Leitura "Nutshell" de Ian McEwan - uma senhora narração em 1ª pessoa

Nutshell de Ian McEwan foi minha escolha para a categoria 5 do Desafio Livrada: Um livro narrado em primeira pessoa.

Marília Procópio
3 min readFeb 1, 2018
foto: twitter Vintage Books

O narrador de Nutshell - em português traduzido como Enclausurado - não é qualquer primeira pessoa. Ele é um bebê em útero materno e testemunha de um complô com muitas opiniões a dar.

As primeiras páginas fluem com uma certa estranheza. É curioso ouvirmos a voz desse bebê e ficamos aflitos querendo saber mais sobre ele, sobre o que ele sabe e como percebe o mundo. Seu entendimento das coisas é singular, e como ele mesmo explica “ele sabe tudo aquilo que ele ouve”. E ele ouve muitas coisas.

“How is that I, not even young, not even born yesterday, could know so much, or know enough to be wrong about so much? I have my sources. I listen.”

O tom é engraçado e irônico. O bebê está lá em todas a cenas mais importantes, embora os demais protagonistas falhem em notar sua presença, deixando-o às vezes triste às vezes com raiva. No máximo o percebem como extensão de sua mãe, mas nós sabemos mais. De um certo modo, ficamos sendo testemunhas junto com ele, espectadores a espreita de um crime que pode ou não acontecer. Seu sentimento de impotência perante as decisões tomadas pelos outros personagens é igual à nossa. Seus devaneios se tornam nossos devaneios.

Além de tudo aquilo que é escutado, ele nos conta mais. Por ele sabemos as reações fisiológicas de sua mãe: quando o coração dela dispara, quando ela estremece, engole em seco, fica com raiva… É como se entrássemos na história com um vínculo físico com ela, tendenciosos. Os outros personagens são vozes cujas feições e reações podemos apenas supor e imaginar. Trudy não, Trudy é material e está perto, sempre conosco. Esse sentimento de estar a espreita, construindo os outros personagens com base nas reações de Trudy e impressões do bebê aumenta o clima de suspense.

Mas essa não é só um história de suspense. Ela nos faz pensar sobre o que é estar aqui, o que é ter memória e consciência. Sobre como percebemos os fatos e às vezes como nossa memória deles muda quando mudamos de opinião sobre as pessoas que estiveram presentes.

"When love dies and a marriage lies in ruins, the first casualty is honest memory, decent, impartial recall of the past"

"We'll always be troubled by how things are — that's how it stands with the difficult gift of consciousness."

Uma das minhas coisas favoritas sobre o livro é isso: você sabe que a história diante de você é contada por um filtro. Ela não é a verdade, mas sim uma versão. À medida que novas informações são introduzidas sobre alguém, uma cena passada pode mudar um pouco de luz.

Se eu fosse resumir o livro em uma frase muito tosca seria: é um suspense sussurrado num telefone sem fio, com ruídos e pensamentos soltos no meio.

Nota: ★★★★☆
Título: Nutshell
Autor: Ian McEwan
Editora: Vintage, Penguin Random House

Veja os outros livros que eu selecionei para o desafio aqui.

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