Uma introdução sobre: GameFlow, EGameFlow e PENS — Modelos de avaliação sobre a satisfação do jogador

Nickie Maxine
8 min readApr 11, 2024

Se eu pudesse citar qual o maior desafio que uma pessoa profissional em design de games pode ter, diria que é alcançar o ponto estopim da diversão na experiência que está criando. Em algumas línguas como inglês e coreano, a palavra diversão descreve o estado próprio de divertir-se, mas também o de estar entretido ou interessado. Quando olhamos para o universo do jogos , muito se tem associado também o conceito de diversão com o estado de imersão. Segundo Murray (2000), a sensação de estarmos cercados completamente por outra realidade nos coloca em um estado de imersão que toma toda nossa atenção, todo o nosso interesse e nos entretêm plenamente (mas vou deixar me aprofundar sobre “imersão” em um próximo artigo).

Dentre os momentos de devaneios, construção de processos, direcionamentos, ideações, playtestes… o tempo inteiro somos movidos pelo propósito de criar uma experiência divertida na qual nosso jogador se sinta confortável em jogar e experimentar de forma positiva repetidas vezes o nosso produto, independentemente do seu contexto de uso. Mas o que seria conseguir alcançar uma experiência divertida? Como conseguimos metrificar diversão? Isso é possível se tratando de experiências que foram criadas para fins educacionais ou sérias? Podemos sim avaliar, metrificar e validar a satisfação do jogador e usuário, e podemos sim encontrar diversão em jogos com finalidade educativa.

Porém, você vai perceber durante a leitura desses artigos que a cereja do bolo desse estudo, envolve o uso dessas metodologias e instrumentos que oferecem o suporte para tais avaliações e validações, também podem se estender para aplicações que não se caracterizam necessariamente como “jogos”, mas aquelas que tem minimamente um adicional de experiência lúdica durante o seu uso.

Ok! Diversão, escalas, metodologias, métricas… AAAAAAA… MUITA INFORMAÇÃO!!
Calma pequeno padawan, vamos por partes, respira fundo, pega um cafezinho, procure um lugar confortável… vamos tentar saborear a leitura com tranquilidade, essa ainda é a primeira parte de três artigos que apesar de resumidos vão ficar enormes. 😆

Vamos lá!

Um dos meios mais importantes de alcançar engajamento em jogos (principalmente se tratando daqueles cujo o propósito vai além do entretenimento) é entender como avaliar a satisfação do jogador a partir de sua experiência (ressaltando o que falamos lá em cima). Essa preocupação diferente do que se pode se imaginar, pode acontecer desde o início da concepção do projeto, ainda na fase de construção do “game core loop” (clique aqui para obter um breve resumo sobre o core loop).

Vários estudos empíricos foram realizados nos últimos anos sobre a eficácia e os benefícios dos jogos digitais na aprendizagem, treinamentos, e na capacitação das mais diversas áreas (Wouters, 2017). Em sua grande maioria, esses estudos tratam esses “ambientes de aprendizado" como jogos sérios (serious games).

Mas o que realmente define um jogo sério (Serious Games)?

Um “jogo sério” (Serious Games) é algo desenvolvido para entreter e atingir pelo menos um objetivo adicional, por exemplo, ensino aprendizagem ou saúde (Dorner et al. 2016).

É nesse mesmo contexto que Machado (2016), compreende esse “objetivo adicional" como um propósito que deve existir além do entretenimento, como por exemplo motivar e auxiliar o aprendizado no processo educativo. É muito importante compreender que mensurar a experiência do jogador é um aspecto bastante relevante tanto no meio científico quanto no comercial, pois é por meio dos resultados dos dados e indicadores obtidos, que podemos descrever e apresentar os pontos positivos e negativos das interações projetadas durante a jogabilidade e nas métricas pós execução do jogo, orientando e facilitando processos de design e redesign, e assim, favorecer o planejamento para alcançar a experiência desejada no produto final.

Considerando os apectos colocados quanto a importância de se mensurar experiência e satisfação do jogador, resolvi trazer neste artigo um resumo sobre estudos desenvolvidos a partir de alguns modelos muito importantes para avaliação de satisfação em jogos digitais, são eles: Game Flow, EGameFlow e PENS.

Modelo 1 — GameFlow

O modelo GameFlow é derivado e obtido a partir dos elementos mapeados nos estudos de Csikszentmihalyi (1999) sobre a teoria do Flow e da síntese de aplicação deste conceito na área de jogos existentes na literatura (Sweetser e Wyeth, 2005). O GameFlow tem a premissa de avaliar jogos no aspecto da “diversão, contentamento e prazer em jogar um jogo (Sweetzer & Wyet, 2005)”, no entanto, para que a diversão aconteça é necessário que cada elemento do game flow esteja presente e que tenha interação com um ou mais de outros elementos.

Sobre os elementos do GameFlow, são 8:

Concentração
Os jogos exigem concentração e o jogador deve se concentrar no jogo.

Desafio
Os jogos devem fornecer desafios que correspondam as habilidades do jogador.

Habilidades do jogador
Os jogos devem desenvolver suas habilidades do jogador enquanto joga.

Controle
Os jogos devem fornecer aos jogadores a sensação de controle sobre suas ações.

Objetivos Claros
Os objetivos do jogo devem ser compreendidos de clara e objetiva.

Feedback
Os jogadores devem receber feedback apropriado e no tempo apropriado.

Interação Social
Devem tanto apoiar quanto criar oportunidades de interação social para os jogadores.

Imersão
Os jogos devem fornecer aos jogadores a experiência de profundo envolvimento com o jogo, mas sem esforço no jogo.

Apesar do modelo ser utilizado principalmente para avaliação e validação de jogos, nada impede de ser utilizado como heurísticas para o game design do projeto Tsuda et al. (2014) e Sweetser et al. (2017), principalmente quando se trata de entender quais os aspectos positivos e negativos do jogo sob a perspectiva do jogador. Além disso, os resultados obtidos pela avaliação do GameFlow pode fornecer um indicativo de quais aspectos poderão ser otimizados para motivar e manter o jogador interessado.

Entendendo a premissa do GameFlow e o conceito da teoria do Flow, chegamos a conclusão que para jogos com “propósitos educacionais”, existe a necessidade não só apenas da mensuração de aspectos focados no divertimento, mas o conhecimento adiquirido a partir da experiência do jogador ao longo do jogo. A partir desssa perspectiva, Fu et al. (2009) desenvolveram um novo modelo e instrumento chamado de “EGameFlow", onde o mesmo é baseado no GameFlow de Tsuda et al. (2014) e Sweetser et al. (2017), que fornece resultados sobre a satisfação do jogador, mas, com o acréscimo que contempla o propósito educacional.

Modelo 2 — EGameFlow

O modelo do EGameFlow (Fu et al., 2009) é derivado e obtido a partir do GameFlow, e possui uma escala com 8 dimensões, sendo seus elementos:

Concentração — Composta por 8 itens.
Analisa se o jogo fornece atividades que incentivam a concentração do jogador.

Clareza dos Objetivos — Composta por 5 itens.
Avalia se o jogo apresenta claramente os seus objetivos (primários e secundários) no início do jogo.

Feedback — Composta por 6 itens.
Avalia se o jogo fornece informações referentes ao progresso do jogador.

Desafios — Composta por 10 itens.
Avalia se os desafios do jogo estão em equilibrio com o nível de habilidades do jogador.

Autonomia — Composta por 9 itens.
Analisa a iniciativa do jogador, bem como o controle total sobre suas escolhas no jogo

Imersão — Composta por 7 itens.
Verifica o estado de imersão do jogador no jogo, neste caso o quanto potencializa a imersão do jogador.

Interação Social — Composta por 6 itens.
Analisa se as tarefas do jogo oferecem oportunidades para os jogadores interagirem socialmente.

Melhoria do Conhecimento — Composta por 5 itens.
Verifica se o jogo aumenta o nível de conhecimento e habilidades do jogador, ao mesmo tempo que cumpre com o conteúdo educacional estabelecido.

Assim como o GameFlow, o EGameFlow pode ser utilizado como heurísticas para o game design do projeto, principalmente quando se trata de entender quais os aspectos positivos e negativos do jogo sob a perspectiva do jogador. Além disso, os resultados obtidos pela avaliação do EGameFlow também poderão fornecer indicativos sobre quais aspectos poderão ser otimizados para motivar e manter o jogador interessado.

Modelo 3 — PENS (Player Experience of Need Satisfaction)

Alguns estudos apontam que a motivação em praticar alguma tarefa pode ser explicada por 3 necessidades psicológicas intrínsecas: competência, autonomia e relacionamento. Essas necessidades compreendem a essência do modelo PENS, sendo que cada uma delas podem se comportar de maneira diferente quando inserido no contexto de um jogo, principalmente em relação a um ou mais dos 3 aspectos do jogo: Mecânica, Narrativa e Jogabilidade.

No PENS a escala de satisfação é organizada em 5 dimensões e pode ser compreendida da seguinte forma (Rigby & Ryan, 2007):

Competência
Tem como objetivo encontrar um equilíbrio adequado entre os desafios do jogo e o nívelde competência dos jogadores. Expressa a satisfação do jogador em conquistar os desafios e de se sentir capaz perante o jogo.

Autonomia
Experiência dos jogadores em se sentirem livres para tomar decisões e escolhas no jogo. Neste sentido, Birk e Mandryk (2013) acreditam que os jogos que oferecem diversas opções dentro do jogo dão aos jogadores a oportunidade de experimentar autonomia através da tomada de decisão. Quando as atividades são feitas por interesse ou valor pessoal, a autonomia percebida é alta (Ryan & Deci, 2000).

Relacionamento
Quantos os jogadores estão se sentindo conectados a outros jogadores no jogo. Para Birk e Mandryko (2013), os jogos sociais como FarmVille e jogos de modalidade MMORPG (Massive Multiplayer Online Role Playing Game, por exemplo, World of Warcraft) fazem um largo uso deste conceito. Nesse contexto, Rigby e Ryan (2007) reforçam ainda que, jogos que apresentam características multiplayer favorecem as experiências de relacionamento mais reais nos seus mais variados graus e podem contribuir significativamente para a motivação e a satisfação do jogador.

Presença
Quanto o jogador se sente presente e imerso no mundo do jogo. A presença é subdividida em três subdimensões: Presença física, emocional e narrativa.
De acordo com Ryan e Deci (2000) a presença física, fornece ao jogador a sensação de estar realmente no mundo virtual do jogo; presença emocional permite ao jogador a sensação que os eventos do jogo têm um peso emocional real; a presença narrativa representa um investimento pessoal e engajamento com a história do jogo.

Controles intuitivos
Grau em que os controles do jogo são intuitivos, ou seja, se eles fazem sentido no jogo, se são dominados e não interferem na sensação de estar no jogo (senso de presença)(Ryan et al., 2006; Rigby & Ryan, 2007). Para Ryan et al. (2006) os controles intuitivos podem potencializar o senso de competência do jogador, pois os mesmos podem contribuir para a motivação do jogo em função de estarem associados a uma maior sensação de liberdade e controle.

O modelo PENS pode ser utilizado tanto no planejamento quanto no desenvolvimento de projetos de jogos. Itens que podemos verificar com o modelo:

  1. Pode servir como heurísticas para inspirar o time de desenvolvimento durante o processo de desenvolvimento;
  2. Pode fornecer uma compreensão das necessidades motivacionais dos jogadores e consequentemente auxiliar nas escolhas específicas para o design do jogo;
  3. Fornece uma metodologia que mensura a satisfação dos jogadores independentemente da abordagem tecnológica, haja vista a constante evolução dessas tecnologias (consoles, plataformas, gráficos…)
  4. Fornece uma nova visão para avaliar a experiência do jogador não apenas pelo fator diversão, mas em termos de sua satisfação genuína e do seu bem-estar (conforto/ergonomia)

O modelo PENS é uma teoria que sólida que contribui fortemente em uma maior compreensão sobre o que fundamentalmente traz satisfação ao jogadores, além de trazer uma metodologia para mensurar essa satisfação (Ryan et al., 2006; Rigby & Ryan, 2007).

Esse artigo é a parte 1/3 da base do estudo e trabalho que está resultando na construção de um novo modelo de avaliação, mensuração e validação da qualidade (QA) de experiência em aplicações sérias de alta tecnologia, considerando elementos encontrados em instrumentos e metodologias utilizadas na criação e design de jogos, onde sua finalidade consiste em validar a satisfação do usuário, independente do contexto e tecnologia para qual o produto está sendo desenvolvido e utilizado (gosto de chamar de: “Modelo MAXine ou Escala MAXi”).

No próximo artigo (2/3) nós vamos falar sobre: GameFlow,EGameFlow, PENS:

  • Escalas e valores;
  • Motivação Intrínseca;
  • Teoria da Autodeterminação.

Se você chegou até aqui, te agradeço pela interesse e espero que o compartilhamento desse estudo te ajude no seu desenvolvimento como designer de jogos. 📚 🤓

Comentários e feedbacks são bem vindos e compartilhamentos mais ainda. Ou se preferir, pode entrar em contato comigo pelo e-mail nickie.maxx@gmail.com

Referências

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Nickie Maxine
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Written by Nickie Maxine

Game Designer and Creative Direction | Samsung R&D

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