Como uma rede de pessoas barrou um gasto público indevido.
Mobilização contra a Lei do Super Salário mostra que participação traz resultados.
Parecia um dia comum de trabalho. Se é que dá pra chamar assim o trabalho de uma rede de mobilização. Criar oportunidades de ação pra que as pessoas construam uma São Paulo melhor, afinal, exige um bom faro, muita dedicação e uma boa dose de sangue nos olhos.
Foi assim que, naquela manhã - na vilinha que a Minha Sampa divide com outras organizações e coletivos que trabalham com ativismo, política e internet - nosso coordenador de mobilização, Guilherme Coelho, nos trouxe uma notícia bastante preocupante.
No dia 23/03, nossos vereadores haviam aprovado, em 1ª votação, um aumento do teto salarial dos servidores do Tribunal de Contas do Município sem que ninguém ficasse sabendo. Até os parlamentares de oposição estavam ausentes.
O TCM, como também é chamado o Tribunal de Contas do Município, recomenda a aprovação ou rejeição das contas da prefeitura, uma espécie de espelho municipal do Tribunal de Contas da União que analisou e recomendou a rejeição das contas do Governo Federal recentemente (esse mesmo que está no centro do debate político em Brasília sobre a existência ou não das pedaladas fiscais).
Aqui, o TCM tem como slogan oficial defender a eficiência e eficácia dos gastos públicos e ostenta um ISO 9001 de qualidade total.
Enfim, sabíamos que os vereadores vinham há tempos aprovando regalias constantemente para esse pessoal mas dessa vez era diferente.
O TCM queria aprovar o que apelidamos de ‘Lei dos Super Salários’, que tinha como objetivo aumentar para R$ 30 mil por mês o teto do salário de seus servidores.
A medida desrespeitava o teto municipal, que corresponde hoje ao salário do prefeito, de R$ 24 mil, e deixava que vários servidores e Conselheiros do TCM recebessem um salário quase igual ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal. E ainda mais absurdo, significaria um rombo no orçamento municipal de R$ 14 milhões ao ano em plena crise econômica.
Em 2012, o então presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, já havia barrado uma tentativa semelhante do TCM de aumentar seus próprios salários. Sem nenhum pudor, ao propor os Super Salários, o TCM e os vereadores, que aprovaram o projeto em 1ª votação estavam, ambos, negando essa decisão do Supremo.
Pra piorar, por lei, o prazo final de aprovação de qualquer gasto público para o ano de 2016 seria até o dia 1º de Abril (6 meses antes das eleições), o que fez com que todas as forças na Câmara se organizassem para votar essa lei de qualquer maneira, antes do estouro do cronômetro.
Parecia brincadeira do ‘dia da mentira’, mas era verdade: estávamos prestes a ver uma lei ser aprovada às pressas, sem nenhuma visibilidade, gerando um gasto público absurdo que poderia ser investido em serviços de qualidade para a população.
Precisávamos agir rápido. Começamos a ligar para os vereadores de oposição e buscar mais informações sobre as votações e pedidos recentes do Tribunal de Contas.
O que parecia ruim, com nossa investigação, só ficou pior.
Compreendemos bem rápido que o Tribunal de Contas do Município, sendo uma instituição responsável por fiscalizar os gastos públicos do município (ou seja, da Prefeitura e da própria Câmara), obviamente desperta interesses dos políticos. Afinal, é sempre bom conceder ‘favores’ pra quem avalia suas contas, não é?! Infelizmente é dessa forma que muitas vezes o jogo político acontece.
De um lado a prefeitura, interessada em deixar passar as regalias do TCM através de sua bancada governista. Do outro, vereadores que se beneficiam com indicações de parentes e aliados em cargos de confiança no Tribunal.
E ainda o próprio TCM, através de dois de seus conselheiros, José Antônio e Maurício Dias, que foram até a Câmara pedir votos favoráveis ao aumento dos próprios salários no dia da votação.
Todos esses interesses faziam com que uma vitória no sentido de barrar o Super Salários fosse pouco provável. Mas nem por isso deixamos de alertar nossos membros sobre o que estava acontecendo.
Informamos então os 75 mil membros da nossa rede sobre a jogada absurda do que apelidamos nas redes sociais de #TribunalOstentação e vimos rapidamente o número de e-mails de pressão enviados crescer.
No endereço bit.ly/supersalario as pessoas podiam mandar o seu pedido contra a Lei do Super Salários para todos os vereadores da Câmara. A ideia era mostrar para eles que estávamos de olho e que, mesmo se não conseguíssemos barrar a votação haveria consequências políticas. Isso, em ano de eleição, meu amigo, faz um vereador pensar duas vezes. Informamos também jornalistas próximos para que mais gente ficasse sabendo (veja matéria que pautamos no portal G1).
Em seguida, iniciamos nosso trabalho dentro da própria Câmara. Fomos até a reunião de líderes das bancadas municipais para entregar nossas reivindicações a cada um deles e informá-los que havia uma campanha com milhares de apoios. Conseguimos nossa primeira vitória: adiar a votação do dia 28, remarcada para o dia 01/04.
A medida que nossa mobilização ganhava força, mais vereadores nos procuraram para mostrar apoio, como foi o caso de José Police Neto (PSD), Ricardo Young (Rede) e Toninho Vespoli (PSOL) que inclusive nos enviaram vídeos de apoio a causa no dia da votação. (clique no nome dos vereadores se quiser ver os vídeos).
Para aumentar a pressão, usamos uma nova tática: pedimos aos nossos membros que entrassem no Facebook do presidente da Câmara Municipal, Antônio Donato, e deixassem um comentário em qualquer publicação da página com a rejeição ao projeto do Super Salários. Dezenas de comentários forem postados e conseguimos constranger o presidente publicamente.
Com ações na internet, na mídia, na Câmara, a sessão extraordinária foi se arrastando. Tudo indicava que a aprovação fosse acontecer no apagar das luzes, mas ao final da sessão, os mesmo vereadores que gravaram seus depoimentos em apoio a nossa mobilização, se organizaram para falar no momento oportuno e garantir que a Lei fosse barrada.
A sessão acabou e tivemos sucesso. Em 2016, o aumento do teto não acontecerá! Conseguimos evitar um gasto público de R$ 14 milhões esse ano.
Mas ainda mais importante do que termos impedido um aumento salarial completamente descabido, é ter a certeza de que uma sociedade organizada pode influenciar no processo político.
Mesmo com a presença de forças políticas obscuras, nossos representantes não estão acostumados com a pressão social. Mesmo que seja com um clique, um comentário na página de Facebook de um vereador, ou ligando para os gabinetes, a pressão funciona e absurdos como o Super Salários podem ser barrados.
Juntos, mostramos que nós cidadãos não iremos mais tolerar um sistema onde o interesse privado esteja acima do interesse público.
Uma sociedade organizada, bem informada e ativa entra nesse jogo para mudar a política para melhor.
E é essa sociedade que nós da Minha Sampa queremos ajudar a construir. Você pode vir com a gente pra experimentar o que é mudar a política na prática e conquistar mais vitórias.
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