Como falar de jovens e sexo

Matheus Pronunciato
7 min readJan 22, 2019

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Sex Education é um aulão sobre os assuntos.

Assista cinco minutos de Malhação e você vai entender direitinho como não representar e falar sobre adolescentes na televisão ou cinema. Não consigo explicar exatamente o porquê da maioria das produções que retratam esse público errarem tão feio na abordagem, mas acho que na real a falta de tato tem uma parcela de culpa nisso.

Mas Sex Education acertou em muitas coisas. E aqui consigo apontar fácil, fácil o motivo: a série naturaliza os assuntos desse universo e também não o subestima. Que eu me lembre, a última obra que fez isso com sensibilidade (apesar de não ter sexo como um dos temas principais) foi As Vantagens de Ser Invisível, que usou um enredo leve e simpático para falar sobre assuntos delicados como abusos sexuais, homossexualidade, solidão, depressão, suicídio e ansiedade na adolescência.

Vale também destacar outros seriados britânicos que, assim como a estreia da Netflix, são bons exemplos do gênero pela sensatez e apreço à realidade. My Mad Fat Diary, Skins, Misfits e outros.

Chega de cenas de sexo e nudez de graça para agradar punheteiros e vamos ver os principais motivos que me fazem considerar Sex Education uma ótima série sobre adolescentes.

Girls, girls, girls

(Só para ressaltar: aqui vou discorrer sobre representações femininas na ficção num âmbito narrativo, e não sobre a vida da mulher na nossa sociedade, que não é meu local de fala).

Sabe o que chega também? De patricinhas requisitadas pelos jogadores de futebol, normalmente meio fúteis e nada inteligentes — se gosta desse tipo maniqueísta, assista os filmes dos anos 80 sobre ensino médio; lá você encontrará várias delas, de sobra.

Em Sex Education elas até dão uma aparecida, mas as personagens femininas que ganham destaque ficam bem longe desse perfil. Pra começar, temos Maeve, que faz mais a linha da jovem segura de si e um pouco rebelde. A maturidade da personagem é demonstrada em diversos momentos, mas o que chamou a atenção foi sua amizade com Ruby.

Ruby e Maeve

Logo nos primeiros episódios já ficamos cientes que Ruby quer agradar e ter amizade com um grupo popular de garotas da escola, abdicando de sua relação com Maeve — mas apenas na imagem, já que as duas continuam sendo amigas e confidentes as escondidas. E tá tudo bem para elas. Em uma história convencional, as duas protagonizariam cenas de ciúmes e brigas por Ruby querer fazer outras amizades. Mas Maeve parece entender e aceitar muito bem a vontade da amiga. As meninas não precisam ser rivais, inimigas, ressentidas ou se desentenderem por qualquer coisa, principalmente por meninos.

Garotas também querem sexo

Bora?

As personagens femininas da série também quebram outro enorme tabu, tanto da ficção quanto da vida real: elas também tem vontade de transar; e não precisam ser retratadas como vadias para reforçar isso. Lilly aparece mais ou menos no meio da temporada sendo apresentada como uma garota que tem fetiches e quer perder a virgindade (mesmo que por pressão social), chegando à propor isso à Otis. De resto, Lilly é montada como uma adolescente comum, apesar de ter uma personalidade peculiar — o que a torna uma das mais divertidas do elenco. Jean, mãe de Otis, também é retratada no mesmo âmbito: quer sexo casual, e ponto. Tem nada de errado nisso.

Em contrapartida, temos Otis demonstrando quase nenhuma grande questão sobre perder a virgindade — na verdade, seu dilema mesmo é sobre masturbação, um assunto bem banalizado entre os garotos e raramente abordado como um problema.

E tá aqui outro mérito do seriado, de naturalizar um problema que ofende facilmente garotos e homens adultos por expor a masculinidade frágil deles, assim como a ejaculação quase inexistente do Connor, o cara que pagou um pintinho (na verdade, pintão) na frente de toda a escola.

Chocadíssimos com um pinto na hora do almoço

Afinal, garotos também têm suas inseguranças e medos. Não precisam ser filmados sempre como deuses gregos e máquinas de sexo.

Aborto :o

Outro ponto lindamente representado em Sex Education foi o aborto. Confesso que quando Maeve descobriu que estava grávida, eu dei uma desanimada porque pensei que a trama seguiria para um drama de gravidez na adolescência que já foi muito explorado por outras produções — como em Juno, que inclusive também é um filme adolescente maravilhoso. Apesar de ser uma questão de saúde fora da tela e um tema delicado, as histórias sobre adolescentes mulheres não precisam se condicionar à esse enredo. É o que acontece em quase toda temporada de Malhação, por exemplo.

E, de novo, Sex Education conseguiu lidar muito bem com tal momento da série. Maeve recorreu à um aborto e essa decisão rendeu um dos episódios mais tocantes da temporada, trazendo à tona outras personagens na mesma situação de Maeve, mas em contextos diferentes. Mesmo com a escolha tomada, o assunto mexeu muito com a personagem e, mais para frente, tornou-se só mais um acontecimento. As sequências foram bem reais e sensíveis, mas sem recorrer aos extremos no quesito narrativo.

Vale destacar que a legislação sobre o aborto no país onde se passa a série é totalmente diferente da realidade que temos no Brasil, por isso, se a história se passasse aqui, acredito que deveria ter desenvolvimento e desfecho completamente diferentes. Eu não queria ter me estendido tanto sobre esse tópico, mas, para mim, foi um dos pontos positivos pra série — se você tem algo a acrescentar ou discordar sobre isso, por favor, comente no post!

Héteros e gays também podem ser amigos

A primeira história com que tive contato que registrou de uma maneira natural a amizade entre um heterossexual e um homossexual foi As Vantagens de Ser Invisível. Em momento algum a sexualidade de Patrick foi uma questão que envolvesse receio ou questionamento para Charlie — em uma sequência do livro, Charlie chega até beijar o amigo, achando que isso ingenuamente o apoiaria ao passar por um momento difícil que estava lidando.

Que eu me lembre, não há diálogo algum entre Otis e Eric que a homossexualidade do garoto fosse pauta, porque isso já está muito bem resolvido entre os dois (principalmente para Eric) e chega nem perto de ser uma questão. E o fato do assunto não ser pauta é o que naturaliza muito bem a relação dos dois. Eles continuam sendo melhores amigos, rindo, brigando e dançando no baile, dando espaço para as tramas dos dois fluírem, sejam juntas ou individualmente.

A jornada por aceitação de Eric pouco tem a ver com sua sexualidade — essa aparentemente já foi bem desenvolvida por ele internamente — mas sim por sua personalidade, seu lugar na sociedade em que vive e o que ele quer ser de verdade. E isso foi ótimo de ver. Mesmo reconhecendo a importância da ficção representar histórias sobre o universo de uma pessoa homossexual, personagens gays não precisam sempre protagonizar enredos sobre suas sexualidades. Podem ser personagens como qualquer outas, com problemas dos mais diversos possíveis. O espectador pode se projetar ou familiarizar nessas personagens por N motivos, e não apenas pelo fato de beijar meninos ou meninas. Isso também acontece com um casal lésbico da série, que enfrenta problemas de relacionamento que pouco se conecta com suas orientações sexuais.

Sex Education ainda tem outros méritos, como o elenco diverso, leveza na hora de abordar temas complicados, personagens que fogem de esteriótipos e um enredo que passa longe da futileza para falar sobre sexo. O cotidiano, comportamento e mentalidade dos jovens foram mostrados pelo seriado de um jeito muito digno.

Se você gostou da série, tenho umas indicações do que assistir em seguida. Primeiramente, As Vantagens de Ser Invisível. Tanto o filme quanto o livro são bons, sensíveis e tocantes. A história segue o primeiro ano do ensino médio de Charlie, que encontra por meio de cartas que escreve para um desconhecido uma maneira de se abrir sobre uma fase solitária da vida após seu melhor amigo se suicidar.

Juno, que também foi citada, é um filme que tem a gravidez na adolescência o tema principal e segue muito bem os dilemas da protagonista sobre as decisões que precisa tomar. O clássico Clube dos Cincos é considerado uma das melhores obras sobre adolescentes, retratando cinco esteriótipos das personagens dessa idade para aprofundar suas questões e discutir o lugar delas na sociedade. Por fim, o seriado norueguês SKAM, protagonizado por um grupo de amigas — nele, os assuntos tratados são mais comuns, mas a abordagem se destaca ao mostrar bem como é a vida de um adolescente no cotidiano, com destaque para a terceira temporada, protagonizada por um personagem que se descobre homossexual.

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