Dos atributos divinos

Guilherme Henrique
9 min readMar 2, 2018

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Esta série de artigos tem por objetivo defender o modelo político teocrático e demonstrar a filosofia católica

Partiremos nesse artigo do pressuposto de que Deus “existe” (é). Caso não tenha certeza ou seja cético em relação a isso veja meu artigo anterior chamado “”Deus não existe”,afirma o tolo.”. Lá apresento as provas tomistas que chegam à conclusão de que Deus existe.

Podemos conhecer os atributos divinos?

Sim. A essência de Deus, seus pensamentos, etc. não podem ser concluídos através de silogismos. Nossa capacidade racional e intelectiva humana é totalmente ultrapassada quando tentamos compreender Deus em sua totalidade. São questões que excedem a razão, como dito por Sto Tomás (Suma Contra os Gentios, Capítulo IV), o que não impede de tais serem revelados aos humanos. Contudo, podemos descobrir alguns dos atributos divinos filosoficamente. São Tomás de Aquino, filósofo, teólogo e santo católico, nos diz que devemos buscar conhecer a Deus através da eliminação. O que isso significa? Que devemos conhecer antes Deus pelo que ele NÃO é.

Conhecido de algo se é, resta investigar como é, para que se saiba a seu respeito o que é; ora, como não podemos saber a respeito de Deus o que é, mas o que não é, não podemos considerar a respeito de Deus como é, mas antes como não é

Sendo assim, devemos conhecer coisas que Deus não pode ser através de assimilação. Atribuímos alguma qualidade a Ele e vemos se nEle ela está contida.

Imaterial

Evidentemente, Deus não poderia estar em alguma esfera material mundana, como afirmam crenças como o panteísmo e o panenteísmo. Como já escrito em um artigo passado, ser material implica em ser mutável de diferentes formas. Tudo quanto é material é também contingente, mutável e possui diversas potências. Deus é per si Ente Necessário, Imutável e Ato Puro. Isto significa dizer que ele é totalmente o oposto das coisas materiais. Algo em potência sempre pressupõe um Ente anterior em ato. A potência só o é em relação ao ato. Assim sendo, dizer que Deus está em potência é dizer que há algo superior a ele, o que culmina em não estarmos falando de Deus, o ser maximamente possível. Se em Deus não há potência não pode ser ele material.

Eterno

Evidentemente, também em Deus está a eternidade. Todas as coisas temporais pressupõem um antes e um depois. Em suma, as coisas que são temporais são também potenciais, uma vez que foram criadas e antes de sua criação existiam apenas enquanto potência. Tal como você quando pensa em construir uma casa, ela antes existe potencialmente e depois, quando construída, existe em ato. Se Deus é temporal também é criado e pressupõe um Ente anterior a ele preexistente. No entanto, só tomamos por Deus o Ente Primeiro, uma vez que se um Ente deve sua existência a outro (foi criado por outro) e este a outro, e este a outro, é necessário admitir um Ente Primeiro. Como sabemos, o retrocesso infinito é impossível por motivos colocados no outro artigo aqui já citado. E no entanto, se fosse verdadeiro então imperaria o nada. Porém do nada também nada advém. Sendo assim é necessário admitir um Ente Eterno como demonstram as três primeiras vias tomistas.

Onipresente

Há confusão nesta qualidade. Questionam os céticos “Deus está em todo lugar? Como? Ele está em mim também? Está no mal cometido pelas pessoas? Ele está no diabo?”. A onipresença de Deus não significa que ele está em todas as coisas, significa que todas as coisas existem por conta dele. Lembremo-nos da primeira via que demonstra que Deus é Ente Imutável e que a partir dele as potências são realizadas. Todas as coisas materiais mudam, algo não pode mudar a si mesmo (pois se pudesse, teria o ato que procede a potência já em ato e não em potência), passar sua potência ao ato, isto é cometido por um ente anterior. O Ente Primeiro, portanto, é quem permite que as potências no mundo material sejam realizadas e as mantém. Em suma, as coisas existem por conta do Ente Primeiro, que é o estado total de Ato. Isso significa dizer que toda mudança material pressupõe Deus, caso contrário sequer poderia existir. Isto é que é a Onipresença de Deus, ele está em todas as cadeias causais e tudo quanto existe é mantido existente por Ele.

Onisciente

Sendo Deus o Ser maximamente possível (sendo todo o Ser, em verdade), é também consciente e conhecedor de si. Veja que há uma impossibilidade de Ele ser inconsciente uma vez que se assim fosse não teríamos consciência, afinal, não poderíamos ter um atributo que não está contido na Causa Primeira. Conhecendo a si mesmo, e sendo o Ser enquanto Ser, conhece também todas as coisas. E como seu estado “temporal” é de eternidade, conhece Ele as coisas já passadas e aquelas que hão de vir, ainda que nossa perspectiva temporal cronológica não admita isso.

Onipotente

A onipotência divina em primeiro olhar parece gerar diversas contradições e paradoxos. Se Deus é onipotente, ele tem potência, certo? Como pode então ser Ato Puro? Como pode ele estar sempre em Ato realizando uma ação? A ação existia antes em potência, o que significa dizer que nEle há potência. Sendo assim, Deus não é Ato Puro.
Vejamos o que tem Santo Tomás a nos dizer.

Há duas espécies de potência — a passiva, que de nenhum modo existe em Deus; e a ativa, que lhe devemos atribuir, soberanamente. Pois, como é manifesto, um ser é prin­cipio ativo de um efeito, na medida em que é atual e perfeito; e recebe uma ação, na medida em que é deficiente e imperfeito. Ora, como demonstramos, Deus é ato puro, absoluta e universalmente perfeito, não deixando lugar a nenhuma imperfeição. Por isso, soberanamente lhe convém ser princípio ativo, mas de nenhum modo, passivo. Pois, a natureza de princípio ativo convém à potência ativa, por ser esta princípio de ação transitiva. A potência passi­va, pelo contrário, é princípio de sofrer a ação exterior, como diz o Filósofo. Donde se conclui, que Deus tem soberanamente a potência ativa.

Como sabemos é impossível que todos os Entes existente possuam potência passiva pois isto significa dizer que o retrocesso infinito existe, a saber, por que nenhum dos Entes estaria totalmente em Ato. Como é impossível, existe um Ente totalmente em Ato. Mas como pode tal criar algo além dele sem ter potências? É disso que trata a potência ativa, descrita por Santo Tomás. Imaginemos duas esferas temporais, a cronológica (a qual pertencemos) e a eterna (a qual pertencem as coisas imutáveis). Deus, estando na segunda, possui potência ativa uma vez que em sua perspectiva Ele fez algo desde sempre. Sua ação é como eterna, é como Ato eterno, potência ATIVA. Contudo, as séries causais do universo são cronológicas, o que nos faz pensar que para uma ação ocorrer é necessário que exista tempo e potência, o que não é a totalidade da realidade. Deus sendo eterno também faz as coisas eternamente, como se ele já tivesse criado o universo e tudo desde sempre. Mas em nossa esfera cronológica essa criação se deu em algum momento. Portanto, em deus há potência, mas potência ativa. Pode ele tudo fazer.

Deus pode fazer o impossível?

Não. Então ele não é onipotente? Também não. A onipotência divina consiste no poder de fazer todas as coisas. No entanto as coisas impossíveis são contradições e, com efeito, contradições não existem. A contradição não é uma coisa substancialmente, ela não pode existir violando os princípios de não contradição. Assim sendo, Deus não pode criar um retângulo que seja triângulo ao mesmo tempo, um homem que seja asno ao mesmo tempo ou fazer com que deixe de existir.

O Paradoxo da Pedra

Deus pode criar criar uma pedra que ele mesmo não pode destruir? Não. Então ele não é onipotente.
Deus pode criar criar uma pedra que ele mesmo não pode destruir? Sim. No entanto, depois de criada ela não poderá ser destruída por Ele. Então ele não é onipotente.

Há um equívoco gigantesco no que foi dito. Como comentado acima, a onipotência consiste em poder fazer todas as coisas possíveis. Deus não pode negar um de seus atributos, a saber, a onisciência divina. Se ele criou algo, sabe como destruir. Ele não pode negar um de seus atributos por isto o tornaria num ser contradizente. Como a contradição não existe, Deus não pode criar algo que esteja acima dele e ainda assim continua sendo onipotente. Ao criar a tal pedra, sucederia que ele saberia como destruí-la.

A onipotência divina é submissa à lógica?

Com efeito, sim. Não é que Deus é submisso ás leis da lógica, mas que elas são preexistentes nEle. É como seus atributos, eles existem desde sempre nEle. Se as leis de não contradição não existissem no Ente Primeiro, sucede que as coisas materiais estariam quebrando-as a todo instante. No entanto, nós só conhecemos as leis não contradizentes por que elas antes existem na realidade. É o que nos diz a ontologia, o estudo do Ser, as leis não contradizentes advém do Ser (Deus), se assim não fosse nunca seriam captadas pela mente humana. Assim sendo, Deus não é submisso à lógica, mas ela existe antes nEle do que em qualquer outra coisa.

Deus é bom?

Quanto a este procede verdadeiro. Deus é bom, justo, misericordioso, paciente, etc. Mas porquê? Entendamos antes o que são qualidade positivas e negativas.

Qualidades positivas — As qualidades positivas são aquelas que existem substancialmente. O bem, a justiça, a paciência, a visão, a sanidade, etc. Todas as qualidades positivas em que podemos pensar existem substancialmente.

Qualidades negativas — Estas, no entanto, não existem substancialmente mas como negação das positivas. O mal só existe enquanto negação do bem. A cegueira, enquanto negação da visão. A impaciência existe na medida em que existe falta de paciência. Por isso são chamadas de qualidades negativas, elas não existem substancialmente mas, na medida em que as positivas não existem. É a ausência das positivas.

Dizer que Deus é mal, que é injusto ou imoral é também afirmar que Ele está em potência pois é isto que as qualidades negativas são. Enquanto as positivas existem substancialmente, em ato, a negação delas (do ato) são as potenciais ou negativas. Como, portanto, em Deus não pode existe potência conclui-se que em Deus existem todas as qualidades positivas. Ele é de todo bom, justo, moral, paciente, misericordioso e etc.

O paradoxo de Epícuro

Enquanto onisciente e onipotente, tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar com ele. Mas não o faz. Então não é onibenevolente.
Enquanto omnipotente e onibenevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto mal existe e onde o mal está. Então ele não é omnisciente.
Enquanto omnisciente e omnibenevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo. Mas não o faz, pois não é capaz. Então ele não é omnipotente.

Esta é a formulação clássica do trilema de Epícuro que, embora não fosse ateu, não acreditava em um Deus bondoso e que se importava com os humanos. Ele diz que qualquer deus monoteísta não pode ter essas três qualidades, a saber, a onipotência, onisciência e a onibelevolência (de todo bom), e que ao ter duas delas a outra se excluía. Será mesmo?

Deus, como vimos acima, é onipotente e onisciente, por conhecer a si própio. Também entendemos que ele possui todas as qualidades positivas, aquelas em ato, e por isso é de todo bom. O problema no paradoxo é excluir as outras qualidades divinas como a justiça e a misericórdia. O trilema só consegue lidar com as três qualidades iniciais e portanto não se aplica ao Deus cristão (o que de fato existe). Se Deus não pode criar um universo onde não exista o mal ele não é onipotente. Definitivamente errado. De onde surge o mal? O mal, como qualidade negativa e portanto ausência do bem, surge ao nos ausentarmos do bem divino. Deus é detentor de todas as qualidades positivas, pois só nEle é que todas as coisas existem em ato, entre elas o bem, ao nos afastarmos do bem divino caímos na ausência do mesmo, o mal. Isso é uma consequência do livre-arbítrio que, por conseguinte, é uma consequência da justiça e misericórdia divina. Deus nos dotou de livre arbítrio para que não fôssemos apenas Entes “fantoches”. Portanto, Deus é de todo bom, sabe tudo e ainda assim pode fazer todas as coisas. Um universo em que tivéssemos nosso direito de livre escolha renegado contradiria a justiça e misericórdia divina. Como sabemos, a contradição é inexistente e não é uma coisa substancial.

Por que então Deus permite o mal?

Além do motivo da preservação da livre escolha humana, cremos que Deus ao permitir-nos conhecer o mal pode tirar dessa experiência um bem ainda maior. Conquanto a primeira possa ser atestada logicamente (a preservação do livre-arbítrio humano), a segunda (crença no plano divino) deve ser considerado artigo de fé.

Dúvidas ou objeções serão respondidas nos comentários.

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