MUSEU DAS FAVELAS DISCUTE "O QUE É SER FAVELA?"

Museu das Favelas
4 min readJun 30, 2022

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O primeiro encontro promovido pelo novo museu abordou temáticas a partir das experiências coletivas em territórios favelizados.

Palácio dos Campos Elíseos — Sede do Museu das Favelas

Ser Favela é a primeira programação anunciada pelo Museu das Favelas. De 15 de junho até 25 de agosto, em um ciclo de seis encontros temáticos e quinzenais, o museu convida a população a uma troca de saberes, com a participação de importantes lideranças, artistas, agentes e produtores de várias regiões do país. Os encontros são realizados de forma online e transmitidos ao vivo pelo canal do youtube do Museu.

No último dia 15, aconteceu o primeiro encontro Ser favela a partir de experiências coletivas: experiências de memórias comunitárias em territórios favelizados, que contou com a participação de três representantes de acervos, museus comunitários e sociais de diferentes regiões do país para narrar suas próprias histórias e dialogar sobre a importância da preservação de experiências nesses territórios: Cleiton Ferreira, cofundador do Museu Territorial de Interesse da Cultura e da Paisagem Tekoa Jopo'i e da Comunidade Cultural Quilombaque (SP), Luiz Antônio, cofundador do Museu da Maré (RJ) e José Eduardo, cofundador do Acervo da Laje (BA) compartilharam suas experiências de como a cultura, a educação e a memória envolvem dinâmicas humanizadoras em constante diálogo com seu entorno. A mediação foi realizada por Carla Zulu, ativista e produtora cultural, atualmente, Coordenadora de Relações Institucionais do Museu das Favelas.

A preservação da memória nas favelas do país, além de não ser fomentada pelo meio de políticas públicas, vem historicamente passando por processos sistemáticos de tentativa de apagamento. O movimento de reconhecer, mapear e preservar experiências e memórias desses territórios é um ato de resistência a ser reconhecido e valorizado.

Como lembrou Cleiton Ferreira, o Museu das Favelas não começa agora. O museu evidencia caminhos há tempos constituídos por inúmeras ações de preservação de memórias das favelas. Em sua fala, Cleiton também trouxe narrativas da museologia social para contextualizar a prática da sevirologia — conceito do geógrafo Milton Santos que significa a arte de "se virar com o que tem" — para construir trilhas, pontes e percursos, em especial na perspectiva do Museu Territorial de Interesse da Cultura e da Paisagem Tekoa Jopo'i, cinturão verde da cidade de São Paulo, formado pelos regiões de Perus, Jaraguá e Anhanguera. Trata-se de suprir demandas do ser favelizado, uma vez que não se encontram museus nas favelas e periferias.

Os espaços culturais e diferentes vêm de ações sendo erguidos por seus moradores, tal como o Centro de Memória Queixadas, que busca reunir a "memória e a história das lutas operárias do bairro de Perus e da Fábrica de Cimento Portland Perus, sob a ótica dos Queixadas, movimento organizado por trabalhadores da fábrica, e sempre em conexão com as demandas da comunidade", segundo consta no site da organização.

A constituição da memória pautou a conversa, quando Cleiton Ferreira narra a greve dos Queixadas pela aquisição de direitos básicos ou ainda a também violação de direitos com a vala clandestina de Perus, destino das vítimas do esquadrão da morte, do genocídio da população preta e o surto de meningite.

A valorização da memória faz-se presente na fala de Luiz Antônio, ao discutir como a Casa de Cultura da Maré tornou-se um espaço museológico e educativo utilizando o território da Maré como referencial, estabelecendo vínculos e pertencimento ao território de um modo não perverso, com a desconstrução da violência. As discussões coletivas tornaram-se pautas, hoje inseridas no IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus). Luiz Antônio narra como a rede de museologia comunitária teve e continuou tendo desdobramentos, afinal: "Se a museologia não falar da vida não serve para nada", frase ícone em referência ao museólogo Mário Chagas, que atuou na implantação do Museu da Maré. Segundo Luiz, tem que haver um processo contínuo das discussões, diálogos, envolvimento dos moradores que exercem curadoria como narrativas de suas memórias e vivências.

Já o José Eduardo, do Acervo da Laje, nos instiga com questionamentos sobre os conflitos entre memória e apagamento, autoria e invisibilidade, bem como a necessária provocação para quem as curadoria são dedicadas.

O Acervo da Laje mapeou a beleza e a exuberância, como mencionou José Eduardo, pois: "Quem está na periferia também cria, também tem poética, também tem curadoria e tem criação". Cabe a indagação: quem criou e selecionou os cânones da arte, quem determina o que é a arte? Porque "ninguém faz curadoria para quem serve o café, ou faz a segurança (...) Já estamos cansados de ver os corpos negros só servirem e não fruírem", como pontuou o convidado.

Por fim, fica a questão: quais deslocamentos o Museu das Favelas pode fazer? José segue provocando reflexões sob perspectivas como o caso da Casa Museu Escola, na Bahia, que não se configura como um museu estático, tendo uma tríplice (é uma casa, um museu e uma escola), com a função de provocar outras narrativas, para o que vem a ser um museu. Destacou ainda que os territórios favelizados tem acervos, técnica, autoria e artistas com nome e sobrenome e que "a gente já resiste, agora é a vez da existência no tempo para formar novas gerações". Luiz Antônio complementa: "não vamos nos enquadrar onde quiserem. É preciso saber que favelas, periferias e subúrbios são esses, o que cada um vem produzindo e não mais nos enquadrar como gueto. A luta é constante, vamos atravessar as encruzilhadas e mostrar ao estado o que é política pública".

A partir deste primeiro encontro, fica evidente que a construção museal deve ser pautada pelo afeto e educação compartilhada, a partir da preservação da memória das pessoas que vivenciam as favelas, além de propor, por meio da coletividade, a construção de novos caminhos que permitem o protagonismo e a visibilidade das produções, criações, narrativas e perspectivas que, historicamente, foram invisibilizados pela sociedade.

A live está disponível no canal do youtube do Museu.

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O Museu das Favelas é um equipamento público do Estado de São Paulo, sob a gestão do Instituto de Desenvolvimento e Gestão — IDG.