“COLAPSO hospitalar está nas outras doenças, a Covid só piora este quadro”

Sistema de saúde já estava “em colapso” em Bauru há anos. O que nem toda população vê é que a Covid aumentou mais a fila

Nelson Itaberá
9 min readJun 13, 2020
O médico Sérgio Antonio assumiu a Secretaria Municipal de Saúde pouco antes da pandemia

A Covid veio para deixar ainda mais crônico o colapso do sistema de saúde em Bauru e região. A falta de oferta de vagas para internação e cirurgias eletivas (especializadas) para várias doenças já era crônica, há anos, por aqui.

Entretanto, o coronavírus chegou para aprofundar a deficiência. O governo do Estado ainda atua para ampliar vagas para internação em Covid (tanto para UTI quanto para leitos de enfermaria), mas reduz drasticamente a oferta de vagas no sistema hospitalar público para outras doenças graves, que não deixaram de existir.

A fila de espera para internações (e também cirurgias) em outras tantas especialidades ficou ainda maior com a Covid. Enquanto estamos discutindo vagas para coronavírus no Hospital Estadual, a lista de espera para internações e cirurgias urgentes mantém uma média de 3 dezenas de pacientes só em Bauru, para o Base ou HE.

Este é o ALERTA que ainda parece silencioso no meio da pandemia.

A situação só não é pior, ainda, porque o medo fez, equivocadamente, pessoas com sintomas de infarto não buscarem atendimento de urgência, em razão da Covid. Os números mostram que os atendimentos por infarto “caíram” assustadoramente em 59% entre abril e maio de 2019 e 2020 em Bauru, média que segue de forma alarmante em outras regiões.

Nesta entrevista, com o secretário Municipal de Saúde de Bauru, Sérgio Antonio, discutimos isolamento, flexibilização, atraso do pico, testagem e o alerta em torno do COLAPSO DAS VAGAS DE INTERNAÇÃO PARA OUTRAS DOENÇAS, que não são Covid.

Segue a entrevista:

CONTRAPONTO: Por que o inquérito sorológico é fundamental para a Prefeitura ter condições de avaliação matemática, geográfica e epidemiológica da Covid?

Sérgio Antonio: O mapeamento da doença junto à população é extremamente importante para o momento que nós estamos vivendo. A Universidade de Pelotas, cujo inquérito é realizado pelo Ibope, terminou a segunda fase de testes e pesquisa no dia 06 de junho, com 225 exames na fase um e mais 250 exames agora, com apenas apenas 1 positivo. Já o inquérito sorológico da Unesp de Botucatu já passou de 1.200 testes e apenas dois positivos.

CONTRAPONTO: É um dado com casos positivos muito baixos. Ou ele indica que o vírus tem circulação ainda extremamente baixa na população ou esses testes utilizados são falhos?

Sérgio Antonio: Nós comungamos da segunda posição. Os testes não trouxeram resultados de acordo com a realidade. Porque pelos números que temos dos testes em PCR RT (biologia molecular digital), que é padrão ouro, a positividade de Bauru para a Covid é muito maior que os testes que usam IGG e IGM. Apesar que os testes IGG e IGM têm sensibilidade muito pequena, então a margem de erro é bastante grande. Mas são os testes que foram enviados e nós utilizamos o lote. Agora entendemos também que com a chegada dos 15 mil exames de antígeno, os pacientes sintomáticos terão como resultado diferenciar bem que está positivo ou não na cidade de Bauru. Temos que continuar a testar. Temos agora para chegar mais 5.000 exames de IGG e IGM em outro padrão, com outro tipo de exame.

CONTRAPONTO: Os exames vão dando para a Prefeitura informações de quem está com o vírus, quantos, por amostragem científica e em quais bairros há maior avanço?

Sérgio Antonio: Exatamente. O inquérito traz informações por sexo, idade, regiões. E os resultados levam ao chamado Mapa de Calor, que identifica o “caminho” do vírus. Nós tínhamos, até aqui, a presença maior de pessoas com o vírus nas regiões do Altos, Jardim América e Europa. Agora ele já tem expansão a partir do Geisel, de um lado, e Falcão e Popular Ipiranga do outro lado. Então a ação agora é fazer os testes nessas regiões onde estão sendo apontados a presença de maior número de contaminados. Isso nos dá diretrizes mais ajustadas para promover ação naquela região.

CONTRAPONTO: Em uma audiência pública, em reunião com vereadores, em videoconferência o secretário disse: “a fase que vem é monstruosa”. Qual a abrangência desse alerta?

Sérgio Antonio: Quando eu digo que vem uma fase monstruosa é alertar que os dados epidemiológicos apontam para uma fase que a gente pode enfrentar. Quando eu digo monstruosa é para alertar sim que não estamos liberados, estamos em uma pandemia. O vírus chega ao Interior com outra lógica e graças a Deus em Bauru sua velocidade de circulação tem sido lenta. Mas se não cuidarmos, se não evitarmos aglomeração e os cuidados com higiene, a multiplicação pode acelerar muito rápido. Então a necessidade do isolamento social é por esta razão. E se nós não fizermos vai piorar o quadro e a circulação do vírus entre mais pessoas aumenta em muito a exigência por internações. Hoje temos 14 casos por dia de positivos. E isso já é bastante preocupante, porque temos uma rede de urgência e emergência totalmente ocupada. Temos a rede totalmente colapsada, tecnicamente, não ainda por Covid, neste momento, mas por infarto, AVC, atropelamento. Esses casos não deixaram de acontecer. A fila por cirurgias especializadas só aumenta. Se aumentar os casos Covid, a situação ficará muito ruim. Com a chegada de mais equipamentos (respiradores), isso se ajusta. Mas não acaba ai. Porque a circulação do vírus continua crescendo. Então vamos passar pelos mesmos dramas que outras cidades passaram. Se a população ajudar, conseguimos passar melhor. Se a população não for responsável, a rede de atendimento não dará conta.

CONTRAPONTO: O colapso do sistema está sendo, agora, no não atendimento, na espera por leitos, de outras especialidades, como já acontecia aliás na rede hospitalar pública de Bauru. A Covid está piorando esse quadro então?

Sérgio Antonio: Esse número de espera por vagas hospitalares vai mudando, mas é muito elevado. No dia 8 de junho, de manhã, a Secretaria Municipal de Saúde estava no seu relatório com 29 pacientes a espera de internação junto a Central de Vagas do Estado. E nada disso é Covid. Isso é bastante preocupante. O sistema está dando suporte para os pacientes Covid, mas a Saúde não é só Covid. Este fato da fila de internações por vagas hospitalares já vem se arrastando há muito tempo. Então a Covid veio para agravar essa situação. Notificamos a DRS-6, relatamos ao senhor prefeito, reiteramos em reunião de SIR (secretários da região). Há uma dificuldade imensa nesse sentido. Então é preciso dizer que a abertura de 40 leitos de retaguarda no Hospital das Clínicas (HC) vai melhorar para a Covid, mas continuamos com sérios problemas nas outras patologias. Por isso, nossa ação inicial era que o HC fosse um hospital de retaguarda para as outras patologias. O governo do Estado decidiu que o HC será Covid, então continuamos muito preocupados com as demais áreas descobertas. Colapso hospitalar está nas outras doenças. A Covid só piora este quadro.

CONTRAPONTO: Qual é sua avaliação para o aumento no número de UTIS no HE, que já tem equipamentos para 56 unidades neste momento?

Sérgio Antonio: É evidente que este aumento, com a chegada de respiradores, produz melhora. O percentual de uso vai cair para UTI. Mas para enfermaria continua apertado. Abrindo o HC melhora também, mas não significa resolver tudo. Nós temos que continuar pedindo para a população que se cuide, lave várias vezes a mão, que não se aglomerem mesmo com flexibilização, fiquem em casa, nós vamos ter problemas muito sérios. Pensar que com a chegada desses respiradores está resolvido é uma falsa sensação de segurança.

CONTRAPONTO: O que vocês conversam com os especialistas sobre o pico que ia ser em Bauru de 06 a 22 de abril e não veio e só nesta fase há sinais de avanço da circulação do vírus em bairros, mas ele avança de forma lenta em direção aos bairros? Ou foi o isolamento que iniciou precoce e isso retardou ainda mais o avanço?

Sérgio Antonio: É exatamente essa relação entre o isolamento ter iniciado antes, em 20 de março, e as pessoas terem colaborado mais nos 40 primeiros dias que fizeram com que a circulação do vírus demorasse mais. Estamos em uma situação melhor do que a Capital, mais tranquila, porque temos características muito diferentes de aglomeração nas cidades e o isolamento social freou. A explosão do vírus então tem uma velocidade de circulação menor. Isso ajuda a reduzir a pressão sobre internações.

CONTRAPONTO: Mas se o vírus avança, cedo ou tarde, a partir de um determinado momento ele avança sobre bairros, corredores comerciais de bairros, lugares mais adensados, até que, em um dado momento, estaremos inevitavelmente mais suscetíveis a ter contato com ele?

Sérgio Antonio: Nós estamos retardando esse avanço para que o número de pessoas que precisam de internação seja menor, em curto espaço de tempo. Quanto menor a velocidade de circulação do vírus e melhor o isolamento, melhor nossa chance de passar pela fase difícil. Se tem mais vírus circulando nessa fase é preciso alertar que o vírus vai encontrar com mais facilidade as pessoas agora, por isso a maior preocupação com higiene e distanciamento nessa fase.

CONTRAPONTO: A regra para conseguir flexibilização incluiu leitos privados na soma. E eles não atendem à maior parte da população, que não têm plano de saúde. Embora seja um entre vários indicadores da equação, o correto não é balancear leitos privados e públicos proporcionalmente pelo número de usuários dos dois segmentos? Porque no HE está lotado, mas na Unimed está tranquilo a Covid.

Sérgio Antonio: Seria mais salutar essa divisão, para dar uma situação mais específica. Mas nós somos um todo e então temos que contar com os leitos privados e públicos, mesmo porque já temos um chamamento (processo) para compra de leitos privado para atender a toda a população, se necessário. De fato, é muito maior o número de internações nos leitos públicos. O aluguel de leitos privados fica com o processo pronto, e a vaga só é acessada se o Estado não conseguir internar um paciente em toda a sua rede regional, que tem Bauru e outras cidades com hospitais. Hoje Bauru responde por 30% das internações de UTI no Hospital Estadual e a metade das internações em enfermaria. O restante é da região.

CONTRAPONTO: Surgem problemas específicos para atuar. O médico Sacomandi publicou em carta no Jornal da Cidade que atendeu vários pacientes, trabalhadores da Bracell de Lençois, com teste positivo para Covid. Alguns moram em repúblicas em Bauru e outras cidades. O que fazer?

Sérgio Antonio: Nós temos em Bauru um departamento chamado Serest, que cuida da Saúde do Trabalhador. E Lençóis pertence a Bauru. Uma equipe foi à Bracell ver isso. E também a Vigilância Epidemiológica está em contato com Agudos, Macatuba, Pederneiras, pedindo rol de pacientes internados ou que moram nessas cidades e trabalham na Bracell. Bauru estamos monitorando também.

CONTRAPONTO: Fizemos um levantamento minucioso para afirmar que o Hospital Estadual tem condições plenas de ofertar 77 leitos UTI Covid, sem contar enfermaria. Mas o HC é fundamental para a retaguarda e no Predião também tem uma ala física com mais 21 UTIs pra instalar. Ou seja, nosso problema não é de disponibilidade, é de decisão pelo Estado?

Sérgio Antonio: Sem margem de dúvida, a infraestrutura tanto para UTI quanto para leitos de enfermaria o Estado tem em Bauru. E isso tanto no Hospital Estadual quanto no Hospital de Clínicas. Esta é uma decisão do governo do Estado.

CONTRAPONTO: Embora adquiridos com boa intenção, os prefeitos da região estão com respiradores ociosos em várias cidades. Não há equipes especializadas e há risco de contaminação cruzada. Se esses pacientes vão ser destinados para internar em Bauru, não é razoável as Prefeituras destinarem respiradores para o HC e cobrar o Estado para por mais 21 UTIS no Predião?

Sérgio Antonio: Com certeza, a lógica operacional é reunir todos esses respiradores que não estão sendo usados para aumentar demanda no HC. E assim será feito se for necessário. Por uma questão de lógica operacional e de estratégia de ação. No Posto de Covid de Bauru, por exemplo, temos 8 respiradores. Mas se apertar a demanda, já estamos avaliando por respiradores para atendimento de casos leves e esses, mais potentes, serem encaminhados para hospital. Montar isso no HC é uma opção sim, se precisar. E se precisar tem de contar com o Estado. O equipamento tem. E tem também possibilidade de alugar ou até comprar respirador. Mas esperamos não ter essa necessidade.

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Nelson Itaberá

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