Imperícia, má-fé ou desespero?

André Silva
3 min readMar 22, 2019

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Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Qual foi a última vez que você viu uma vítima de crime conduzindo investigações policiais? Faz algum sentido a mesma pessoa que se diz vítima de um crime investigar ela mesma as circunstâncias da transgressão? O presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli acha que sim. Graças à portaria que emitiu na sexta-feira, dia 15, o Supremo instaurou um inquérito para apurar crimes em que membros dele mesmo são supostas vítimas.

Para que serve um inquérito policial? Para averiguar se um crime existe e quem pode tê-lo cometido. Se há notícia de um crime, a vítima entrega à polícia a responsabilidade de investigá-lo e apontar suspeitos. A polícia é parte não interessada na verificação da veracidade dos fatos: investiga, faz o relatório e manda-o para o promotor, que decide se propõe a ação penal ao juiz.

A via correta seria reportar crimes ao Ministério Público Federal, que pediria à Polícia Federal instauração de inquérito. Ao emitir a portaria, Toffoli coloca o Supremo como vítima, polícia e, eventualmente, juiz.

A fundamentação para a medida dá mais importância ao texto do regimento interno da Corte do que ao texto da Constituição, que separa os papeis de atuação do STF, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Assim, o STF puxa indevidamente para si as funções desses dois outros órgãos. Além do mais, o inquérito previsto no regimento é tipicamente aplicado em questões internas do Tribunal, e não a desmoralizações e ameaças pessoais aos ministros fora da Corte.

Como o Supremo é a mais alta instância decisória na Justiça, a coisa fica por isso mesmo. No entanto, um membro da própria Corte, o ministro Marco Aurélio Mello, já declarou publicamente entender a adoção da medida como confusão de papeis. Membros do Ministério Público criticaram a providência do presidente do STF e apontaram problemas sérios, como sequer especificar os atos e autores a serem investigados.

O ministro Alexandre de Moraes, o responsável designado por Toffoli para conduzir a investigação, defendeu a interpretação criativa da medida administrativa pelo Supremo e garantiu aos críticos o “direito de espernear”. Ou seja: vamos defender a altivez do Tribunal com uma medida ilegítima.

Inacreditavelmente, a portaria foi elogiada pelas associações de classe Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Chega a ser acintoso.

Duelo institucional

Na semana passada, Gilmar Mendes resolveu enfiar no meio do voto uma reprimenda informal a membros do Ministério Público. Acusou-os de querer criar um fundo eleitoral com dinheiro do acordo judicial firmado pelo Ministério Público com a Petrobras e comparou-os a gângsteres.

Do outro lado, membros do MP emitem declarações em que confundem o papel de funcionário público com pitacos pessoais e atuam de modo atrapalhado. Chegou ao ponto de a própria Procuradora Geral da República pedir cancelamento do acordo firmado entre o MP e a Petrobras.

Para marcar novamente posição, Dias Toffoli afirmou agora na terça-feira, dia 19, numa palestra em Belo Horizonte que “não é ação de heróis que resolve os problemas da sociedade, é ação das instituições” e que sempre diz que “nós passamos, as instituições ficam”. Foi num seminário da Ajufe.

E assim seguimos numa guerrinha institucional e de egos em que todos saem perdendo — especialmente as instituições e o povo, que paga a conta. É mesmo o caso de espernear.

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