Como eu vivi como nômade por 6 meses

Matheus Marsiglio
6 min readOct 2, 2018

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De Novembro de 2017 até Junho de 2018 eu vivi um dos períodos mais intensos e ricos da minha vida, sem um teto fixo, com um par de mochilas e um desejo imenso de conhecer um estilo de vida desafiador. Compartilho aqui os maiores aprendizados e histórias

Eu em San Jose de Maipo, no alto de uma pequena montanha, com a Cordilheira dos Andes (uma minúscula parte dela) ao fundo

1. Minimalismo

Por anos fui facilmente lembrado sobre o manto de “aquele que está sempre de preto”, mas eu recebi poucas vezes a pergunta “por quê você está sempre com a mesma roupa?”. Meu maravilhoso “armário da Mônica” aconteceu há alguns anos no momento que percebi que essa peripécia podia me trazer muito mais praticidade ao não precisar separar roupa por cor pra lavar ou não precisar se preocupar com qual roupa vestir, já que é tudo igual. Sempre foram 2 calças iguais e uma dezena de camisetas iguais. Não é possível se vestir mal, se uma vez ficou bom. Não é preciso escolher o que combina com o quê, ou mostrar seu mood através do seu descuido naquele dia.

Minha vida em casa não estava nem perto disso, então resolvi recomeçar. O sufoco e frustração me fez abrir mão de tudo que era possível para viver com o mínimo.

2. Pedir demissão e vender ou doar tudo

Eu poderia te dar um monte de parágrafos sobre minha decisão de pedir demissão, para parecer algo razoável, mas quando se precisa começar do zero, não tem muitos porquês, mas tem um monte de “por quê não?”

15 minutos após ter pedido demissão, por quê não entregar meu apartamento? Liguei para o dono do meu apartamento e o avisei que estava saindo de lá nos próximos 3 meses, que poderíamos encerrar o contrato.

Até esse ponto eu não tinha decidido ainda sobre viver como nômade, eu apenas estava removendo todo peso que eu podia. E então pensei sobre a possibilidade de não ter casa fixa mais por uns tempos. E por quê não?

Nunca usei tantos post-its

Chegando em casa com uma grande quantidade de post-its que comprei no caminho, já tinha esquematizado o preço de tudo em meu apartamento. Como cheguei aos preços de tudo foi relativamente simples:

Preço que paguei novo, só que com 90% de desconto e placas escritas “o gerente ficou maluco”

Metade do meu apartamento estava com post its dizendo “DE GRATIS”, outra metade com algum preço simbólico. Não se pode esconder que por conta dos preços imbatíveis, concorrendo diretamente com Casas Bahia, vendi tudo bastante rápido, só pedindo que deixassem a cama por algum tempo para que eu pudesse ter onde dormir nos meus últimos dias no apartamento.

3. Morar em qualquer cidade que tiver vontade

Eu passei diversos períodos em São Paulo, por questões de que meu já novo trabalho precisava de mim presente algumas vezes; e não morei sempre em cidades diferentes, eu voltava demais para as preferidas, pelos melhores motivos que eu poderia encontrar, como o dia em que fui para Belo Horizonte porque queria pão de queijo:

Se eu consigo dormir tranquilamente uma noite, em um ônibus, sem encarar grandes desafios, então viajar de ônibus para algum lugar durante a noite era pouca coisa mais cara do que uma estadia em algum lugar, geralmente, logo conseguia pegar a estrada por um custo bom, pois durante a noite em que viajava, já tinha onde dormir: a poltrona do ônibus. Esse pensamento me levou para diversas cidades.

Quando não se tem uma casa fixa, não se tem o aluguel para pagar, então o aluguel é pago na cidade que estiver. Viajar deixou de ser um luxo e passou a ser só mais uma rotina que eu poderia gerenciar meu dinheiro para conseguir estar onde eu gostaria de estar.

Nesse período todo eu estive por:

  • Salvador, BA;
  • Belo Horizonte, MG;
  • Igarapé, MG;
  • Florianópolis, SC;
  • Santiago, Chile;
  • São Paulo, SP;
  • Santos, SP;
  • Igaratá, SP;
  • São José dos Campos, SP; e
  • New York, NY, EUA.

Em todos os lugares diferentes em que estive, pude colecionar histórias e amizades; e uma frase importante que entendi nesses momentos foi:

“Love people. Use things. The opposite never works.”

Então aprendi sobre o que eu poderia ter, o que é mais valioso, o que poderia me agregar em diversas dimensões como pessoa, o que ninguém conseguirá roubar de você e não que precisa de um apartamento de dois quartos para guardar: bons amigos.

4. Um par de mochilas

Uma serviu muito bem como escritório, carregando tudo que precisava para poder trabalhar remotamente; a outra… bem, todo o resto.

Eu reduzi tudo para:

  • 6 camisetas iguais;
  • 2 calças iguais;
  • 2 bermudas;
  • 2 casacos compactos o suficiente para caber na mala e que eu pudesse sobrepor um n’outro em casos de muito frio, eu chamei essa combinação de Casacozord (julgamentos permitidos);
  • 10 pares de meia;
  • 10 cuecas;
  • 2 toalhas super compactas;
  • 1 tênis (mega confortável, e isso faz muita diferença);
  • 1 chinelo Havaianas pra verem de longe que eu era BR e que o Hue era do mais alto nível;
  • Ítens de higiene pessoal.

Todas minhas paradas em capitais eram estratégicas para conseguir lavanderias, onde fazer qualquer reparo em roupa ou qualquer coisa mais prática de se fazer numa grande cidade. E muitas vezes dava para emendar onde estava ficando com necessidades, como em Airbnb’s com máquina de lavar roupa.

5. Cama, mesa e banho

Minhas estadias foram basicamente resolvidas usando sites como Booking, Airbnb, Hostel World e vez ou outra aquele “oi sumidos” nos amigos ao redor desse Brazilzão.

Não eram férias, não era ano sabático (tanto que nem durou um ano), eu estava trabalhando full time com um time e precisava do mínimo de conforto para poder me dedicar boas horas diárias de trabalho, com toda infra estrutura (café) que eu necessária.

Do luxo ao lixo ao luxo

Para trabalhar eu precisava quase sempre apelar para uma cafeteria, mas para moradias usei uma técnica para poupar o dinheiro do mês em moradia, ficando parte do mês em lugares um tanto ruins, mas que eu pagasse muito barato por isso, outra parte do mês em apartamentos maravilhosos. No final das contas eu gastava o mesmo que gastar o mês todo num lugar mediano, e dessa forma eu tinha uma vida mais dinâmica e podia me concentrar em trabalhar até tarde na rua quando ficava nos lugares ruins; e ficar mais dentro de casa numa mesa confortável trabalhando na outra metade do mês. Isso funcionou deveras e não queria deixar de compartilhar a experiência.

6. Coletânea de informações importantes

Uma ótima conclusão é uma lista das maiores lições que aprendi ao redor das minhas viagens, que podem ser úteis ou engraçadas, em alguns casos:

  1. Se nevar e você não tiver um segundo tênis ou dinheiro para comprar um segundo tênis, não saia de onde for que estiver, será um erro; o dia de sol seguinte seu tênis vai precisar ficar secando;
  2. Não suba correndo uma montanha se já tiver a quase 4 mil metros de altura, não é igual aos filmes, você vai ficar ofegante e pode arrumar grandes problemas;
  3. Jamais, em hipótese alguma, tente o item 2 se estiver desacompanhado, se fazer o item 2 já é estúpido, sem ninguém contigo consegue ficar muito pior;
  4. Se você foi parar em um lugar completamente novo, que não sabe muito bem ainda o que vai fazer, se ver um guia turístico em algum lugar, por acaso, aborde-o, não haverá arrependimentos (ainda mais se for pela América Latina);
  5. Em Florianópolis existe uma coisa chamada Cuca. É um doce típico alemão. Peçam;
  6. Nos EUA a comida é muito forte, com muito sódio, pegue muito leve em restaurantes, prefira fazer comidas em casa com alguns vegetais orgânicos de vez em quando, não será tão barato, mas seu estômago agradece;
  7. O pior pão de queijo de Belo Horizonte ainda é um pão de queijo muito gostoso;
  8. Geralmente é possível conseguir muito desconto no Airbnb ficando a partir de uma semana na mesma casa/apartamento;
  9. Celulares, em muitos lugares da América Latina, precisam ser homologados para o chip deles funcionar, então será uma falha tentar chegar e comprar um chip local, prefira usar empresas que tenham tecnologia GSM Roaming mundial, pode ser um pouco mais caro, mas acaba valendo a pena por funcionar no mundo todo; recomendo bastante a FlexiRoam (eu usei durante todo o período e minha experiência foi boa [e não estou sendo pago para falar bem, mas acho que deveria ganhar pelo menos uns créditos]);
  10. Espanhol não é tão fácil (ainda mais se for no Chile);
  11. O Estadounidense, geralmente, não sabe usar o sistema métrico, de verdade, e não é charme. Esteja pronto para isso;

Todas experiências nesse período me fizeram perceber o quanto não sabemos nada de nós e como podemos exigir de nós mesmos a nos permitir termos grandes experiências. Eu espero que todos, um dia, achem seus caminhos para terem experiências grandiosas na vida; e espero que possam compartilhar comigo também, para eu enriquecer meu conhecimento.

Se tiveram grandes histórias para me contar, sabem onde me encontrar:

@mtmr0x

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Matheus Marsiglio

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