Correndo atrás

Dá pra falar de corrida sem parecer um coach?

Leonardo Ritta
Leonardo Ritta
3 min readNov 11, 2019

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Sebo nas canelas! Foto: know your meme.

Além do motociclismo, outra experiência que eu sempre quero compartilhar com as pessoas é a corrida. O problema é que é muito difícil falar sobre corrida, mais difícil do que falar sobre as andanças na moto.

Ao falar sobre corrida, o maior risco é ultrapassar alguns limites do que as pessoas consideram interessante. Despejar termos técnicos e dialeto próprio dos corredores ou somente ficar no inspiracional?

A tênue linha entre soar como personal trainer ou palestrante motivacional.

O fato é que não tenho desempenho nem conhecimento suficientes para dar dicas de performance, tampouco tenho tempo suficiente no esporte — nem vontade — para dar palestras no estilo Bernardinho. Ok, sabemos o quão libertador é passar quilômetros focando apenas na respiração, no passo e no trajeto. Já ouvimos milhões de vezes que a endorfina e a serotonina liberadas na atividade trazem benefícios além da conta. Mas tem uma coisa que é importante e que vai além do químico. Talvez penda um pouco mais para o lado do Bernardinho, mas azar.

A corrida tem me ensinado a ressignificar

Para mim, além do fôlego maior e duma visível melhora na qualidade de vida, a ressignificação foi a principal marca que a corrida deixou nas minhas demais atividades. E isso começa porque, ao longo do meu período de corredor amador, eu ressignifiquei o que eu estava fazendo várias vezes. Comecei a corrida quase caminhando, emagreci tudo que eu queria, comecei a correr com foco em desempenho. Cada um desses processos foi uma ressignificação diferente. O que a corrida significava para mim (fim do sedentarismo -> perda de peso -> atividade com potencial de melhora).

Agora, passei por outro processo de ressignificação. Passados alguns pares de tênis, mais de 2 mil km de asfalto e uns bons 30 e poucos quilos, cheguei num nível onde eu cuidava de todos os detalhes da corrida. Era quase doentio. Qual o melhor tênis, o calção de compressão adequado, o trajeto a ser feito, a planilha semanal irrepreensível, o pace ideal, cada metro avaliado posteriormente no app. Foi maravilhoso porque comecei a correr como nunca achei que conseguiria um dia: rápido e longe.

Cruzei meio de repente com um livro interessante que, resumindo em uma linha, fala sobre uma tribo mexicana que corre muito. Aparentemente nasceu para correr e o faz da maneira mais simples possível: com sandálias e uma saia para proteger as intimidades. Nada mais. O fato é que essa leitura foi o gatilho de algo que já vinha me ocorrendo ocasionalmente. De uns tempos para cá, ressignifiquei novamente o que é correr para mim. Hoje, corro sem GPS, sem música, sem saber a quilometragem. Corro apenas com um relógio que consulto porque geralmente tenho algum compromisso depois de correr. Voltei a um estágio orgânico, onde só o que importa é correr, suar, respirar. É libertador.

Saí para correr e encontrei os amigos. Ofereceram uma parada técnica para hidratação. É difícil, mas a gente tenta!

Não significa que vou virar um corredor tribal. Possivelmente, daqui algum tempo retomarei as atividades cuidando do meu ritmo, dos trajetos e alternando treinos distintos. Essa é a parte mais legal: vou, novamente, ressignificar a corrida.

No fim, percebi que andei ressignificando outras coisas. Sempre devo ter feito isso, mas passar por esse processo tantas vezes ao longo da corrida parece ter transportado esse costume com mais vivacidade para a vida real. Já repensei meu trabalho, minhas relações e meus hábitos. Diferentemente da moto, que demanda tempo, dinheiro e uma vontade praticamente inata, a corrida pode ser praticada por qualquer pessoa que não tenha dificuldades motoras (e algumas com dificuldades também podem!), desde que seja um processo evolutivo feito com bom senso.

Correr é de graça e faz bem. Faz pensar, faz esvaziar a cabeça, faz o corpo trabalhar. Acaba nos fazendo aprender a lidar com frustrações e a aproveitar pequenas vitórias. Acaba sendo bem mais do que simplesmente jogar uma perna na frente da outra.

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Leonardo Ritta
Leonardo Ritta

Para escrever bem, é preciso ter a coragem de escrever mal.