Deixa que eu acendo a luz

Natália Silva
3 min readAug 23, 2017

Tem gente que diz que ignorância é uma benção. Sei não. Quando a ignorância te impede de fazer coisas básicas, tipo escrever, parece que não é bom negócio. “Ah, mas se você sabe ler, você vê como o mundo tá uma merda e é pior”. Não me venha com esse papo. Conhecimento é privilégio, sempre.

E eu sempre fui uma pessoa bastante privilegiada.

Mas, a gente nunca sabe de tudo. Eu saí da casa dos meus pais, onde os problemas práticos eram sempre resolvidos por outras pessoas, e fui morar com uma amiga. E aí eu comecei a enxergar os problemas que antes eu só via solucionados. A primeira coisa foi o chuveiro.

Queimou. Fez um barulho estranho e ficou menos quente. Comprei a resistência e, junto com o meu namorado, fui trocar. Precisava de um alicate que eu não tinha e resolvemos o problema com uma chave phillips (também conhecida como “a da estrelinha”) e um alicate de unha. Ligamos o chuveiro, a água esquentou e rolou uma comemoração verdadeira no banheiro por ter conseguido resolver um problema com as nossas próprias mãos.

Depois foi uma porta. Deu cupim. E eles resolveram passear pela casa.

Chamei algumas dedetizadoras, que me extorquiram. Pra dedetizar um armário e fazer a prevenção na casa, senhor, fica R$800. Repare que o prestador disse senhor, não senhora. Ele olhava pro meu namorado (que nem mora comigo, tava ali pra me dar um apoio moral apenas) e não pra mim, a maior interessada na coisa. Chamei outra dedetizadora e contratei essa, uma porque o cara olhou pra mim, falou comigo, me explicou as coisas. Outra porque cobrou bem mais barato.

Comprei outra porta. Deu merda, pedi o tamanho errado, descobri que o batente estava torto, chamei um instalador, ele resolveu meu problema.

Mas não minha frustração. Percebi que eram poucas as coisas que eu sabia resolver sozinha. E o mundo sabia disso. E me enganava, me cobrava caro, me dizia que as coisas eram mais complicadas do que realmente eram. A ignorância me diminuía.

Decidi dar um passinho, pequeno, pra mudar isso. Me inscrevi em um curso de reparos básicos para casa, com professoras ensinando alunas. Tudo mulher. Girl power, porra! Aprendi a instalar tomadas, emendar fios, instalar chuveiro, trocar uma resistência decentemente, fazer pequenos reparos hidráulicos. E resolvi um problema meu: a luz do meu quarto.

Perto da minha cama tinha um interruptor que só funcionava quando o outro, perto da porta, estava numa posição específica. A professora me explicou o que poderia estar acontecendo e me ensinou a resolver cada um dos possíveis problemas. Cheguei em casa, encaixei os fios do jeito certo e agora, todos os dias antes de dormir, acendo e apago a luz sem ter que me preocupar com o outro interruptor. É quase uma metáfora do que esse curso todo significou pra mim: eu acendi minha própria luz. Antes da aula, se alguém chegasse pra mim e dissesse que aquele era um problema difícil de resolver, eu acreditaria desconfiada. Acreditaria porque não teria outra opção.

E é disso que as mulheres são privadas quando não aprender coisas básicas, que “todo mundo sabe”, mas não nos ensinam porque somos mulheres né… chama seu pai, seu tio, seu namorado, seu primo pra fazer. Privar as mulheres de conhecimentos básicos, tipo trocar uma resistência, é tirar um pouco de nós o privilégio do conhecimento. E, consequentemente, o privilégio da independência.

Eu continuarei precisando de alguém pra instalar portas, alguém pra dedetizar minha casa e outras tantas coisas que eu não faço ideia de como fazer. Mas, acender minha própria luz me basta, por hora. Pra você, que nasceu sabendo como arrumar interruptores, pode parecer bobagem. Pra mim, não.

O curso que eu fiz vai acontecer de novo, no dia 30 de setembro. Dá uma olhada no evento e, sem medo, vai acender sua própria luz.

--

--