Design Experimental | Tramas Urbanas

O Corpo e a Cidade

Edu Ramos
7 min readAug 26, 2021
Tramas no Minhocão — Jun/Ago 2021

CONTEXTO

O experimento a ser apresentado trata da integração entre corpo e cidade. Um estudo realizado de junho a agosto de 2021 sobre as relações das pessoas e tramas criadas a partir de histórias, sentimentos e revoluções internas.
Nosso objetivo é entender quais emoções são despertadas ao integrar os espaços que estamos habitualmente acostumados a usar, mas não a sentir.

DEFINIÇÃO DO TEMA

O nosso projeto teve início a partir de uma música do grupo Nação Zumbi. Blunt of Judah é o manifesto revolucionário do grupo de Recife que espalhou a arte e música a partir das artérias dos mangues e do movimento Manguebeat.

O conceito de mudar a percepção das coisas, presente na forma do grupo expressar sua opinião sobre o tema da Cannabis, nos levou a uma reflexão etnográfica do personagem que melhor representaria essa revolução.

Blunt of Judah — Nação Zumbi

Eu tô bem na minha altura
Onde na fadiga do vento é que o veneno circula
E o remédio nem deve saber
Que acabou o descanso pra encontrar a cura
Fêmea sonhadora, seus devaneios
Me faz ver através das portas e até atravessar espelhos

Tô no caminho do Blunt of Judah
Pra ficar sonhando depois que acordar
Tô no caminho do Blunt of Judah
Pra ficar sonhando depois que acordar

Interado com fumaça ativa
Flutuando sem nenhuma esteira em plena menção sativa
Escaneando o dia
Revelando a seqüência inteira
Se ligando pelos olhos e ouvidos

Verdadeira Odisséia na cera
Sempre ativo na interzona
Janela viva e acesa via erva santa sem amônia

Tô no caminho do Blunt of Judah
Pra ficar sonhando depois que acordar
Tô no caminho do Blunt of Judah
Pra ficar sonhando depois que acordar

O vermelho e o amarelo na quentura do véu
A fumaça era grande e sumia no céu
Iluminismo no dubismo dos zumbis
A Babilônia não está tão longe pela quantidade que se consome
O paraíso dessa vez vem logo
Como um lugar sem nome

Tô no caminho do Blunt of Judah
Pra ficar sonhando depois que acordar
Tô no caminho do Blunt of Judah
Pra ficar sonhando depois que acordar

DEFINIÇÃO DO PERSONAGEM

O que move… sentimentos perante a vida

Intenso: Viver o momento com intensidade, uso de substâncias drogas como instrumento de desapego dos compromissos, futuro…

Enérgico/ revolucionário- Senso de presença social, expor, trazer relevância de uma cultura não valorizada, a importância de outros centros urbanos

Provocativos — temas polêmicos para trazer e despertar a consciência, discussões de temas importantes

Visionários — dar voz, engajamento, manifesto. Dar voz ao regionalismo, culturas locais

Rebeldia — jovem rebelde, busca de identidade

Idealista: “Eu quero uma pra viver”. Fuga do tradicional: desajustados do padrão ‘aceitável”

Cooperação — levantar a bandeira por uma causa

Professora de Yoga

Enérgico, provocativo, intenso e de certa forma, um grande idealista, nosso personagem que surgiu através da música e interpretação foi um praticante de Yoga. Grupo que se expressa através do corpo, seja sua fé ou até mesmo os próprios delírios de viver em constante contradição, esse revolucionário silencioso demonstra claramente um incômodo com a sociedade e deixa claro aspectos como querer viver melhor, ser mais saudável e causar uma revolução, ainda que na sua própria vida.

Nessa trajetória de descobertas, nos colocamos no lugar do outro, experimentamos o “estar no palco”, inverter papéis e sair da nossa própria zona de conforto para experimentar sensações que passam despercebidas.

Expandimos o nosso eu através das nossas sombras projetadas e passamos a interpretar o corpo como algo poético, uma mensagem e um convite, a nos permitir observar novas sensações e emoções.

Fomos de momentos relaxantes onde os sinais eram leves a momentos de tensão, onde cada movimento traduzia algo inesperado. E a partir desse contexto, chegamos aos fios de alta tensão.

Observar a cidade nos trouxe desconfortos e nos fez enxergar também oportunidades. Da tensão causada ao ter que desviar de emaranhados de fios soltos, a conexões que se perdem por nos acostumarmos com o que não deveria.

TRAJETÓRIA E IMERSÃO

INSPIRAÇÃO

PROCESSO CRIATIVO

São Paulo tem várias histórias para nos contar, rica em diversidade, pessoas de diferentes tradições, crenças, esperanças. Cada canto nos mostra suas riquezas e suas tensões.

Para o experimento escolhemos o Parque Minhocão, uma grande artéria que liga o lado Oeste com o Leste da cidade. Um local que pulsa e vibra a energia da capital, um palco de artes a céu aberto e cheio de contrastes .

Considerado uma grande passarela de concreto, o local além de refletir muita luz, reflete também a falta dela. Existe espaço para que as pessoas se expressem, seja pelo cabelo, esporte, por se reconhecerem nas artes espalhadas pelos prédios que estão em volta.

Experimento feito em julho/2021

Convidamos pessoas que estavam próximas a usarem fitas coloridas para se expressarem. A ideia era entender quais emoções, tensões e sentimentos poderiam ser despertados quando as pessoas se conectavam com suas histórias, com seu próprio eu.

Aurora

Aurora

E foi assim que conhecemos a pequena Aurora.
5 fitas, 5 cores, 5 formas de brincar. Foi de casa à teia de aranha, de enfeite da bicicleta à cama. Foi de diversão a referências, suas experiências contadas de forma lúdica, sem perder o encanto e espontaneidade, e a liberdade de expressar sem medos.

Airan

Airan

Airan foi nosso segundo “convidado”.

Azul e branco, as cores da sua escola de samba do coração ganharam vida. Era a sua essência em forma de enredo, seu coração seguindo as batidas da escola que deu voz a seu saudosismo. A cidade que o acolheu ganhou um pouco da cidade que nasceu. Airan “se despiu” e nos revelou suas lembranças.

Entre desequilíbrios e desconexões fomos a outro lugar da cidade tentar capturar novas percepções.

Pessoas sentadas descansando nas escadas do hipódromo do Parque da Aguá Branca
Parque da Água Branca

Frio, monocromático, um local onde o tempo parece correr mais lento, vimos galinhas ciscando, senhores sentados observando o tempo e o trem cheio de crianças passar.

Histórias distintas nos foram apresentadas. O Parque da Água Branca era quase que a expressão da não expressão, o estar alheio à presença, o presente.

Ao observar uma movimentação diferente do que estavam acostumados, questionaram o motivo, mas a interação foi apenas pela curiosidade.

E com a máscara protegendo e com uma voz sussurrada, que Dona Therezinha contou sobre sua infância e as fitas que usava. A interação foi pela intenção, pelo olhar, pelas memórias que foram resgatadas. Pelo convite a participar do baile da saudade no mês que vem, se Deus quiser, quando vamos voltar a viver…

Contrastes

Enquanto no Minhocão tivemos pessoas abertas a experimentarem algo novo, vibrando em um ritmo alucinante, no Parque da Água Branca, a falta de expressão falou mais alto.

Fantasias
Delírios
Expressões Silenciosas
As pessoas e seus Desajustes

Fomos de arte, cores e vida a extremos opostos nos lugares que visitamos.

Quantos contrastes cabem em uma cidade? Quanto contrastes cabem em nós?

Parque da Água Branca — São Paulo

As pessoas refletiram a vibração do lugar, o que ele comunicava.

Corpos expressando a arte, expandindo os limites; a fusão entre a corpo e a cidade, a cidade e o corpo.

Enfim, a cidade mostrou seus diversos contrastes. E experimentamos detalhes até então nunca observados.

E como foi expressar as tramas urbanas no mundo digital?

Levamos esse mesmo experimento para o TIKTOK, rede que hoje é uma das redes mais mais utilizadas por jovens.

Criamos um vídeo com a fita colorida e convidamos as pessoas a compartilharem conosco sua própria trama.

Apesar dos likes e bom número de visualizações as reações foram por meio da estética e tivemos uma interação superficial.

Ainda que provocativo e usando a linguagem atrevida da rede social, não conseguimos engajar o público.

CONCLUSÕES

Ao longo do processo experimentamos uma construção em parceria. Presencialmente, ainda que em dias de pandemia, vivenciamos empatia, boa vontade e entrega. Os corpos nos contaram histórias, assim como a própria cidade.

Reforçamos a ideia de que pessoas se conectam com pessoas e o que causamos de emoções não poderiam ser medidos (não aos nossos olhos), por meio das redes sociais.

Buscamos por verdade e encontramos as tramas. Através das fitas experimentamos a profundidade das relações humanas e foi através delas que também nos colocamos na posição de espectador e ator.

O lixo, cheio de fitas coloridas, foi o fim do nosso ciclo e a reflexão de que cabem diversos contrastes em nós, na cidade que habitamos, nos momentos que vivemos, nos sentimentos que expandimos.

IED 2020.2 - Marcelo Cruzato | Edu Ramos | Morgana Rocha

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