Jubiabá e o caminho para casa (ou o sentido para a vida)

Bruno Henrique Fernandes
3 min readJan 16, 2019

--

Ninguém sabia a idade do velho pai-de-santo. Sabia-se que era velho, muito velho. Curava as mazelas do corpo e da alma. Encomendava defuntos. Preparava unguentos. Vestia e dançava com os Orixás. Ali era Pai Jubiabá, o feiticeiro, o socorro dos pobres do morro do Capa-Negro. Mas a história que se conta não é a do velho, mas a de Antônio Balduíno: orfão, largado, malandro e livre. Estivador do cais, grevista. Foi boxeador, artista de circo, trabalhou nas lavouras de fumo. Teve várias mulheres, mas só amou uma. Lindinalva. Que era branca, sardenta e rica. Mas morreu pobre, prostituída, tuberculosa. Sepultada virgem, pois era apenas de Balduíno aquele corpo a qual ele nunca possuiu, mas sempre se deitava ao ter com outras mulheres a busca pelo amor.

O romance de Jorge Amado, publicado em 1935, narra uma Bahia pobre, de negros, de excluídos, de amores tortuosos e desencontros retilíneos. Mas acima de tudo narra o drama pessoal de Antônio Balduíno, o Baldo, e sua busca pessoal para encontrar seu lugar. Muitos se atiraram ao mar, na busca pelo sentido de suas vidas, outros o encontraram no arrabalde do cais, entre as ondas e penedos. Há quem o achou entre as coxas quentes de uma mulher, sob os voluptuosos seios que se inclinam de amores e prazer. Baldo encontrou na greve, na esperança do sustento do filho de Lindinalva — a quem, em leito de morte, jurou cuidar — nas amarguras e misérias do povo, no caminho do além-mar, de onde seus antepassados foram arrancados.

O velório de Viriato, o Anão — por Carybé

E é sobre o caminho que devemos seguir, sobre a vida que queremos levar, sobre aquilo que vale à pena viver, que o texto acabou por me despertar. Tenho vivido momentos de limite, de questionamento extremo sobre o que sou, o que quero e o que tenho. Olhar para trás e para frente, na tentativa de buscar um sentido tornou-se para mim insuportável. É como Viriato, o Anão, que por não ter ninguém se atirou ao mar, e nunca mais acordou, com o corpo cheio de siris, em uma lúgubre noite velado n’O Lanterna dos Afogados. Por não ter ninguém ele buscou e é na busca que acabamos por nos afogar.

Estou aprendendo a dizer não. A abandonar coisas. A tentar um novo sentido para aquilo que planejei para mim. E ao longo desses quase 30 anos que carrego, que confesso serem poucos, mas de certa forma bem vividos, tenho tomado uma nova relação sobre o que devo ser para mim e para os outros. É difícil, aqui dentro, ser diferente daquilo que sou, na eterna tentativa de agradar àqueles que me cercam ou me tomam. É como se o sentido da vida se encontrasse em estar afinado com as perspectivas alheias sobre o que podemos e devemos ser. Quebrar tudo isso é muito doloroso e é uma experiência de quase morte. Morte que, confesso, ansiei nos últimos dias.

Ao compreender Baldo em sua busca, me vi ali tentando ser alguém em meio a tantas perspectivas e vontades. Em sustentar coisas que, no fundo, não faziam mais parte de mim. Há tempo para tudo e eu não soube respeitar esse tempo. Hoje sofro as consequências de um corpo cansado e uma mente alquebrada que tenta se recuperar, em meio a um turbilhão de prazos, limites e julgamentos. Jogar tudo para o alto? Uma hora cai e pode ser pior.

O cais do porto da Bahia — por Carybé

Jubiabá sempre falava a Baldo que nós temos dois olhos. Um é o da piedade, o outro da ruindade. Devemos saber olhar sempre com os dois, no equilíbrio, o caminho do meio. Quando um dos olhos vaza — cega — perdemos a capacidade de ser piedosos ou a malícia que nos preserva. É momento de deixar os dois bem abertos, na tentativa de encontrar o sentido que tanto busco. Talvez eu cause conflitos, talvez eu me distancie, ou me aproxime de quem há tempos não vejo. Mas aqui dentro, devagarinho, as coisas mudam.

“Ali estava o caminho de casa”

--

--