Peles claras, Mentes Brancas

Nana Raiza
4 min readMar 26, 2018

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Foto: Sarah DeSantis and Jonathan Dorado, Brooklyn Museum. fonte: https://www.brooklynmuseum.org/exhibitions/diverse_works

Se você é preto de pele clara, sabe que é Preto e é lido socialmente como Preto e já foi chamado em alguma ocasião de afrobege, talvez o problema esteja no seu discurso embranquecido e não na sua pele. E esse pequeno texto é para isso. Estou aqui para escurecer alguns argumentos. Isso mesmo, não vim para explicar, dialogar ou compreender. Estou aqui para escurecer!

E sim, estou falando de pele sim! De preto que passando de longe na rua é Preto, de cabelo alisado é Preto, no inverno é Preto, que não precisa mostrar foto da mãe/pai ou da avó/avô, é Preto, que não precisa dizer que mora na favela, é Preto! Preto sem ter que contestar, Preto!

“Pretos de pele clara também sofrem racismo!”

A discussão sobre colorismo não é nova e não é nada que nós, pretos de pele clara, já não sabemos. Tudo que é preto, é condenado, demonizado. Tudo que é branco, é aclamado. E sim, tentar nos associar ao branco faz parte do racismo, nos distanciar do que é mais associado ao preto, do que é associado à África e a nossa pele é mais um dos mecanismos do racismo. E é a partir da nossa pele que outras características assimiladas a África, passam por esse mesmo processo como os cabelos crespos e nossos fenótipos faciais. O objetivo do branco não é eliminar o racismo, e sim eliminar o Preto; e o embranquecimento do nosso povo é um dos seus métodos. E é através desse objetivo que garante que pretos mais escuros, que tem na pele esse traço maior mais forte, sejam mais marginalizados. A hierarquização pela cor da pele tem como objetivo direto epistemicída o apagamento e genocídio do povo preto, e é reforçado diariamente ao associar nossas peles mais claras a imagem construída dita brasileira, mestiça, morena e nos afastar de nossa origem. E quanto mais “brasileiro” nós parecermos, menos Africanos para os brancos somos. Então, se seu argumento se assemelha ao discurso do branco de que “somos todos iguais”, e que, “discutir questões raciais só divide mais a gente” — pare e reflita.

“Mas existem pretos de pele clara na África.”

Definitivamente não é a multiplicidade dos pretos no continente Africano que está em jogo, quando esse argumento surge. Principalmente porque sabemos que o branco permite somente ao seu povo ser múltiplo e diversificado. O que está em jogo no colorismo é o lugar que o preto, mais associado à África, deve ocupar. O branco criou as regras do jogo, ele foi quem decidiu os métodos para nos dividir, nos representar e nos violentar. É necessário alinharmos nossos discursos para uma direção mais preta, mais escura. E isso inclui observamos o quanto embranquecido nossos argumentos são. E lembre-se que, quando eles utilizam o argumento “mas existem brancos na África”, não é com objetivo de mostrar uma imagem plural dos povos Africanos, eles apenas buscam justificativas para mascarar argumentos anti-negro. A máxima deve ser, sempre que nossos argumentos se assemelham ao do branco, algo de muito errado tem, então devemos parar, pensar, desconfiar e os refazer.

“Essa discussão está dividindo o movimento negro.”

Entender que a corda pesa mais para os retintos, exatamente por ter na pele o traço maior associado a África, não anula o fato de sermos pretos e muito menos de ser um militante antirracista. Serve para apontar qual é o caminho a se trilhar para enfrentar o racismo. Compreender onde a força e a violência do racismo -estrutural e privado- pesa mais. Situando onde pesa em nós e qual o caminho devemos seguir em relação a nossa militância. Principalmente porquê, para lutarmos como povo preto é preciso entender que todo local onde o preto mais retinto tiver acesso, o preto claro passa com tranquilidade, mas nem todo percurso trilhado por nós abre espaços para os pretos retintos.

Agora, se o termo afrobege, que surgiu para descrever pessoas brancas afroconvenientes, continua atingindo você é preciso voltar no início do texto e conferir se você é realmente socialmente lido como preto. O que não dá é para unir a sua “passabilidade” branca com o discurso embranquecido, ocupando espaços e roubando uma narrativa que não é sua. O jogo é assim, no Brasil ser preto está na pele você pode até discordar, mas acredite, o branco tem certeza.

Sabemos que não é mais que a obrigação do branco lutar contra o racismo, então é nossa responsabilidade agir sobre o colorismo. Até porque na maioria das vezes somos os únicos pretos a alcançar determinados espaços e posições sociais, e ter apenas pretos claros nesses espaços significa, muitas das vezes, ser o preto que menos incomoda o branco e que menos atrapalha seu discurso — qualquer semelhança ao negro da casa grande não é mera coincidência e nunca será — , e se o seu objetivo é estar ativamente na luta contra o racismo é preciso começar arrumando a casa por dentro, pelo seu discurso, até porque… você está na militância pra que? Para escurecer?

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