Não espere muito além de uma cara de bunda se você deixou um problema lá até ele feder

O paradigma do saco de lixo

Mariana Farinas
Psicologia mastigadinha
3 min readJun 13, 2018

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Talvez você já tenha tido que lidar com uma cara de insatisfação após finalmente atender a algo que a outra pessoa queria. O seu empenho resultou numa cara de bunda, que no fundo parece te dizer “tarde demais”.

O paradigma do saco de lixo pode elucidar este comportamento aparentemente caprichoso. Imagine que você pediu para alguém levar um saco de lixo para fora da casa. Este alguém não se opõe e topa a função. Um dia se passa e o lixo continua lá. Outro dia se passa e nada ocorre, a não ser a um cheiro que começa a surgir do saco de lixo que ainda está lá. Os dias vão passando, o cheiro piora, surgem moscas, um líquido fétido e viscoso começa a escorrer pelo piso. Por fim essa pessoa pega o saco de lixo, coloca-o para fora e volta sorridente para receber as considerações pelo grande feito. Você, com um odor terrível invadindo seu nariz, observando as moscas e tentando não pisar no chorume e nas baratas, só consegue sentir raiva.

[ok, você não deixaria chegar nesse ponto, é só uma caricatura]

O que era um problema pequeno e de fácil solução transformou-se numa série de problemas que não existiriam caso a situação houvesse sido resolvida antes. O sorriso solicito do seu ajudante te insulta, pois é a evidência de que ele presta mais atenção à receber uma uma condecoração do que à você e o mal estar que ocorreu. Ele passou por cima de você com um trator, mas sua maior preocupação é receber honras por ter colocado um band-aid no seu joelho.

Porém, como num passe de mágica, o rosto dele muda para uma expressão mais série e ele começa a abrir as janelas para as moscas saírem, pega um pano e produtos de limpeza para deixar o lugar mais limpo do que antes e acaba com as baratas, num esforço para compensar o transtorno. Ele pede desculpas pela negligência e pelos aborrecimentos que causou.

Aos poucos, sua cara de raiva cede para dar lugar a uma expressão ligeiramente irritada, mas bem mais relaxada. Você até consegue soltar um obrigada meio contrariado em reconhecimento ao esforço de te recompensar os estragos que causou. E quando ele reconhece que negligenciou uma situação até que ela se tornasse insustentável e que você tem razão de estar com raiva, sua irritação cede um pouco mais e deixa de ter seu ajudante como alvo.

Ainda não está tudo bem, mas os dias vão passando e você percebe que seu ajudante está mais atento do que antes. Você faz um comentário positivo a respeito e ele em resposta agradece você ter sido generoso por compreender e reconhecer o empenho dele. Vocês respiram aliviados e o assunto não é jogado na cara de ninguém em nenhuma discussão posterior. Fim.

Negligencias aparentemente bobas podem, ao longo do tempo, causar estragos mais profundos. Continuar sofrendo o desgaste de um situação não resolvida e viver o agravamento de frustrações é terrível para quem espera. Um problema não acudido vai se agravando e necessita de muito cuidado e paciência para ser resolvido. Esconder-se no papel da vítima esforçada de um eterno insatisfeito pode ajudar a salvarmos temporariamente nossa dignidade, mas não conserta estrago algum.

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