Foto: Blog Marcelo Rubens Paiva

O que está por trás do Parque Augusta

Bastidores, detalhes e reflexões: o que fazer para conseguir o que queremos?

Minha Sampa

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Por Leonardo Milano, da equipe Minha Sampa

É muito angustiante como, diariamente, eu percebo que sei muito pouco ou quase nada sobre os processos burocráticos que, muitas vezes, definem os rumos da nossa cidade. Percebo que não aprendi, nem de perto, o suficiente sobre política, direito e economia na escola e muito menos dentro das salas de aula da minha Universidade. Infelizmente, aprendemos mais sobre química orgânica e cinética durante nossa infância e pré-adolescência do que sobre cidadania e política. E, assim, nos distanciamos — não por escolha — do Estado que rege boa parte das decisões que permeiam nossas vidas. A partir do momento em que abdicamos de entender processos legais e burocráticos abrimos mão de participar ativamente da política que nos governa. Afinal, como acessar algo que desconhecemos quase que por completo?

Esse texto tem como foco o caso do Parque Augusta, que ganhou novo fôlego recentemente, mas é também uma oportunidade para refletirmos sobre o quão distantes estamos das decisões que afetam nossas vidas diariamente e por que. Vamos aos fatos!

Era uma vez um parque… O terreno do Parque Augusta é alvo de disputas há décadas. Mas um desfecho ainda pode demorar anos. Me parece óbvio que o interesse de milhares — milhões, talvez — de paulistanos deveria se sobrepor ao interesse particular de apenas duas construtoras. E não é que eu esteja demonizando a iniciativa privada. É que neste caso, é gritante como a preservação da área verde do local e a consequente abertura de um parque representa o interesse público, enquanto a construção de um empreendimento imobiliário, só representaria o interesse de duas das maiores construtoras do país. E isso por argumentos muito simples.

É verdade que a construção de prédios no terreno resultaria na geração de empregos e na arrecadação de impostos. Ou seja, seria importante do ponto de vista econômico, mesmo que até certo ponto apenas. Mas isso me parece muito pequeno perto da necessidade que temos por mais áreas verdes e de lazer em nossa cidade. São Paulo é extremamente cara de se viver e um parque representa uma das poucas opções de lazer gratuita em nosso município. Além disso, respiramos um ar cada vez mais poluído e sofremos cada dia mais com o fenômeno das “ilhas de calor”. É por isso que a Minha Sampa entrou na luta pelo Parque Augusta.

Foto: João Batista Lago (tirada do Blog da Raquel Rolnik)

Mas a questão que fica é: se o Parque traria benefícios tão claros para tantas pessoas, por que até hoje não saiu do papel? Pra mim a resposta é simples: por que nós, os milhares que lutamos pelo Parque Augusta, não tínhamos ideia do que fazer para consegui-lo! Afinal, quem aqui aprendeu na escola, na faculdade ou em qualquer outro ambiente, como, através, seja da política ou da justiça, conseguir alguma coisa nessa cidade? Em contra partida, as construtoras sabem exatamente o que fazer e como fazer. Mas a sociedade carece de recursos para se organizar e exigir mudanças. E aí que está o problema.

Eu, até me envolver com a Minha Sampa também não fazia ideia de como, nós, cidadãos, poderíamos nos organizar para lutarmos pela cidade que queremos. Mas após quase um ano tentando mobilizar pessoas para participarem mais da política municipal, a ficha começou a cair.

Quando soubemos que o Ministério Público de SP havia entrado com uma ação exigindo a expropriação do terreno do Parque Augusta, além de estar cobrando que as construtoras proprietárias pagassem uma multa de R$ 500 mil por dia em que o parque esteve fechado — o que pode resultar num total de aproximadamente R$ 400 milhões — não tinha ideia de que forma o caso poderia ser resolvido. E foi então que eu ouvi pela primeira vez o termo “audiência de conciliação”.

No caso específico do Parque Augusta, como em outras mobilizações com a qual também nos envolvemos, a questão foi parar no judiciário. Mas meu Deus do céu, por que diabos o Ministério Público foi entrar nessa? Qual o dever e o poder do Ministério Público? O que é ação civil pública? Qual a diferença entre expropriação e desapropriação? Por que o caso foi parar em uma Vara da Secretaria da Fazenda? E é muito difícil entender tudo isso de uma vez só.

A mobilização: A tal da audiência havia sido marcada para dali duas semanas, numa quinta feira, dia 19 de maio. Imediatamente, contatamos outros movimentos que também defendem o Parque Augusta para decidir juntos o que faríamos. Foi então que decidimos criar uma petição online para colher assinaturas em defesa do Parque. Mas mais do que isso, para que as pessoas pudessem realmente entender o que estava acontecendo, mesmo aquelas que ainda não haviam se engajado pelo Parque Augusta. Se ninguém entendesse qual a oportunidade de participação e pressão, como poderiam aproveitá-la? E é aí que nos propusemos a ir além de simplesmente criar uma petição, para também, tentar traduzir o caso de maneira que todos pudessem entender e, assim, participarem de maneira rápida, ativa e eficiente.

Foto: Ricardo Matsukawa/UOL

A primeira coisa que precisávamos explicar era justamente o teor da ação civil pública elaborada por quatro promotores do MP e pra que serviria a Audiência de Conciliação — tudo isso da maneira mais resumida e acessível possível. Para quem, até a leitura deste texto, não estava acompanhando o caso ainda — e me desculpem os que acharem esse trecho repetitivo -, o que ocorre é o seguinte: a ação do MP é baseada no fato de que as áreas verdes do local não estão sendo devidamente preservadas assim como o patrimônio tombado localizado no terreno. Ambas as condições estão previstas no Registro de Matrícula do imóvel. Por isso, o pedido de aplicação de uma multa aos proprietários.

Atualmente, duas construtoras, Setin e Cyrela são proprietárias do terreno, sendo que a Prefeitura alega não ter dinheiro para desapropriar o imóvel e fazer as reformas necessárias para transformá-lo em um parque. Entretanto, o MP está pedindo a expropriação do terreno, que significa entregá-lo a Prefeitura sem nenhum tipo de ressarcimento as construtoras, o que seria diferente desapropriá-lo. Desapropriar, em termos jurídicos representa uma cessão ao domínio público, compulsória e mediante justa indenização, de propriedade pertencente a um particular. Isto é, ocorre quando o governo tem interesse público em um terreno e decide "comprá-lo compulsoriamente". Já a expropriação, ocorre quando há algum tipo de desrespeito legal, em relação ao Registro do Imóvel, por exemplo, e a área é simplesmente "tomada" pelo poder público, sem indenização ou pagamento ao particular. Por sua vez, o objetivo da Audiência de Conciliação, como em casos complicados como esse, era tentar resolver o imbróglio a partir de um acordo.

Lançamos o site para coletar assinaturas em defesa do Parque quatro dias antes da audiência, e na quinta-feira já contávamos com mais de 16 mil assinaturas! Mas mais do que as milhares de assinaturas que conseguimos, sabíamos o quão importante era o nosso papel de informar a população acerca do que estava acontecendo. Afinal, quantas pessoas deixariam de saber dessa oportunidade se não tivéssemos nos mobilizado para divulgar o caso?

O grande dia. Enfim chegou o dia da audiência e, claro, a equipe da Minha Sampa esteve presente! Nós e vários outros movimentos a favor do parque acompanhamos a reunião e a boa notícia é que todas as assinaturas que coletamos foram anexadas ao processo! Inclusive, as 11 mil que colhemos com a nossa campanha na nossa ferramenta Panela de Pressão, em 2015. Ou seja, conseguimos anexar quase 25 mil assinaturas de pessoas que querem o Parque Augusta definitivamente aberto e 100 por cento público e preservado!

Foto: Heber Biella

Durante a audiência, os dois lados fizeram propostas. Mas não chegaram a nenhum acordo. A Prefeitura ofereceu 40 milhões para desapropriar o terreno, enquanto as construtoras, ofereceram manter preservada 62% da área verde do local e bancar todos os gastos para transformar essa área em um parque aberto à população. Resultado: os dois lados decidiram marcar uma nova audiência no dia 16 de junho, para pensarem sobre as propostas.

Mas o melhor de tudo, é que a juíza responsável por mediar a disputa, Dra. Maria Gabriella Pavlópoulos Spaolonzi, da 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, se mostrou extremamente sensível à causa do Parque Augusta e fez de tudo para que as construtoras fechassem um acordo com a Prefeitura e o MP. Inclusive, descreveu alguns casos, nos quais havia uma disputa semelhante, em que os proprietários dos terrenos em litígio passaram anos na justiça sem conseguir regularizar a situação jurídica do imóvel, numa clara tentativa de dar uma recado aos representantes da Setin e Cyrela presentes na audiência. Infelizmente, ainda não foi o suficiente para convencê-los.

O Futuro nos espera! Temos mais um mês para nos mobilizarmos e principalmente, entendermos exatamente o que está em nossas mãos, isto é, de que forma podemos agir para conseguir o que queremos. É incrível como, por trás de um parque, há tantos interesses e processos envolvidos. E no que a Minha Sampa puder ajudar as pessoas, tornando esse e outros casos mais acessíveis e oferecendo maneiras de participarmos desses eventos, nós o faremos. Por que essa é nossa razão de existir.

Pra assinar a petição a favor do parque, acesse: bit.ly/parqueaugustaresiste

Para entrar para a Rede Minha Sampa é só acessar bit.ly/minhasampahome

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A Rede Minha Sampa é formada por paulistanos, de certidão e de coração, que acreditam na construção de uma SP mais inclusiva, participativa e boa de se viver.