à toa, a depressão é considerada uma das doenças mais incapacitantes do mundo segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Após me ajustar na medicação e retornar à terapia, consegui voltar a ter forças para existir. Comecei a conversar com meus colegas da faculdade, participar de interações sociais, me arrumar para sair de casa e simplesmente sorrir. Ali eu imaginei que tudo estava no seu lugar e que aquela doença não iria tomar conta de mim enquanto eu pudesse lutar contra ela. Pra mim foi fundamental o apoio da minha família, que carrega os mesmos genes que eu e que também sofre dos mesmos distúrbios mentais. Alguns com depressão, outros com ansiedade e alguns até mesmo com déficit de atenção.
Eu não estava preparada para o que estava por vir no começo de 2017. Novamente, comecei a sentir que não era mais eu. Me sentia extremamente cansada, sem responsabilidade alguma com os meus compromissos (naquela época um estágio e a faculdade), triste, com um choro que saia da garganta todo dia que eu abria os olhos pela manhã. Morando com duas amigas, elas perceberam que algo não estava certo porque me ouviam chorar todos os dias antes de dormir. Essa foi a primeira vez que eu pensei no suicídio como solução. A dor que eu sentia dentro de mim não tinha explicação. Era dilacerante. Eu não sentia vontade de existir. Olhava para os medicamentos que eu ainda tomava naquela época e pensava em por fim em tudo. Olhava pra faca na cozinha, a janela do apartamento, o ônibus que passava na rua. Sempre pensando qual seria a melhor forma de dar um fim a minha dor. Eu passei a olhar as coisas com os olhos da morte.
Vamos em busca de mais um psiquiatra. Ali, tudo mudou. Eu era proibida de ficar sozinha em casa, de ter acesso a medicamentos, de dormir com a porta trancada ou me locomover sozinha pela cidade. Era um estado de completa vigília. Foi ali que encontrei o psiquiatra que me salvou. Fui diagnosticada com depressão resistente. Dessas que o medicamento age por um certo período de tempo e então deixa de funcionar. Precisei trocar de medicação pelo menos três vezes até me acertar. Voltei para a terapia (que nunca deveria ter saído) com o mesmo médico que me acompanhava na medicação.
Larguei o estágio que eu adorava, diminuí a quantidade de cadeiras na faculdade e aceitei que talvez eu não fosse ser a aluna brilhante naquele ano. Levou pelo menos seis meses até eu voltar a ter vontade de fazer alguma coisa. Testei tantos medicamentos que hoje todas as pessoas conversam comigo sobre a depressão e sobre os remédios que tomam. Me tornei especialista em depressão. Lia tudo que podia, via vídeos, buscava entender ainda mais a doença como forma de me tratar também e entender que aquilo era uma doença.
O tabu em volta da depressão nunca ajudou. Ninguém fala que sofre de depressão. É quase como se fossemos julgados por sentir. Frases como “mas tu tem tudo”, “depressão é frescura, coisa de vagabundo” e “é só trabalhar que passa” foram proferidas por diversas pessoas à minha volta. Isso não ajudou nem um pouco. Por sorte, fui acolhida por diversos amigos, família, professores e chefes. Eu precisei largar dois estágios por causa disso, entregar trabalhos atrasados e estourar faltas em cadeiras pra conseguir me tratar.
Hoje consigo ver claramente quando estou entrando em uma crise depressiva. Apesar de tomar uma dose alta de medicação, existem momentos que é bem difícil levantar da cama. Muitos dos meus amigos dizem que a minha sensibilidade é fator agravante. E eu concordo. Sempre fui uma pessoa que sentiu muito pelos outros, pelas coisas do mundo. Mas com a depressão eu não tinha forças pra lutar por um mundo melhor. E eu sempre quis lutar por isso. Hoje eu ainda sinto as coisas, sinto demais, mas tenho forças pra acreditar que posso mudar aquilo que me angustia. Tenho forças pra ser eu mesma. E esperança de que a depressão é só um detalhe ruim em meio a tantas coisas boas.