“lésbicas sofrem mais que bissexuais”: pra que competir?

Nick Nagari
4 min readJan 10, 2017

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(Texto originalmente publicado no Facebook, dia 05/01/17).

(perceberam, né? a sexualidade dela é alvo de opressão o tempo todo, a minha não.)

Esse tipo de tweet é bem frequente e só reflete a forma como as pessoas enxergam a bissexualidade. Eu só os faço a pergunta: QUEM DISSE? Tem algum dado que comprova isso? Hmmm, não. A pessoa provavelmente tirou do Instituto Data Foda-se ou do Instituto Minha Mana Me Disse como vários casos que eu tenho visto por aí.
Muitas pessoas falam que nós bissexuais só sofremos opressão quando estamos nos relacionando com alguém do mesmo gênero.

esse tipo de premissa é muito comum e é sempre utilizada pra deslegitimar a militância bissexual.

Esse raciocínio é o que é utilizado pelo senso comum¹, e é aceito sem pensar duas vezes, esquecendo que o princípio da militância é justamente contrariar esse mesmo senso comum. Aliás, outro princípio da militância é dar voz aos oprimidos. Então assim, querer falar de bissexuais sem ouvir a própria militância bissexual… complicado, né?
Como bem diz uns tweets do Júlio Ferro, pessoas LGBTs sofrem, em geral, quando estão sozinhas. Em casa, na reunião de família, na escola, no trabalho… sofrem por causa da sua orientação sexual e/ou da expressão de gênero que elas possuem. Cabe lembrar que bissexuais não necessariamente se encaixam no padrão heteronormativo, então não são tratados como héteros²; portanto, também sofrem nas ruas, mesmo sozinhos. Logo, nada disso precisa necessariamente estar atrelado a um relacionamento com alguém do mesmo gênero.

Ao que parece a bonita entende isso, já que disse que ela é alvo de lesbofobia a todo tempo, então fica a pergunta: por que lésbicas solteiras sofrem e bis não? Por que a sexualidade dela é alvo de opressão só por existir e a minha depende de algumas condições?
Aliás, digo mais: LGBTs sofrem desde crianças, quando percebem que fogem da norma, que não são héteros como a sociedade diz que é o certo — e pessoas bis fogem da norma tanto quanto vocês, ok? E sofrem do mesmo jeito. Diferente do que vocês pensam, NÃO fugimos 50%, porque somos “metade hetero/metade homo”; fugimos COMPLETAMENTE, porque nossa sexualidade é inteira, independente e desvia totalmente da heterossexualidade, assim como a de gays e lésbicas. A sociedade não aceita mulheres bis; a sociedade só aceita gente CIS HÉTERO.
Então assim, pra que isso? Não vejo porque ficar competindo pra ver “quem sofre mais” (até porque essa análise ficaria muito rasa se não colocássemos recortes de raça e classe, por exemplo). A gente pode muito bem saber que somos oprimidos de formas diferentes, que não se comparam.
Eu falo tanto em bifobia justamente por isso. Vocês têm que entender que:

  • nós somos tão LGBTs quanto vocês, não existe isso de “metade hetero/metade homo”;
  • nós estamos aqui, existimos, e vamos protagonizar um movimento que também nos diz respeito;
  • isso é sobre a NOSSA sexualidade, não é VOCÊ quem decide o que sofremos, e sim nós. A gente PRECISA ter voz.

Não dá mais pro movimento LGBT ignorar os efeitos da bifobia em pessoas bis. Ela tá acabando com a nossa saúde mental e tá tirando vidas, enquanto vocês tão aí achando que vale mais a pena zombar da nossa cara, obrigar pessoas bis a saírem do armário e minimizar — ou até aumentar — o problema. A gente não vai mais aceitar isso. Chega.

1. senso comum, nesse contexto, se refere aos pensamentos que a maioria da população possui e não se questiona sobre; geralmente são princípios preconceituosos, que são impostos para nós desde pequenos. exemplo: “homem não pode usar roupas ‘femininas’”, “homem de verdade não pode chorar”, “mulher precisa de homem senão não é feliz”, “homem sempre trai, é instinto”.

2. Deixo aqui essa citação de uma matéria ótima sobre bissexualidade:

“Góis conta sobre um caso em que sofreu agressão, quando caminhava de mãos dadas com uma moça — também bissexual — e eles receberam olhares de repúdio acompanhados de gritos de “olha o viado e a sapatão!”. Ele alerta: “Meus relacionamentos com mulheres não são considerados reais. A minha expressão de gênero, ou mesmo o fato de as pessoas já saberem de antemão que sou bissexual, pesa mais do que isso. Claro, isso é a minha experiência individual. Mas o ‘privilégio’ aí está em ser confundido com heterossexual, não em ser bissexual; e ser confundido com heterossexual não é exclusividade das pessoas bissexuais. Existe gente homo que passa como hétero e muita gente bi que passa como ‘viado’ e ‘sapatão’ na rua”.

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Nick Nagari

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