Guia para entender o mercado de transferências — e se tal jogador realmente vale 100 milhões

Murillo Moret
5 min readJun 13, 2017

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“Pronto, o futebol ficou maluco. A quarta maior contratação da história foi de um atacante perna-de-pau que sempre perde gols em final. Gonzalo Higuaín jamais valeria 90 milhões de euros.” Mas ele vale — se não para você, certamente para a Juventus, que pagou a multa rescisória do jogador ao Napoli. Me preocupo mais com a informação do valor da transferência que o número em si. Este texto explica a razão.

Para ficar bem claro logo de cara: o atleta é uma mercadoria, assim como eu e você no mercado de trabalho.

Martial, De Bruyne e Sterling (Crédito: Sky Sports)

Higuaín pode não jogar bola para custar 90M. Paul Pogba pode ser supervalorizado nos quase 105M. James Rodríguez enganou o Real Madrid, que desembolsou aproximadamente 80M nele. Todo jogador tem um preço máximo (a multa de rescisão), mas o clube vendedor pode oferecer ou aceitar uma proposta pelo o que ele acha que determinado atleta vale.

Objetivamente, gols, idade, histórico de contusões, fundamentos — análises estatísticas ajudam na avaliação — contam para o valor. Qualidades técnicas, como controle de bola, e psicológicas (temperamento e liderança) são subjetivas. Todas estão num pacote que o departamento de futebol utiliza para definir o preço de qualquer jogador. Para comparar cifras, o Transfermarkt mostra a variação histórica em gráfico, mas as fontes mais confiáveis são o Playratings, plataforma da Universidade de Roma Tor Vergata, e o Observatório do Futebol, que publica periodicamente o valor estimado das transferências — a última lista foi encabeçada por Neymar e com Dele Alli à frente de Pogba, Lionel Messi e Antoine Griezmann.

Alguns clubes terceirizam essa função para empresas ou consultorias especializadas a estipular valores aos jogadores. A Fútbol y Finanzas, atuante no mercado espanhol, montou uma equação com quatro aspectos para avaliar os futebolistas. O valor Merc, como chamam o conjunto na entrevista ao Doentes por Futebol, avalia a juventude, posição do atleta, repercussão na mídia e necessidade do comprador. A variável mais abstrata da equação é a necessidade. Se a equipe precisa demais de um zagueiro, vendedores em potencial podem subir o valor do ativo exatamente porque o comprador tende a gastar mais para satisfazer o desejo. Virtualmente, o mesmo é visto quando há concorrência por determinado atleta: o margem costuma subir, ainda mais por um jogador mais “raro”.

“Com mais 5M dava para comprar…”

É importante destacar que toda transferência tem de ser tratada individualmente. Elas têm caráter único e é possível compreender essa singularidade usando o valor Merc como referência. Usando exemplos reais: nos últimos três anos, o Real Madrid fechou algumas contratações para o meio de campo. Málaga recebeu 30M por Isco, Real Sociedad embolsou 32,2M por Asier Illarramendi, Bayern de Munique pegou 25M por Toni Kroos e Inter garantiu quase 30M por Mateo Kovacic. O alemão é pior que os outros três por que foi comprado por um valor menor?

Quer pagar quanto? (Crédito: Reprodução)

Esquecem de levar em consideração, neste exemplo, que a equipe espanhola pagou essa bagatela por Kroos pois ele estava no último ano de contrato. Se o Bayern não aceitasse isso, ficaria sem o jogador e qualquer dinheiro ao fim da temporada. Para a lateral direita, o clube pagou 31,5M para tirar Danilo das mãos do Porto. Joga mais que Isco? Real precisava de um atleta para a posição e o brasileiro vinha de um grande biênio, entre 2014–15. Carência no elenco; necessidade; influência.

Voltando a Higuaín. A Juventus não teria feito um negócio melhor se tivesse contratado Alexandre Lacazette (que busca sair do Lyon pelo terceiro ano seguido), Harry Kane, Robert Lewandowski, Romelu Lukaku, Edinson Cavani, Anthony Martial, Mauro Icardi ou Karim Benzema? Todos eles, em tese, custariam menos que o ex-Napoli, de acordo com as especulações da época. A melhor resposta é talvez. Entraríamos em outro mérito: a vontade do interessado. Nenhum dos mencionados (e outros, como publicado no Gazzebra) tinha interesse de jogar em Turim. A Juve queria Higuaín, e Higuaín quis a Juve. O atleta só se transfere se, oras!, ele quiser.

Na próxima janela de transferências da Europa, Andrea Belotti chama a minha atenção pelo o que pensam dele. A multa é de 100M, entretanto, Torino pensa em abrir negociação se apresentarem 70M e algum jogador em troca. Justo? Bem, o atacante foi o 3º artilheiro do Italiano e 10º nas principais ligas do continente, com 26 gols, garantiu titularidade na seleção italiana e ainda tem 23 anos. O clube não precisa vendê-lo, mas quer uma compensação valiosa caso perca o principal jogador. É compreensível, portanto.

Para os próximos anos, o futuro é agora. Costumo fazer contas para entender se a compra milionária vai afetar o balanço. Caso contrário, que gaste. Mas sei que, daqui pra frente, os recordes serão quebrados com certa frequência: a disposição da China em gastar de forma sem precedentes, as arrecadações sempre altas dos clubes mais importantes do Velho Continente e os direitos de transmissão, sobretudo do Campeonato Inglês — com divisão justa da cota de TV –, inflacionam o mercado.

Em 2010, nenhuma agremiação arrecadava mais que 400M. O Manchester United quase bateu em 700M em 2016. Enquanto os torcedores aguardam o retorno das competições de clubes, o Manchester City comprou Bernardo Silva e Ederson por 50M e 40M, respectivamente. O português jogou o fino pelo Monaco, mas não conseguiu regularidade na seleção; o goleiro ainda não atuou pelo Brasil, porém, pegou pênalti nas oitavas de final da Liga dos Campeões e foi destaque do Benfica no torneio.

Obs. 1: “Mas e o fair play financeiro?” Ainda não foi comprovado que o ajuste das contas influencie no valor do atleta. Um estudo divulgado por economistas da Universidade Técnica de Munique afirma, no entanto, que mudanças no regulamento da Uefa poderiam inflacionar ainda mais os preços. Ativo desde 2011, o FPF congelou o status quo e aumentou a desigualdade entre os clubes, concluiu o relatório. Manchester City e, recentemente, Porto foram castigados pela entidade por não cumprirem o acordo. O Milan chinês, bastante ativo no mercado, quer “adiar a conversa sobre as contas” para 2017.

Obs. 2: não fale que “tal clube comprou o PASSE de um jogador”. O passe não existe desde 1998. O que são negociados são os direitos econômicos. O outro direito, federativo, é único e permite que a equipe registre o atleta na liga.

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