A solidão da mulher gorda & sua relação com afetividade

Diu
3 min readJun 27, 2017

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Gostaria de começar esse texto frisando que estou escrevendo baseado no que vivo e nas experiências de outras mulheres gordas com quem troquei experiências nesses 6/7 anos de militância anti-gordofobia.

Ilustração por: Pillar Bellardi

Muitas vezes as pessoas falam coisas como “mas todo mundo te quer”, “você conquista qualquer pessoa”, “você é cheia de opções, tá selecionando demais”, etc. Me pergunto de onde estão se baseando pra isso. Porque, veja bem, é muito fácil dizer que deseja alguém que você só conhece pela internet. E o que eu vejo é que muitas mulheres gordas — inclusive eu — só vemos essa exaltação da beleza gorda em dois lugares: na internet e em âmbitos que são LGBTs (às vezes é só na internet mesmo), mas por quê?

Meus relacionamentos foram praticamente todos frustrados por causa um único motivo: o quão descartável uma pessoa consegue ser na vida de outra. E assim, fui descartada e substituída por mulheres totalmente diferentes de mim (magras e submissas), e isso me faz questionar: vocês realmente acham que temos mundos e fundos de opções a cogitar para nos relacionar?

Situações muito chatas de se viver, são essas em que você vê pessoas magras, brancas, cis dizendo que você tá “selecionando demais as pessoas” como se você realmente tivesse opções. Digo, vocês nunca souberam como é ter um corpo considerado errado e nojento pra sociedade. Nunca tiveram um corpo que a todo momento é lembrado de que não devia habitar aqueles espaços. Vocês nunca tiveram relacionamentos virtuais de meses/anos que terminaram no momento do primeiro encontro na vida real.

Confesso que adoraria viver nesse mundo encantado onde pessoas gordas não são preteridas afetivamente, não ouvem que deveriam agradecer pelo estupro porque se não fosse por ele, não teriam transado, não são trocadas por meninas magras na primeira semana, não perdem empregos, encontram roupa e acessibilidade com maior facilidade. Vocês esquecem o que muitas de nós já passou, passa e ainda vai passar por simplesmente termos um corpo fora do que é comercializado. Eu digo tudo isso porque, de fato, me tira do sério como as pessoas lidam com a solidão afetiva de pessoas fora do padrão como se fosse opção delas estar ali, quando claramente tem toda a construção social de que não é socialmente aceito você se relacionar com uma pessoa gorda sem você ser considerado no fundo do poço ou desesperado.

Lembro perfeitamente que no ano passado eu fui pra Florianópolis e passei duas semanas. Em uma madrugada, dando um rolê com o pessoal punk e uma amiga que também era gorda, tava abraçada com ela e um cara passou por todos os caras. Chegou em nós duas e nos parou, pouco antes de chegarmos ao destino, ele começou a falar. “Na verdade eu gosto de gordas. No final das festas, quando eu tô muito louco e não consigo mais pegar ninguém, sempre tem as gordas que estão carentes, né? Gorda sempre quer, porque ninguém nunca quer elas”. Nisso nosso amigo chegou e tirou ele dali, mas eu não consegui falar nada. Não consegui responder, nem dar um soco, nem sair. Nada. Fiquei imóvel e processei cada palavra da pior forma possível. Aquilo me deixou mal de forma que eu até hoje me lembro perfeitamente até do cheiro que de bebida que ele tava.

Eu nunca falei isso pra ninguém que me conhece pessoalmente, porque eu tenho vergonha. Vergonha das muitas situações vexatórias que já passei por ser gorda. Das muitas vezes que fui escolhida a mais feia da sala só por ser gorda, sem contar as questões de acessibilidade (seja em maca de estúdio de tatuagem até cadeiras plásticas de qualquer lugar), as questões dos problemas psicológicos e transtornos alimentares que, juntos, me fizeram muito vulnerável por muito tempo, até descobrir um mundo totalmente diferente de tudo o que já vivi.

Enfim, quando se fala em solidão de uma galera fora do padrão (eurocentrado, magro, cis, sem deficiência), não se fala só de uma carência afetiva simples. Se fala sobre uma estruturalidade de opressão que contribui pra que a confusão entre construção social e gostos pessoais seja perpetuada.

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Diu

e ando sobre a terra, vivo sob o sol e as minhas raízes eu balanço