Impeachments nos Estados Unidos

Donald Trump é apenas o quarto presidente da História do país a passar por um processo de Impeachment

Nicole Roth
10 min readDec 14, 2019
Segue o impeachment de Trump nos EUA. E o Brexit do Reino Unido, ao que tudo indica.

O processo de Impeachment de Donald Trump está andando em ritmo acelerado, como os democratas planejavam. Nesta semana, o Comitê Judiciário da Câmara dos Estados Unidos aprovou dois artigos de Impeachment, que são as acusações contra o presidente. Os artigos são abuso de poder e obstrução de justiça. A expectativa é de que a Câmara tenha sua votação dos artigos na próxima semana.

A partir daí, a votação vai para o Senado, em que o partido de Trump, o Republicano tem maioria. Lá, a votação deve ocorrer em janeiro. Caso o Impeachment seja aprovado na Câmara, mas não no Senado, Trump continua no cargo. Ele é acusado de abuso de poder após uma denúncia sobre um telefonema com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em que ele pede que Zelensky investigue Joe Biden (que lidera as pesquisas de intenção de voto democratas) e seu filho, Hunter Biden, em troca de ajuda militar à Ucrânia — uma ajuda que já havia sido aprovada pelo governo.

Com isso, impeachment é o tema da vez. Assim, o post desta semana é sobre os casos em que presidentes estadunidenses sofreram (ou chegaram perto de sofrer) um processo de afastamento. Boa parte do material referenciado nesse post é do Miller Center, da Universidade da Virgínia, que é dedicado ao estudo e registro dos presidentes dos Estados Unidos e tem uma seção inteira dedicada aos impeachments de seus chefes executivos. Vale a leitura.

Andrew Johnson

No longínquo ano de 1868, meros 81 anos após a elaboração da Constituição norte-americana — onde constam os artigos de impeachment — o presidente Andrew Johnson se tornou o primeiro a passar por esse processo. Foi neste ano que a Câmara de Representantes votou a favor do seu afastamento — porém, ele não foi removido do cargo, já que a votação no Senado terminou sem a maioria dos votos necessários para isso. Aliás, uma votação muito apertada: 35 a 19 pela condenação do presidente, porém era necessário um mínimo de 36 votos para a condenação.

Andrew Johnson é uma figura no mínimo controversa da História dos Estados Unidos. Foi o vice democrata para o republicano Abraham Lincoln e assumiu a presidência após o assassinato de um dos comandantes mais famosos da nação norte-americana. Por muito tempo, ele nem era lembrado — mas o caso de Impeachment recente reacendeu o interesse do público. Assim como Trump, aliás, ele causava agitação racial e tinha um certo desdém pelo Congresso. Ele foi alvo de um processo de Impeachment por desobedecer uma lei federal que estipulava que, para que um servidor fosse removido de seu cargo, era necessária uma aprovação do Senado. Em 21 de fevereiro de 1868, ele pediu a remoção de Edwin Stanton, então o Secretário de Guerra, de seu cargo — sem que os senadores dessem sua opinião sobre o caso, claro.

Foi o primeiro e o mais rápido caso de Impeachment: o presidente desobedeceu a lei em 21 de fevereiro e a votação do Congresso, que o condenou, ocorreu em 24 de fevereiro. O julgamento de Impeachment começou em março e levou 11 semanas para que o Senado chegasse à votação final. Sem a maioria necessária, Johnson terminou seu mandato. Até lá, porém, ele se tornou tão impopular que o partido resolveu não indicá-lo para a reeleição em 1868.

Contexto é tudo: Andrew Johnson assumiu a presidência em período turbulento da história norte-americana, não só por ter substituído um presidente assassinado. Ele foi presidente no início da Reconstrução, período imediatamente após a Guerra Civil entre o Norte e o Sul. Na época, o Congresso era a favor de que os negros, recém liberados da Escravidão, deveriam ter direitos civis como o voto. O presidente Johnson era contra, pois acreditava que os negros não eram capazes de se governar. Por muitos, ele é visto como um racista que jogou fora os planos de Lincoln para a Reconstrução e buscava reverter o resultado da Guerra da Secessão, pois defendia os direitos individuais dos estados do Sul. Johnson também era conhecido por seus arroubos autoritários — há registros dele pedindo o enforcamento de seus rivais — e por isso recebeu o apelido de “King Andy”.

Os registros do Impeachment de Andrew Johnson podem ser encontrados aqui. O seu legado para o desfecho da Guerra Civil, a Era da Reconstrução e o comportamento pouco presidenciável — que, embora mal visto, não era considerado uma ofensa passível de Impeachment — são discutidos neste artigo.

Richard Nixon

Tudo começa com a invasão ao Complexo Watergate — o prédio que deu nome ao escândalo que custou a Richard Nixon, de uma forma ou de outra, a presidência dos Estados Unidos. Cinco pessoas foram detidas em uma tentativa de instalar escutas no escritório do Partido Democrata, que ficava no prédio. Na época, Nixon, o candidato republicano, disputava a reeleição, contra o candidato democrata, George McGovern. Assim que as pessoas foram detidas, repórteres do Washington Post, entre eles Carl Bernstein e Bob Woodward, ligaram um dos envolvidos, James McCord, à campanha de reeleição de Nixon.

O Caso Watergate foi longo. Durante meses, Woodward e Bernstein publicaram matérias que ligavam a campanha de Nixon ao assalto ao Watergate, com a ajuda de Mark Felt, membro do FBI que, na época, informava os repórteres sobre o envolvimento de Nixon e a investigação do caso, sob o codinome “Garganta Profunda”. A princípio, as publicações do Washington Post tiveram pouco efeito: Nixon ganhou facilmente a eleição. A história da investigação dos jornalistas e do caso pode ser conferida no filme “Todos os Homens do Presidente”.

Após ser informado de que membros do gabinete de Nixon recebiam atualizações da investigação que o FBI realizava sobre o assalto no edifício Watergate, o Senado norte-americano começou sua própria investigação. Com a formação do comitê de investigação, o presidente fez um pronunciamento ao vivo, no qual negou qualquer conhecimento sobre o caso. Foi assim que as testemunhas começaram a falar com os senadores, um procurador especial — como um Robert S. Mueller III da época — , Archibald Cox, foi indicado, e, por fim, a existência das fitas, em que diversas conversas de Nixon estavam gravadas, foi revelada ao comitê.

Após uma tentativa frustrada de demitir Cox, se recusar a entregar as fitas, ver vários membros de seus gabinete serem indiciados e receber uma intimação pelas gravações, a Casa Branca de Nixon liberou transcrições das gravações, que na verdade não ajudavam muito a defesa do presidente. Em julho de 1974, o Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes aprovou o primeiro artigo de Impeachment contra Nixon, por obstrução de justiça — seriam, ao final, três artigos, com a inclusão de abuso de poder e desacato ao Congresso (justamente por se recusar a atender às intimações e entregar os registros solicitados). Em 8 de agosto, após perceber que havia perdido o apoio no Congresso e que certamente seria condenado, caso o impeachment fosse votado, Richard Nixon renunciou.

Contexto é tudo: Richard Nixon sempre foi conhecido por ser o tipo de político que não poupava esforços em uma briga política — foi assim que ganhou o apelido “Tricky Dick”. Outra característica, porém, é a que muitos consideram ter sido sua ruína: sua paranoia e insistência de que suas conquistas não eram reconhecidas pelos rivais. É em parte essa “mania de perseguição” que faz com que o sistema de gravação seja instalado na Casa Branca. E são essas gravações, incluindo a que ficou conhecida como a smoking gun, que revelam a extensão dessa paranoia, e como ele usava o aparelhamento do Estado contra aqueles que ele enxergava como seus rivais.

Bill Clinton

Assim como Richard Nixon, o processo de impeachment de Bill Clinton se deu quando o presidente já estava em seu segundo mandato. Apesar de que a lembrança coletiva sobre o impeachment de Clinton seja de Monica Lewinsky e seu vestido azul, tudo começou com uma investigação independente do caso Whitewater, sobre as negociações financeiras do presidente em seu estado natal, o Arkansas. Kenneth Starr, conselheiro independente que na época liderava a investigação, não estava chegando a lugar nenhum com suas apurações — pois não conseguia testemunhas para o caso — , até ser contatado por Linda Tripp, uma das funcionárias da Casa Branca, que lhe contou sobre o caso do presidente com Lewinsky, na época uma estagiária na sede do poder executivo norte-americano.

A notícia chegou a público em janeiro de 1998, que era ano eleitoral — das chamadas midterm elections, que elegem políticos para a Câmara dos Representantes e para o Senado. Acreditando que Lewinsky mentia para proteger Bill Clinton, Starr incluiu o comportamento sexual do presidente na investigação (vale lembrar que já haviam algumas alegações de abuso ou comportamento sexual inapropriado contra Clinton, até anteriores ao seu período na Casa Branca). O testemunho sob juramento do presidente, em que ele negou qualquer relação com Lewinsky, acabou sendo a base do impeachment — as acusações formais contra Clinton foram perjúrio e obstrução de justiça. Starr acreditava que ele instruía funcionários da Casa Branca a mentir e acobertar evidências de seu caso com Lewinsky.

Clinton sofreu o impeachment na Casa dos Representantes, que na época tinha maioria republicana, mas foi inocentado no Senado — que tinha maioria democrata. Ele continuou no cargo, até o fim do seu mandato.

Contexto é tudo: Assim, seu impeachment ficou conhecido mais por ser sobre um caso extraconjugal do presidente do que sobre um escândalo financeiro que até hoje é difícil de ser explicado. As midterms mostraram que a população se importava menos com os casos do presidente e mais com sua boa performance na economia, já que na época elas trouxeram grandes vitórias aos democratas. Ninguém foi indiciado pelas investigações sobre Whitewater.

É esse desfecho, aliás, que muitos especialistas preveem para o impeachment de Trump. As audiências sobre a investigação mostram pouco — ou nenhum — convencimento por parte da ala republicana, tanto na Casa de Representantes quanto no Senado. O caso atual deve seguir o padrão do impeachment de Clinton, com uma condenação na Casa, mas absolvição no Senado. E, tal qual aconteceu em 1998, há pouca evidência de que o processo de impeachment esteja mudando a percepção das pessoas sobre o presidente — quem já não gosta de Trump tem suas convicções confirmadas e quem o apoia vê apenas uma tentativa desesperada dos democratas de removê-lo do cargo.

Pílulas eleitorais

  • Nas pesquisas democratas, Bernie Sanders passou Elizabeth Warren e está em segundo lugar, atrás do ex-vice-presidente Joe Biden. E o bilionário Michael Bloomberg, uma adição recente à corrida eleitoral, está, na média das pesquisas, em quinto lugar, atrás de Pete Buttigieg.
  • Buttigieg, aliás, esteve sob escrutínio essa semana, pelo tempo que passou trabalhando na empresa de consultoria empresarial americana McKinsey — ele foi acusado de não ser totalmente transparente a respeito dos clientes que atendeu lá. Depois de muitas críticas, ele obteve permissão para divulgar sua lista de clientes.
  • Quinta-feira, dia 19 de dezembro, é dia de mais um debate para os democratas. Com uma classificação dois dias antes do prazo final, Andrew Yang se tornou o sétimo — e único não branco — candidato democrata a participar do evento. Além dele, estarão no palco Joe Biden, Bernie Sanders, Elizabeth Warren, Pete Buttigieg, Amy Klobuchar e Tom Steyer.
  • O debate, que antes seria na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, foi reprogramado para outra universidade de LA, a Loyola Marymount. A mudança se deu por uma disputa trabalhista — que pode se repetir na Loyola Marymount. Alguns candidatos, inclusive, ameaçam boicotar o evento.
  • Donald Trump, aliás, também ameaça boicotar os debates eleitorais que serão televisionados em 2020. Segundo fontes do New York Times, o presidente norte-americano acredita que a Comissão responsável pela escolha dos moderadores não será capaz de escolher pessoas para a função que não sejam contra ele.
  • Elizabeth Warren recebeu nesta semana o apoio de Megan Rapinoe, estrela do futebol norte-americano e considerada a melhor jogadora do mundo em 2019, que não poupa críticas à Donald Trump.

Em outros cantos do globo

  • E deu Boris Johnson no Reino Unido. Foi a terceira vez desde 2015 que ocorreu uma eleição-geral por lá, antecipada para que o impasse do Brexit se resolvesse, já que Johnson não tinha maioria, até então, para passar seu plano para a saída do Reino Unido da União Europeia. A princípio, a expectativa era de uma vitória dos Tories (os conservadores) com Johnson como primeiro-ministro, porém sem maioria. O que não se confirmou.
  • A vitória dos conservadores foi tao avassaladora que distritos tradicionalmente trabalhistas votaram pelos Tories, desta vez. A banca do Partido Trabalhista ficou com o menor desde a eleição de 1935. O Partido Conservador, por sua vez, ficou com 365 cadeiras — eram necessárias 326 para ter maioria e conseguir aprovar seus projetos. Assim, o Brexit, cujo prazo para ocorrer é até 31 de janeiro, está quase garantido.
  • Falando nisso, o Nexo fez uma reportagem sobre como funciona o sistema de representação parlamentar em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil.
  • Os protestos em Hong Kong completaram seis meses e, no último domingo, os manifestantes compareceram em peso nas ruas, demonstrando que as marchas e pedidos de reformas democráticas não devem parar tão cedo.
  • Nesta semana, o Washington Post publicou documentos obtidos com exclusividade pelo veículo, revelando que por 18 anos o governo mentiu para os cidadãos norte-americanos a respeito do sucesso da guerra no Afeganistão. São mais de 2 mil páginas de documentos e mais de 400 entrevistas com pessoas envolvidas diretamente no conflito.
  • Após nem Benjamin Netanyahu ou Benny Gantz conseguirem formar uma coalização para governar, Israel terá sua terceira eleição em menos de um ano. O parlamento foi dissolvido e a definição do novo primeiro-ministro será em março de 2020.

Podcast da Vez

Recomendo a primeira e a segunda temporada de Slow Burn — a primeira conta sobre o impeachment de Nixon. A segunda, sobre o processo de Clinton, desde quem era Linda Tripp, como que o governo chegou em Monica Lewinsky, até o desfecho do impeachment. São dois registros cheios de detalhes e entrevistas relevantes. Para saber mais sobre Andrew Johnson, recomendo o episódio sobre ele de Presidential, podcast do Washington Post sobre os chefes executivos norte-americanos.

Gostou da leitura?

Você pode me seguir no Instagram e Twitter, onde posto breves comentários sobre o que está rolando ao longo da semana — e também tem o Facebook, onde aviso sempre que tiver post novo na área.

--

--

Nicole Roth

Jornalista 💻 Notícias internacionais 🌎 SciFi Nerd 🚀 Gatos 🐯