A narrativa da Pandemia manipulada por meio do Design — Parte 2
Ou como o Ministério da Saúde reflete as narrativas do Governo Federal sobre a situação epidemiológica no Brasil
É preciso dizer: qualquer texto sobre a situação da pandemia do Covid-19 no Brasil se torna datado em segundos. Mas é importante relatar.
Ps. Caso não tenha lido a parte 1. Sugiro ler antes de seguir.
Ontem, 5 de junho, enquanto o Brasil chegava aos tristes números de 651.666 casos confirmados e 35.135 óbitos, o Painel Coronavírus do Ministério da Saúde (covid.saude.gov.br) se encontrava assim, em manutenção. Nenhum dado mais é exibido. Nenhuma família mais perdia um pai, uma mãe, um filho, uma filha, um avô, uma avó, um amigo, uma amiga. E daí? O país venceu a batalha contra a “gripezinha”.
Já havia escrito alguns dias antes, mais precisamente no 21 de maio, (os números eram 310.921 casos confirmados e 20.082 óbitos) o artigo A narrativa da Pandemia manipulada através do Design onde relatava as mudanças visuais no Painel Coronavírus que manipulavam — por meio das narrativas do Governo Federal e suas trocas de Ministro da Saúde pelo Presidente da República — o modo como as informações desse painel eram “suavizadas” para diminuir a percepção do impacto dos efeitos dessa tragédia pela população.
Mais um Ministro da Saúde, ou nem isso
Assim como citei na primeira frase, que qualquer texto se torna datado em segundos pelo avanço dos números da pandemia, acredito que o mesmo vale para a informação de quem está à frente da pasta da Saúde.
Após o pedido de demissão de Nelson Teich, entramos na era do General Eduardo Pazuello. Especialista em logística, o secretário-executivo do ministério assumiu no dia 16 de maio interinamente o Ministério da Saúde. Mais um militar no primeiro escalão.
Em 2018, enquanto ainda vivíamos no período antes do “novo normal”, o então candidato Jair Messias Bolsonaro defendia a reforma política, o fim da reeleição e dizia: “todo o primeiro escalão do governo vão ser escolhidos por critérios técnicos, sem a interferência de partidos políticos.”
Eis a figura técnica, do primeiro escalão, que guiará cerca de 211.613.378 brasileiros no enfrentamento do Covid-19:
“O meu grau de conhecimento específico, técnico, de médico, é leigo. A gente observa que dados precisam ser melhorados, a gente precisa ter números mais fidedignos, com menos risco de manipulação, para que se definam as estratégias em cima de dados reais. Se você não tiver certeza absoluta dos dados, tudo o que você planejar não tem resultado”, disse Eduardo Pazuello. (Fonte: BBC)
Dissecando essa fala, temos “… a gente precisa ter números mais fidedignos, com menos risco de manipulação…”. E o que o Ministério da Saúde faz:
Se não temos números, não temos mortos.
Boletim da situação epidemiológica
E nem só o Painel Coronavírus vem sofrendo manipulações.
O boletim oficial do Ministério da Saúde sobre a situação epidemiológica da Covid-19 no Brasil, antes apresentado diariamente às 17 horas em coletiva ao vivo do Palácio do Planalto durante a gestão Mandetta, passou para às 19h com Teich e deixou de ser diária. Em suas raras ocasiões, tivemos umas das cenas mais constrangedoras dessas coletivas até o momento, quando Teich soube, pelos jornalistas, sobre a decisão do Presidente Jair Bolsonaro de incluir academias de ginástica, salões de beleza e barbearias como serviços considerados essenciais.
E como se nada pudesse ficar pior, agora na gestão Pazuello, os números oficiais têm sido divulgados às 22h. Questionado por jornalista da CNN Brasil, Bolsonaro — rindo — respondeu:
“Acabou matéria no Jornal Nacional”
Aparentemente, o plano infalível do presidente não deu certo. Mais uma vez. Com direito a famosa vinheta do Plantão da Globo, Bonner afirmou:
“Nós dissemos que vocês [telespectadores] teriam esses números assim que eles fossem anunciados. E estamos aqui cumprindo o que nós dissemos”
E agora, o jogo dos 7 erros
Visualmente, o boletim também vem sofrendo ajustes visuais que acompanham essa narrativa do Governo Federal.
Há pouco menos de um mês, 12 de maio, o boletim trazia ao lado dos números dos estados, 4 caixas com as informações de total de casos confirmados, novos casos, total de óbitos confirmados e novos óbitos registrados. Com destaque para a cor vermelha nessas duas últimas informações.
Nesta última quinta-feira, 4 de junho, a imagem divulgada pelo Ministério da Saúde trazia o número total de casos confirmados (com uma seta vermelha ao lado apontando para cima e mostrando o aumento 30.925 novos casos), o total de óbitos (com uma seta vermelha ao lado apontando para cima e mostrando o aumento 1.473 novos óbitos).
Agora, compare com a versão do dia seguinte, 5 de junho. Não temos mais o total de casos confirmados ou de óbitos. Mais uma vez, sem números, sem pandemia.
App Coronavírus — SUS
Em sua última atualização (2.0.9) feita ontem, 5 de junho, para os celulares Android, o App Coronavírus — SUS trouxe a seguinte descrição sobre a novidade: Melhorias de desempenho.
Mas ao atualizar, a tal melhoria de desempenho não era exatamente bem isso. A estrutura anterior ao update, trazia 5 itens no menu de navegação: Início, Dicas, Notícias, Alertas e Situação.
Note que agora há apenas 4 itens e a opção que saiu foi justamente Situação. Esse botão trazia justamente a situação epidemiológica no Brasil com os números de casos, óbitos, recuperados…
Apesar de completamente desatualizada, a versão iOS ainda exibe a opção Situação. Vamos acompanhar até quando.
Nessa guerra de narrativas, de manipulação de informação, o coronavírus ainda está vencendo. Infelizmente.
#Update:
Poucos minutos após a conclusão deste artigo, o site do Painel Coronavírus voltou ao ar depois de ficar “Em manutenção” desde sexta-feira.
Agora não é mais possível visualizar os números acumulados de casos confirmados nem de óbitos. Os números refletem somente as últimas 24 horas e continua focando no número de casos novos recuperados.
Para comparar, veja como era antes, com dados do dia 20 de maio:
Obrigado!
Fiquem em casa se puderem e usem máscara 😷!
