A mistura do pianista
por Naira Marcatto
Montorfano. O nome pode parecer novidade na indústria musical, mas ele mesmo não é. Com a experiência de quem já tocou com nomes como André Abujamra, Ava Rocha, Cátia de França, Junio Barreto, Gal Costa e muitos outros grandes do cenário, Chicão — apelido de Rafael Montorfano — é pianista e tá na área há muito tempo. Dos encontros musicais nascidos na UNICAMP às trilhas das criações de Zé Celso no Teatro Oficina, foi outro dia que Montorfano lançou seu primeiro EP: Mistura — Parte I.
Em 4 faixas, a primeira parte desta Mistura se iniciou há mais de 15 anos no cantinho muito bem frequentado do Estúdio Lamparina, na Zona Oeste de São Paulo. De lá saíram as gravações guardadas como peças de um quebra-cabeças montado pelo tempo, finalizadas por Ivan Gomes no Estúdio Lebuá há pouco mais de 2 anos.
Mistura não poderia ter outro nome. É Chicão, o artista singular, em todo seu esplendor. Músico daquele tipo que coleciona baús mentais de um repertório adquirido através de sua escuta generosa, síntese da antropofagia que nos une: ouve, processa e retorna sons ao mundo com uma habilidade inventiva ímpar e coletiva. Com participações de Paula Mirhan, Yantó, Gustavo Galo, Ciça Góes e Maria Giulia Pinheiro nas vozes cantadas e faladas, destaque também para a parceria sonora entre o autor e o guitarrista André Bordinhon nas duas primeiras faixas — e como é bom ouvir disco de quem se ouve quando toca!
Mistura — Parte I é para ser ouvido de uma vez. E talvez seja curto justamente para não ser interrompido, assim se conectam a faixas, uma a outra. Talvez seja uma suíte eletrônica, talvez um quebra-cabeças imaginário, com infinitas possibilidades de montagem. Talvez não tenhamos uma caixa para ele.
Montorfano é um artista raro. Ouça.
