Sobre o Periscópio #16 e João Varella

Nautilus
17 min readSep 22, 2020

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No dia 14 de agosto de 2020, a equipe do Nautilus gravou, ao vivo, o episódio #16 do programa Periscópio.

Nessa mesma semana, João Varella havia publicado uma matéria no Start UOL, sobre um emulador vendido nas lojas virtuais da Xbox. O Henrique havia criticado a matéria em sua conta pessoal do Twitter, e ele aprofundou suas razões, e seu antagonismo, quando a matéria foi pauta do Periscópio. Por conta do que Henrique falou, Varella publicou o seguinte texto.

Estamos há semanas discutindo internamente se, e onde, fomos exageradamente grosseiros ou perniciosos durante a gravação desse podcast. Em um momento como esse, qualquer pedido de desculpas seria insuficiente ou desonesto, porque o Nautilus é uma equipe horizontal, e nossas decisões são coletivas, e é o nosso trabalho daqui pra frente que demonstrará o que tiramos dessa experiência. Estamos acompanhando os debates ao redor do texto do João Varella, e acompanharemos os debates ao redor desse texto aqui, e isso continuará nos informando sobre onde precisamos de autocrítica e reconhecer erros e falhas nas nossas atitudes.

Contudo, a equipe concorda integralmente com as críticas à matéria, e também não vê, inicialmente, problema algum em qualquer ofensa direcionada ao trabalho do João Varella. Se esse tipo de tom é apropriado para debates jornalísticos, iremos discutir na última parte do texto. Mas também queremos aqui mostrar como elementos do que foi dito durante o podcast foram distorcidos, extrapolados, ou omitidos no texto de Varella, para em 20 parágrafos transformar o Nautilus no Xbox Mil Grau.

Deixamos aqui o podcast (a parte em que falamos da matéria de João Varella começa em 18:46) para todos os interessados em ouvir e contrapor por si mesmos os pontos levantados por Varella, e os pontos levantados por nós aqui nesse texto.

Sabemos que o Twitter não é o melhor lugar para esse tipo de discussão, e imaginávamos que as acusações de Varella podiam vir a público desde que recebemos uma notificação extrajudicial do advogado do autor, exigindo direito de resposta. Enfatizamos que inicialmente, o jornalista não entrou em contato diretamente conosco para expressar a insatisfação com o programa e solicitar um espaço para expor a sua opinião. O primeiro contato direto foi feito através do seu advogado, que emitiu uma notificação extrajudicial, que ao nosso ver, foi uma tentativa de nos intimidar e calar a crítica feita ao seu trabalho. Algo que o Varella curiosamente não menciona em lugar algum. Sabendo que Varella poderia a qualquer momento levar a questão para o âmbito jurídico, decidimos arriscar que essas informações chegassem ao público através dele, para depois respondermos mais abertamente com o que pensamos sobre o caso, ao invés de tomarmos a frente da narrativa e nos arriscarmos no campo legal.

Gostaríamos que essa discussão acontecesse de outro jeito, mas esta foi a maneira em que Varella decidiu entrar em contato conosco diretamente. Ele quis tratar da questão por vias legais, e decidimos negociá-la por essas mesmas vias, segundo as recomendações de nossa assessoria jurídica. Varella chama isso em seu texto de seguir “a cartilha do radicalismo”, nós entendemos como a proteção dos nossos interesses, e contra acusações que consideramos injustas e desonestas, como vamos explicar a frente.

Isso culmina no texto publicado ontem, dia 21 de setembro, pelo autor, intitulado de ‘Nautilus: 20 Minutos de Mil Grau’. Pedimos que leiam o texto do Varella primeiramente, porque daremos a nossa interpretação dos fatos e responderemos seus pontos.

Mas antes de tudo, consideramos no mínimo de extremo mau gosto, e repudiamos qualquer tipo de analogia ou comparação desse caso, ou do Nautilus, com o Xbox Mil Grau.

Varella afirma que distorcemos fatos, mentimos, e usamos palavrões, e sugere que por isso “o Nautilus exibe a mesma retórica da Xbox Mil Grau, o canal que boicotou.” (Eventualmente modificado para “o Nautilus exibe a retórica dos canais extremistas anti-jornalismo. Ironicamente, um deles, o Xbox Mil Grau, foi boicotado pelo próprio Nautilus.”)

É importante notar que o movimento para a ostracização do Xbox Mil Grau, da qual o Nautilus orgulhosamente fez parte, ocorreu porque integrantes do XMG foram racistas, misóginos, promoveram campanhas de ataque virtuais aos seus oponentes ideológicos, repetidas vezes. Não porque mentiram, distorceram, ou usaram palavrões, mas pelo conteúdo racista e misógino de suas mentiras, distorções, palavrões, e ações. Concorde ou não com o uso de expressões como “jornalismo de corno” e “imbecil” dentro de uma prática jornalística séria, a comparação com a retórica do XMG é covarde e sem sustentação.

João Varella afirma em seu tuíte que “esses 20 minutos de ódio são dignos de comparação. Pesquiso canais extremistas e há muitas coincidências na retórica.”

Mas toda essa pesquisa não foi suficiente para impedir que ele se colocasse na mesma posição de pessoas que passaram por ataques racistas, misóginos, e sofreram perseguições reais. O Ricardo recebeu duas ameaças de morte por se posicionar contra o XMG. Quantas ameaças de morte Varella sofreu por conta de nossas críticas? Para Varella, está ok se colocar nessa posição por conta das “coincidências na retórica”, ou pela “retórica agressiva” do Nautilus, sem considerar como sua comparação torpe minimiza ataques endereçados a uma classe inteira, sob a justificativa de que Varella se sentiu pessoalmente atacado.

E vale ressaltar que em nenhum momento o Nautilus orquestrou ou incentivou ataques às contas pessoais do João Varella, e abominamos esse tipo de comportamento. E ao longo dos 30 dias desde que o podcast foi lançado, nenhum tipo de ataque direcionado ao Varella chegou à nossa atenção.

Dito isso, esse texto foi dividido nas seguintes seções:

Quais os problemas na acusação do João Varella?

Porque o Nautilus não se pronunciou antes?

Pra quê usar esse tipo de tom em um debate sério?

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Quais os problemas na acusação do João Varella?

O Periscópio #16 está disponível tanto no formato de podcast, quanto no formato da gravação original da Twitch. Nenhuma edição ou corte foi feito na fala do Henrique, pois julgamos que aí sim estaríamos procurando um subterfúgio.

Mas mesmo com a gravação amplamente disponível, João Varella reinterpreta bastante do que foi dito na gravação para sustentar seus argumentos. Na acusação de “mentiram”, ele faz referência à uma de suas notas de rodapé:

A mentira, no caso, é que João Varella não se formou na Mackenzie, como disse Henrique.

Mas apesar do preciosismo de manter todos os “hãããs”, “tipos”, gírias, e toda forma de cacoete oral do Henrique — algo que entendemos como uma forma de diminuir intelectualmente as pessoas citadas, e algo que ele mesmo reforça no texto:

“A tentação (e reação natural) é responder na mesma moeda. Seria até fácil, dada a quantidade de imprecisões, cacoetes e dificuldade dos participantes em articular argumentos”

Ou seja, uma forma rasa e fraca de classismo — Mesmo assim, Varella não vê problema em omitir aquilo que não é conveniente para o seu argumento.

Segue o trecho na íntegra:

28:29Henrique: porque que você quer atrelar seu nome… tipo assim, se você não vê um problema com isso como jornalista, não você Ricardo, mas João Varella formado aí, sei lá, na Mackenzie […]

Varella confunde uma zombaria com uma afirmação factual, ao mesmo tempo que omite palavras essenciais da sentença para manter sua narrativa. Se isso for considerado uma afirmação factual, erramos. Aparentemente João Varella se formou na PUC-PR.

Nota: durante a produção desse texto, analisamos a citação como foi publicada originalmente por Varella, e que permaneceu durante pelo menos 12 horas no ar. Ele modificou a citação, e agora é isso que consta.

Mas em nenhum momento Varella nota ou faz menção que houveram modificações nas ‘notas de rodapé’, em relação como foi originalmente publicado.

Essa utilização conveniente das citações também está presente em outras afirmações do autor.

Ele também afirma nas notas de rodapé que:

A citação na íntegra:

29:54 Henrique: Cê acha que a Xbox talvez não soubesse? Só especulação minha, mas não seria muito estranho, tá ligado, a Xbox não saber que esse bagulho tava lá?

Com a omissão de algumas palavras, Varella transforma uma especulação em uma “afirmação sem provas”, adicionando tons de conspiração a uma especulação banal.

Possivelmente é a isso que Varella se refere quando diz que houveram “teorias da conspiração” durante o podcast. Mais esquisito ainda é colocar “incitação de violência”, sendo que nunca, em nenhum momento, incentivamos qualquer tipo de violência ou agressão, mesmo virtual.

É impossível apontar a minutagem no podcast que dê base pra uma acusação como essa da incitação de violência, de que atacamos ou fomos atrás de sua editora, porque essa “incitação” não existe. E até onde sabemos, não houve ninguém atacando o Varella em seu Twitter, por exemplo, após a publicação do Periscópio. Além do quê, até onde sabemos, ele diz que foi um dos ouvintes do Nautilus que levou o podcast até a ele para avisá-lo do que estava sendo dito, o que não parece condizente com qualquer insinuação de que o Nautilus tenha promovido algum ataque organizado a Varella.

Em outra situação, João Varella entende a crítica expressada como “jornalismo de corno” no Twitter do Henrique, e repetida por ele durante o podcast, como um ataque ao seu relacionamento pessoal.

Varella não entende “jornalismo de corno” como uma figura de linguagem, e faz questão de levar uma crítica especificamente feita ao seu jornalismo, para o pessoal.

Além disso, insinua que o Nautilus faz isso em segredo, sendo que todo o podcast, integralmente, está disponível em todas as plataformas que utilizamos (YouTube, Twitch, SoundCloud, e agregadores de podcast no geral).

Varella diz que “na hora de bater em empresa grande”, nosso tom “é bem mais suave, quase amigável”. Varella demonstra aqui seu desconhecimento do nosso trabalho. Nosso podcast recente sobre os últimos acontecimentos da Ubisoft, intitulado de ‘A Podridão da Ubisoft’ pode demonstrar melhor o nosso tom acerca disso.

E quando zomba da nossa minibio do Twitter, Varella não entende o tom jocoso em “tratando games, especificamente, com respeito e maturidade”. O “especificamente” foi adicionado por conta de críticas que foram feitas à nós pelo canal Central. Eles também criticaram o nosso tom e a nossa retórica pra desqualificar a nossa opinião em um vídeo intitulado “LACRADORES fazem NOVOS ataques contra a CENTRAL”, afirmando que fomos desrespeitosos e imaturos.

Boa parte dos palavrões citados, tirando uma imprecisão ou outra incluída por Varella, foram ditas em live, mas um deles é especialmente interessante:

Varella coloca nas notas de rodapé:

A citação original se refere à reação de partes do público à matéria dele.

34:47 Henrique: “Todos esses discursos anti-jornalistas do fascismo e da direita, que a gente tá cansado de ouvir, que a gente sabe que a direita odeia jornalista, porque jornalista tende a falar a verdade, não vou dizer que fala, mas tem uma tendência. Mas quando você vê esse tipo de matéria, e junta ela com esse tipo de discurso, você pode pensar em quantas pessoas passaram por ali por causa da visibilidade de uma merda como essa, e as pessoas olham alguém falando “jornalista é tudo uma merda, tá estragando aí o videogame”. E o cara fala “po, realmente, eu tava ali jogando meu emuladorzinho de boa, não tava fazendo mal pra ninguém, porque videogame e propriedade intelectual, foda-se, vou fazer cópia, não tô tirando dinheiro de ninguém, não vou comprar um jogo que nem é vendido mais, foda-se se um maluco lá em minas gerais tem a empresinha dele de software e tá ganhando algum dinheiro com isso, você fudeu com o meu rolê, você jornalista cuzão, fudeu com meu rolê.”

Vale notar que o Henrique nem Xbox tem, então não haveria razão para ele personalizar a reportagem, ou dizer que Varella “fudeu com seu rolê”. Mas por que Varella insiste em citar incorretamente, omitir palavras e trechos importantes e adicionar certas imprecisões? Esses xingamentos, por si só, já não seriam um caso sólido o suficiente para ser levado ao público? Mas além de apontar o tom vulgar de Henrique, Varella quer construir uma imagem dele: alguém que se sentiu individualmente lesado pela reportagem, que não consegue construir argumentos coerentes, que fala muita gíria e tem muitos cacoetes, enfim, desqualificado para a responsabilidade ética e moral do que Varella entende por jornalismo.

O Henrique é formado em jornalismo pela FAAC-UNESP, e os ataques à sua suposta falta de experiência e conhecimento sobre a forma correta, de acordo com Varella, de fazer jornalismo, é lido por nós apenas como uma tentativa de pré desqualificá-lo para o debate acerca dos temas de sua própria profissão.

Nos entendemos, mesmo que Varella questione, como jornalistas. O que parece ofensivo à Varella, é que não somos jornalistas como ele gostaria que fôssemos. Portanto, segundo ele, desconhecemos o básico do jornalismo e entendemos a profissão como mera busca por audiência, um outro grande salto lógico de Varella, que apesar de nos acusar disso, não vê problema em usar um título controverso para fisgar possíveis leitores através da polêmica, com uma comparação esdrúxula entre o Nautilus e o XMG.

O método do Henrique pode e deve ser questionado, mas pintar as ofensas à Varella como um ataque ao jornalismo, ou dizer que “o Nautilus exibe a retórica dos canais extremistas anti-jornalismo” é descabido, principalmente quando a discussão desta última citação é sobre os efeitos negativos de uma forma de fazer jornalismo, que o Henrique entende como discrepante da noção de interesse público, e aliada aos interesses do mercado.

As acusações e a retórica de Varella é uma mistura de citações precisas ao lado de citações convenientes e oportunistas. Sua tática gera confusão para transformar ofensas direcionadas ao seu trabalho, e à sua conduta como jornalista (o que inclui inferências sobre o seu caráter à partir da matéria), em um ataque à imprensa.

Notamos isso desde nossa primeira interação com ele, que será abordada em seguida, e que nos leva ao próximo ponto:

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Porque o Nautilus não se pronunciou antes?

Varella também diz no texto principal que:

Como dissemos na introdução do texto, o seu pedido pelo direito de resposta, para um debate frontal, democrático, e educado, veio através de uma notificação extrajudicial que colocaremos abaixo, dentro da linha do tempo dos acontecimentos:

11/08: https://twitter.com/herniquetxt/status/1293550644289318913

Após a publicação da matéria, o Henrique fez esse comentário no twitter. Nas respostas desse tuíte foi sua primeira interação com Varella, e a matéria foi a primeira vez que tomou conhecimento do jornalista. Alguns meses antes, o Nautilus havia recebido, por email, uma proposta da editora de Varella para envio do seu livro, mas esse email não foi respondido e Henrique não havia ligado as duas coisas até então.

Importante deixar isso claro para afastar a hipótese de que a razão pelo exaltamento do Henrique eram rixas antigas com Varella.

14/08: Na sexta-feira seguinte, o podcast foi gravado ao vivo.

22/08: O podcast foi publicado nos feeds.

29/08: Varella fez as seguintes postagens no twitter:

Não o respondemos porque assim como já dito acima, consideramos que as acusações feitas na postagem não eram proporcionais ao ocorrido, logo, não nos sentimos coagidos a dar maiores esclarecimentos.

O primeiro contato direto com João Varella veio pelo seu advogado, por email, através de uma notificação extrajudicial, em que o jornalista exigia direito de resposta para o que foi dito no podcast.

Imediatamente contratamos uma assessoria jurídica para lidar com o caso, porque entendemos a notificação de Varella como uma forma de intimidar legalmente nossa equipe. E assessorados juridicamente, fomos orientados a negociar a questão do pedido de resposta pelas mesmas vias, seguindo o processo legal pelo próprio Varella desde o início.

Após enviarmos uma contra-notificação através de nossa assessoria jurídica, pela primeira vez Varella entrou em contato diretamente com a nossa equipe, por essa DM:

Essa foi a nossa resposta.

21/09: Varella finalmente cumpriu com o que havia dito pela DM, e publicou o texto ao qual estamos respondendo agora.

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Pra quê usar esse tipo de tom em um debate sério?

Varella defende em seu texto:

Afirmar que a noticiabilidade é um critério técnico, o que implica lógica e racionalidade, demonstra bem onde o nosso ideal de jornalismo diverge do de Varella. Mas antes de tudo, é preciso notar que João Varella confunde dois conceitos próximos, mas diferentes: noticiabilidade, e valor-notícia.

Para quem tiver interesse na distinção, sugiro o curto artigo da teórica Gislaine Silva, especialista no assunto aqui no Brasil: “A Engrenagem da Noticiabilidade no Meio do Redemoinho”.

Pra nós, basta dizer que valores-notícia são critérios técnicos quando falamos da organização interna de um veículo. São as diretrizes que informam a prática jornalística de uma redação, exemplos quais o Varella cita. A noticiabilidade é um conceito mais amplo que apesar de conter os valores-notícia, para Gislaine Silva incluem também “critérios mais abstratos (critérios de noticiabilidade na visão dos fatos) que também atuam diretamente na produção da notícia, como aqueles relacionados à ética jornalística e a princípios caros ao campo.” [pg. 5, grifo nosso] Ou seja, noticiabilidade não é um critério técnico como Varella tenta induzir, e uma crítica ética e ideológica da noticiabilidade de sua reportagem é válida.

Varella sugere uma noção habermasiana de jornalismo e esfera pública, uma visão lógica e racional de mundo, onde a produção de notícia é uma mera função técnica a ser executada por um jornalista imparcial. Enquanto nós defendemos, assim como Gislaine Silva, que “podemos tratar de noticiabilidade em muitas situações, que demandam abordagens de diversas ordens, ora mais teóricas, mais práticas e operacionais, ora mais políticas, ideológicas ou outras.” [pg. 4, grifo nosso]

Nós não estamos “cagando regras”, como alguns nos acusam, sobre como fazer jornalismo. Nunca propomos uma verdade absoluta, porque nunca simplificaríamos a questão tanto quanto Varella o faz.

“Para que fazer uma reportagem sobre o emulador?” é um questionamento ético e ideológico, não técnico. Mas Varella decide que “sim, o TNavigator vale a pauta, por mais que contrarie os interesses de alguns”. Contraria os interesses de alguns, mas atende os interesses de quem, além dos do próprio jornalista? Esta, assim como nossas críticas à produção dele e nosso entendimento dos critérios de noticiabilidade, são apenas opiniões, por mais que Varella tente colocar a questão como esgotada.

Sua insistência em critérios rígidos de noticiabilidade e de policiamento de tom do debate traz algumas suposições sobre o modelo da esfera pública: que “um debate público deve ser racional, imparcial, desapaixonado, e objetivo. Isso, por sua vez, implica a indesejabilidade da emocionalidade, parcialidade, paixão, e subjetividade. Nos últimos anos, particularmente em resposta das mídias digitais e sociais, teóricos começaram a questionar a delineação rígida de normas como essa.” [tradução e grifo nossos]

Esse trecho vem deste artigo de Karin Wahl-Jorgensen, que mais recentemente publicou o livro Emotions, Media, and Politics, e descreve a “virada afetiva” dos estudos de mídia, e das humanidades como um todo na última década.

Em outra parte do artigo:

Junto com outros teóricos (e.g., Pantti, 2010; Peters, 2011), eu cheguei à perspectiva de que no meu próprio campo de estudos jornalísticos, emoção tende a ser o “elefante na sala” ou um ponto cego epistemológico.

[…]

Emoções que variam da raiva e esperança à raiva, ódio, e nojo circulam através do nosso corpo, e encontram seu caminho até nossas discussões mediadas, onde elas têm o potencial de formar a base para a articulação coletiva de queixas, em direção a mudança social e política. Tornar visível o movimento das emoções — e as maneiras em que elas estão inextricavelmente ligadas a tomada de decisões políticas racionais é uma tarefa vital e em constante evolução. Como Stephen Coleman colocou, “o que a democracia faz e como sentimos a democracia não são considerações separáveis”

[…]

A arquitetura das plataformas de mídias sociais permitem a emergência de um “fluxo de notícias afetivo” que são simultaneamente lúdicos, humorísticos, cacofônicos, colaborativos, e antagonísticos.” [tradução e grifo nossos]

Para Varella, tem que haver alguma lógica para a exaltação, para a subjetividade, para a parcialidade. É inconcebível para ele que sua matéria cause esse efeito porque o tema é importante o suficiente para alguém?

É claro que abordaríamos tudo isso de uma forma diferente depois de hoje, não por acreditar que necessariamente erramos, mas para que não sejamos usados como arma por oportunistas, que utilizam do texto do Varella para deslegitimar movimentos na rede como o que levou a ostracização do Xbox Mil Grau, embora, como já deixamos bem claro, um caso não tenha absolutamente nenhuma relação com o outro, e a comparação seja risível.

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Dito isso, vale reafirmar nossos valores como veículo jornalístico, e nosso compromisso com a independência.

Somos críticos ao jornalismo ambivalente que coloca os bons modos e a formalidade como partes inalienáveis do debate democrático, enquanto defende interesses corporativos e mercadológicos, interesses que são responsáveis e cúmplices aos ataques contra a própria democracia que julgam defender.

Acreditamos que a política é vivida e incorporada, e se o Henrique faz suas críticas de forma vulgar, isso descreve a sua ideologia e sua atuação como jornalista, sempre passível de críticas. Se a sátira e a profanidade tem lugar no jornalismo, e Henrique claramente acredita que tenha, isso é uma questão moral que cabe ser questionada e discutida. Varella também entende o valor da sátira, ou pelo menos a pratica, já que várias das suas escolhas estilísticas e de linguagem durante essa publicação também zombam do Nautilus, da sua legitimidade como veículo independente, do Henrique e outros membros, nosso trabalho, e nosso intelecto, mesmo enquanto diz que não “vai responder na mesma moeda”. E tudo bem. Talvez fosse mais honesto se respondesse, já que sua zombaria se esconde por trás de subterfúgios de linguagem, omissões e alterações das falas originais, ofensas sanitizadas para que ainda caibam dentro da moral liberal. E tudo bem. Mas não é um questionamento ético ou moral, mas sim um salto lógico comparar o Nautilus aos atores que promovem ataque de ódio pela internet, ou associar Henrique com a retórica anti-jornalismo já que o próprio é jornalista e suas críticas são feitas em favor do jornalismo, por mais que o Varella discorde da abordagem e insista que “ao falar de conceitos básicos de jornalismo, Henrique Antero admite que imagina coisas e só ouviu falar.”

Não vivemos em uma redoma de vidro, e ter dado fôlego à campanha pela ostracização do Mil Grau não nós faz arautos da ética e da moralidade como alguns querem nos colocar. Atitudes como essa reduzem uma movimentação enorme, de diversos veículos, jornalistas, e entusiastas, da qual fizemos parte, singularmente ao Nautilus e ao Ricardo Régis. Se cometemos um erro, não será o primeiro ou o último, mas faz sentido nossos erros serem utilizados para banalizar e questionar uma movimentação inteira contra um racista? Pra nós, isso é desproporcional, e ofensivo para o Ricardo, que se expôs uma vez para dar visibilidade ao caso, e é exposto novamente agora mesmo que de forma tangencial.

Novamente, repudiamos qualquer analogia e comparação feita entre o Nautilus e o Mil Grau. Mas além disso, esse texto não tem a intenção de convencer, e Varella está em seu direito de se pronunciar sobre o que sentiu, e dar sua opinião sobre os fatos. Já demonstramos que a comparação com o XMG não faz sentido, agora sobra o restante do título: foram 20 minutos de difamação? Foram 20 minutos de críticas? Um conjunto dos dois?

Não cabe a nós decidir isso, mas queremos ser transparentes sobre o nosso lado da história, porque nosso jornalismo é guiado por princípios, mas nossa prática será sempre um projeto em construção. Estamos sempre aprendendo com nossos erros, e acreditamos que o debate público, feito de forma honesta, é a única maneira pra isso.

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