Pokémon indo para frente

morgankitten
12 min readMar 2, 2016

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Essa é uma versão em Português do meu artigo Pokémon Moving Forward

Por que os logos ocidentais de Pokémon precisam ser tão feios?

Com o anúncio recente das novas versões Pokémon Sun e Moon, fica difícil não pensar sobre expectativas dos jogos indo pra frente, e isso me fez pensar sobre tudo que a franquia Pokémon fez, o que não fizeram, e o que poderiam fazer. Que fantasias os jogos antigos nos davam, e o que os jogos hoje em dia fazem para satisfazer esses desejos melhor? Vamos começar com uma análise da base dos jogos Pokémon.

O que eles acertaram com Pokémon?

Pocket Monsters/Pokémon é um RPG tradicional de turnos que começou no Game Boy, na qual você possui uma caravana de personagens consistindo de 1 a 6 de uma centena de diferentes monstros — Pokémon, que você pode encontrar e domesticar (e mais duas dúzias que você pode obter trocando com um amigo que tenha uma versão diferente do jogo). Diferentes tipos de Pokémon e seus ataques possuem diferentes propriedades, resistências e fraquezas. O jogo consiste de capturar uma grande quantidade de monstros diferentes que você encontra em seus habitats naturais e criar aqueles que você gosta mais para formar uma equipe variada para derrotar os Pokémon de outros treinadores. Essa é a base de todos os jogos Pokémon principais que não são ‘spin-off’s.

Os jogos Pokémon são fortemente focados em combate, sendo RPGs. A coisa importante e impressionante que eles fizeram em 1996 é que somente utilizando mecânicas comuns de RPG como interface, eles conseguiram expressar sentimentos de criar animais de estimação e estudo e exploração de animais selvagens em um só pacote conciso que fazia completo sentido em si mesmo.

Pokémon Blue (1998) — introdução, modo Super Game Boy

Seus Pokémon, por exemplo, podem apenas ter quatro habilidades diferentes de uma só vez, o que não é muito comum em RPGs — personagens de RPG nunca “desaprendem” habilidades, eles só ganham mais ao ganhar nível. No entanto, isso além de criar uma camada de estratégia interessante, também se torna uma forma de jogadores se expressarem e sentirem que seus Pokémon são unicamente deles. Também contribuindo nesse quesito é a opção de colocar nomes neles, como animais de estimação.

A mecânica de diferentes ‘Tipos’ (associações ‘elementais’ que todo Pokémon possui) não é só outro ponto positivo para o lado estratégico do jogo, já que força jogadores a não depender de apenas um só Pokémon forte, mas formar uma equipe variada, como também é chave em dar jogadores a sensação de estudar animais como um explorador. Adivinhar o ‘Tipo’ de um Pokémon era uma parte essencial do jogo, assim que lhe ajuda a fazer assunções de que habilidades, fraquezas e outros atributos uma certa criatura possui. Não apenas contando o sistema Pedra-Papel-e-Tesoura de cada ‘Tipo’ Pokémon, eles também possuem certas peculiaridades — Pokémon do Tipo Inseto evoluem rápido, então eles são muito úteis no início do jogo, Tipos Venenoso não podem ser envenenados, Tipos Pedra possuem uma forte defesa e resistência a vários ataques comuns, Tipos Normal apesar de não serem particularmente mais efetivos contra qualquer outro Tipo, eles podem aprender uma maior variedade de habilidades, etc. A aparência de um Pokémon também é chave em indicar que Tipo ele possui, especialmente se você estiver jogando em um Super Game Boy ou num Game Boy Color, já que sua coloração seria uma indicação ainda mais óbvia — uma paleta azul indicaria na maioria das vezes que o Pokémon era do Tipo Água, uma paleta verde pode indicar tipo Grama ou Inseto, e tons marrons e cinzas eram mais reservados para Tipos Normal, Terra e Pedra, por exemplo.

Você consegue adivinhar seus Tipos? E agora?

Ter conhecimento dos Tipos diferentes não é apenas uma vantagem em batalhar outros treinadores, mas até na captura de Pokémon selvagens, assim que para capturar um Pokémon mais facilmente, é necessário diminuir sua barra de vida o máximo que puder sem chegar ao zero. De vez em quando você quer atingir o outro Pokémon com um ataque na qual ele possui resistência contra, para não derrotá-lo completamente, o que lhe tira a chance de capturá-lo. A mecânica de captura recompensa jogadores que possuem mais experiência — por exemplo, que partes específicas da Mt.Moon você pode encontrar criaturas mais raras como Paras e Clefairy? Que nível elas estarão quando eu encontrá-las? Quais são seus Tipos e como são suas defesas? Elas seriam capazes de usar algum ataque perigoso que põe meus Pokémon em risco? Elas possuem habilidades que permitem escapar de batalhas, e se sim, como posso capturar elas na menor quantidade de turnos possíveis? O quão fáceis elas são de ser capturadas com uma Poké-Bola comum, ou utilizo algo mais forte, como uma Great ou Ultra Ball? Conseguindo todo esse conhecimento jogando mais, testando suas teorias e aplicando-as realmente ajuda a fazer x jogadorx sentir como se estivesse realmente pesquisando essas criaturas.

Pokémon Silver (2000), Game Boy Color com bordas SGB

E tudo isso é realmente impressionante quando considerado que tudo isso foi feito dentro da mesma interface que qualquer outro RPG de turnos da época, como Final Fantasy e Dragon Quest, apenas re-contextualizado e trabalhado por cima para se encaixar na fantasia de criação de pequenos monstros. Nada é excessivo, cada elemento significa algo nas três esferas que o jogo possui, que eu as chamo de: ‘Tamagotchi’, que é a fantasia de criar sua própria criatura, ‘Competição’, que simplesmente significa competir contra outros jogadores, e ‘Narrativa’, que é apenas ir através da narrativa do jogo e tentar completar o objetivo principal. Você pode interpretar ‘Narrativa’ como o modo de ‘um jogador’, ela é uma forma de competição, mas assimétrica, contra o próprio jogo.

Normalmente cada uma dessas esferas seriam três jogos diferentes, como RPGs são majoritariamente apenas focados em ‘Narrativa’, ‘Competição’ é reservado para algo como jogos de luta, e ‘Tamagotchi’ é auto-explicatório. Mas ao invés disso, todos os elementos base de batalha Pokémon significam algo nesses três âmbitos distintos, e isso faz com que Pokémon seja um jogo com grande apelo para uma audiência variada e que seja bastante fácil de entender. É por isso que eu sinto que o sucesso da franquia é fortemente ligado com o DNA dos próprios jogos.

Com todo esse louvor dado, agora é a parte do artigo que eu digo que apesar disso tudo, se eu controlasse a direção dos próximos jogos, eu iria tentar distanciá-los dessa base que a franquia se prendeu por tanto tempo.

Por que não funciona mais tão bem?

Pokémon X and Y (2013)

Essas mecânicas faziam mais sentido anos atrás parcialmente porque elas eram mais fáceis de não serem interpretadas muito literalmente. Os jogos originais Pokémon foram feitos no Game Boy, um sistema monocromático 8-bit. Não havia espaço para nuance ou dar vários diferentes aspectos do mundo Pokémon. Nossa imaginação fazia isso, assim como todas as outras mídias ao redor, como o desenho da TV e o jogo de cartas, também faziam. Hoje em dia, seu Pokémon não é mais uma imagem de 4 tons grayscale com 50 pixels de altura e largura, é um modelo 3D detalhado que move-se por si só, respirando, piscando, olhando pros lados, balançando sua cauda. Os gráficos dos Pokémon sendo um pouco distantes e não tocando diretamente ou animando muito nas batalhas era tudo bem antes, mas com os gráficos agora detalhando tudo mais literalmente, fica muito estranho e constringido ter esse mesmo layout, resultando em dois Pokémon fluidamente animados apenas paradões em um campo desenhado bem literalmente, com uma sensação apurada de espaço e escala entre eles, apenas se encarando e esperando para jogar efeitos especiais um contra o outro nessa distância.

O que os jogos antigos fizeram para nós como crianças (ou pelo menos para mim), foi imaginar como essas situações, mostradas em uma forma mais abstrata, seriam fora das restrições do Game Boy. Não havia nenhum senso apurado de escala e espaço entre os Pokémon, então algumas lutas podiam sentir como se as criaturas estivessem engajando mais perto uma da outra, enquanto criaturas que nós sentíamos que eram enormes, como um Zapdos ou um Dragonite, se sentiriam mais distantes e elevados. A animação de um ataque como Surf fazia nossas mentes pensar sobre o tamanho enorme da onda indo de encontro ao nosso Pokémon, e como ele reagiria — meu Gyarados é um Pokémon aquático, então ele poderia nadar através da onda, e por isso recebe tão pouco dano. Ou então quando eu uso o Fly do meu Charizard para me transportar para outra cidade, isso me fazia imaginar como seria chegar em qualquer lugar voando nas costas de um enorme dragão, como na escola. E daí você poderia imaginar outras coisas pra fazer com seus Pokémon para se divertir, ou do cotidiano, que não fossem batalhar.

Ilustração por Ken Sugimori de uma carta do Pokémon Trading Card Game

E com os jogos continuando a serem lançados, eles nunca responderam essas questões satisfatoriamente. Lugares e Pokémon eram mostrados de maneira mais literal, mas a estrutura dos jogos não era expandida para acomodar e cumprir essas fantasias que tínhamos. O sistema de batalha era polido e balanceado melhor, mas, por exemplo, o mundo em si era ainda baseado em tiles quadrados, e você mal pode ver Pokémon rondando nele.

E não é só a apresentação dos jogos, partes do próprio sistema não funcionam tão bem. Como bater e machucar um Pokémon para capturá-lo parece abuso de animais. Ninguém domestica ou adota um animal desse jeito, isso era uma crítica que era feita e brincada sobre na época, e é ainda mais fora do lugar hoje. Se tirarmos o contexto e tentar suspender a realidade por um momento, e tentar analisar apenas o sistema em si, é um sistema fácil de entender e interage bem com as outras mecânicas, e um sistema estilo Shin Megami Tensei ou Undertale de coagir/tentar se tornar amigo não é uma alternativa muito viável para substituir, já que esse sistema é muito baseado em interpretação de texto, e isso faria os jogos inacessíveis para, por exemplo, alguém como eu quando criança, que não sabia muito Inglês (e os jogos ainda nunca foram oficialmente traduzidos em Português). Mas com a franquia afirmando fortemente uma relação de amizade e igualdade entre humanos e Pokémon (que é balela mesmo porque nunca se viu Pokémon trancando gente em Poké-Bolas) e com tudo ao redor desse sistema sendo mostrado de maneira menos abstrata, fica muito estranho de abusar de Pokémon selvagens desse jeito e ter os jogos fingindo que isso nos fez amiguinhos e que isso não é uma relação extremamente abusiva. E com a internet podendo te dar qualquer informação apurada em pouco tempo, e o balanceamento dos novos jogos, a mecânica que te fazia sentir como um pesquisador de adivinhar o Tipo de um Pokémon selvagem ficou subvalorizada muito rápido.

Em resumo, enquanto os sistemas de batalha Pokémon foram polidas em torno do combate em si, os jogos ignoraram as outras fantasias que a franquia possui— Pouca coisa significativa dentro dos jogos fizeram para que você se sentisse mais como um criador, pesquisador ou explorador de Pokémon, ou fazer muita coisa nos jogos fora batalhar.

E a razão do sistema dos jogos ser tão rígido e imutável é ironicamente por conta de suas qualidades positivas prévias. É um sistema fácil de entender e que tenta satisfazer três desejos diferentes, ou tipos de jogos (na qual eu previamente chamei de ‘Tamagotchi’, ‘Competição’ e ‘Narrativa’). O resultado é que os designers agora estão presos a ele, assim que ao tentar trazer as mecânicas para um desses três eixos, isso pode fazer os outros caírem em uma espécie de cabo-de-guerra.

Por exemplo, se o jogo tiver mais preocupação na expressão do jogador e criação de suas criaturas preferidas (eixo ‘Tamagotchi’), então por que a narrativa do jogo é quase estritamente focada em batalhas? Por que você deve criar seu Pokémon para ser mais forte o tempo todo e por que não há quase motivo algum para fazer qualquer outra coisa fora isso? Por que não há outras opções a tomar? Não poderia criar eles para outra coisa? Por que o sistema posto quase que me obriga a evoluir meu Pokémon favorito, Braixen, para o nem-um-pouco-tão-perfeito Delphox para que ela não seja completamente inútil no jogo, porque batalhar é tudo que importa? Ir nessa direção significa tirar muito do foco dos jogos nas batalhas Pokémon.

Braixen no modo Pokémon-Amie de Pokémon X e Y. Ela é uma raposa bruxa que usa um galho como varinha! E ela coloca a varinha na cauda, fazendo parecer como uma vassoura! Como é que pode não amar ela? (gif source)

E por outro lado, se o jogo é mais preocupado com o eixo ‘Competitivo’, então por que é que jogadores são obrigados a gastar tantas horas em ficar aumentando os níveis de seus Pokémon, cruzar os Pokémon certos várias vezes, ter um fluxograma inteiro de que habilidades tal Pokémon aprende de qual jogo e como transferi-lo de cada jogo pra frente, através de múltiplos cartuchos e consoles portáteis, e ficar se preocupando com todo o pesadelo que são os valores especiais (EV, IV) que foram inicialmente projetados pra que dois Pokémon da mesma espécie nunca fossem o mesmo, e por isso, um poderia ter uma vantagem inerente contra o outro? Focar nessa direção significa dar acesso instantâneo aos jogadores a qualquer Pokémon que quiser, com qualquer stats e habilidades que quiser, que, claro, vai de encontro com o balanceamento da ‘Narrativa’ e mata o eixo ‘Tamagotchi’ completamente.

Dar mais para jogadores investidos mais em um desses eixos que os outros não é necessariamente impossível. Pokémon X e Y foram os melhores jogos Pokémon há muito tempo porque trouxe mudanças e adições importantes para esses focos distintos. O modo Pokémon-Amie, um modo á parte que você pode acariciar e alimentar seus Pokémon de uma maneira parecida com Nintendogs, é um ótimo primeiro passo em dar jogadores mais no lado ‘Tamagotchi’. Enquanto isso, o modo Super Training fora algo que jogadores procurando por ‘Competição’ desesperadamente precisavam. E também, o grande número de Pokémon diferentes que você pode capturar até mesmo nas primeiras rotas desses jogos permite jogadores a escolher seus favoritos rapidamente, junto com a decisão de dar jogadores acesso a trocar Pokémon pela internet de imediato. E finalmente, o novo EXP Share drasticamente reduz ‘grinding’ por níveis, não só agilizando o processo de fazer seus Pokémon prontos para ‘Competições’, mas também facilitando jogadores focados na ‘Narrativa’ a tentar outros Pokémon ao invés de restringir x jogadorx a ficar com uma equipe só se elx não quiser gastar muito tempo tentar colocar outros Pokémon nos mesmos níveis que os principais que elx usa para progredir na estória do jogo.

Apesar dessas adições muito necessárias, sou cética quando penso se os jogos podem trazer ainda muito mais utilizando essa mesma estrutura antiga. Até porque RPGs de turno existiam parcialmente porque era uma maneira fácil e desejável de retratar ações e combates complexos de uma maneira minimalista. Assim que houve uma evolução no lado do hardware, os RPGs também evoluíram, trazendo essa mesma ação de uma maneira mais ativa e envolvida, como Final Fantasy XV que ainda está por vir, e a série Monster Hunter. Não digo que RPGs de turno sejam obsoletos (Undertale foi meu jogo preferido de 2015, por exemplo), é só que eu sinto que isso prende Pokémon de evoluir para novas direções interessantes e realmente indulgenciar nas fantasias que tínhamos há 15–18 anos atrás.

É difícil não imaginar o que Pokémon poderia ser quando se vê como a fauna dos jogos Monster Hunter são organicamente integradas no mundo dos jogos(gif source)

Mesmo assim, eu sei da dificuldade inerente do meu pedido. É muito dinheiro, esforço e risco fazer de Pokémon um jogo diferente, e o formato de RPG de turnos é útil em dar mais ou menos igual destaque a todas as centenas de criaturas Pokémon criadas sem ter que colocar muito tempo e trabalho em modelar e animar criaturas individuais — em outras palavras, ao colocar mais e mais Pokémon e pouco mudando a base dos jogos, eles acabaram colocando a franquia num beco sem saída. Eu não tenho uma resposta clara também, mas Pokémon-Amie parece um primeiro passo importante em trazer algo substancial à franquia que não revolve-se em batalhar, e eu adoraria ver esse modo ser expandido e explorado mais pelos desenvolvedores. Algo que também poderia ajudar é explorar o mundo Pokémon melhor em melhores tentativas de jogos spin-off — tivemos muitos jogos Pokémon spin-off, mas a maioria deles não parece indulgenciar em fantasias do que fazer com Pokémon, apenas jogos inicialmente projetados sem Pokémon em mente, com a franquia colocada postumamente por cima para vender melhor (exemplo, Panel de Pon convertido para Pokémon Puzzle Challenge), e até mesmo os spin-offs mais bem sucedidos tem muito a ver com batalhas Pokémon, como os jogos Pokémon Mystery Dungeon, e jogos puzzle de Pokémon, que também são criados ao redor de batalhas. Precisamos de mais jogos como Pokémon Snap.

Pokémon Snap (1999) (gif via giphy)

Tem um motivo de porque todos estão animados sobre Pokémon Go apesar de pouca informação sobre como o aplicativo será. A franquia Pokémon ainda é muito forte e preciosa para muitas pessoas, e elas querem fazer mais com esses personagens do que os jogos dão. Eu não tenho uma resposta certa de como alimentar esses desejos, mas algo com certeza pode ser feito.

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morgankitten

transgender woman from brazil who cares a lot about videogames and also does art.