Metodologia de testes de intervalo dinâmico (dynamic range) e de latitude.

Nits.Lab
22 min readOct 27, 2022

por João Castelo Branco

Com a contribuição de Bruno Massao, Rafael Lopes, Rodrigo Bodstein e suporte de Tiago Willveit (Aputure), Felipe Rodrigues (Sony), Julia Yoko e Nelson Kao.

A partir do teste da Sony Venice 2 explicaremos o método dos testes laboratoriais que usamos para medir a qualidade do sinal de uma câmera de cinema digital.

Felipe Rodrigues (Sony) observando o Chart de NDs para medir o intervalo dinâmico do sinal da Sony Venice 2

Como exemplo, usamos o teste da Sony Venice 2, que fizemos com o apoio e a parceria da Sony, da Aputure e da Marc Films. Publicamos um outro artigo para quem estiver interessado apenas nos resultados desse teste (clique aqui).

Se buscarmos 10 testes de latitude e dynamic range (ou intervalo dinâmico) do sinal de uma mesma câmera, provavelmente vamos encontrar 10 resultados diferentes, muitas vezes similares, mas diferentes. Isso se deve ao fato que há diversas formas de medir e definir os limites e a elasticidade dos sinais de vídeo. Para entender mais sobre os conceitos de latitude e intervalo dinâmico ver o artigo que escrevemos sobre isso .

Nossa forma de testar inclui duas etapas principais: o teste com o chart de ND e o teste de correr escala. O chart nos permite uma leitura visual e relativamente precisa do intervalo dinâmico do sinal da câmera em uma única exposição. E o teste de correr escala, tradicional entre os diretores de fotografia, que se divide em dois momentos de análise, para avaliar o intervalo dinâmico e para avaliar a latitude. Esse exige múltiplas exposições e permite entender o sinal como numa situação real de filmagem.

Teste de intervalo dinâmico com o chart de NDs

Esse é um teste em estágio de protótipo. A primeira versão dele foi feita em acrílico com 21 casas, cada uma com um filtro de densidade neutra de gelatina rosco com 1 stop de luz a menos do que a casa anterior. Ele é fixado em um painel de LED como o Arri Skypanel S60, o Litepanel Gemini ou o Aputure Nova. Apesar de o teste ser ainda um protótipo, em cada uso a quantidade de luz em cada casa foi conferida com um fotômetro e depois, na pós-produção, uma segunda conferência foi feita simulando a exposição no Davinci Resolve. Conferimos assim os níveis de cada casa e o chart funcionou como projetado. Mais a frente iremos detalhar todas as escolhas e forma com a qual lidamos com as limitações dos métodos que utilizamos. Por enquanto vamos entender o teste:

O chart funciona com o auxílio de uma waveform. Devemos arrumar a janela que emite a maior quantidade de luz no limite de clipar o sinal nas altas luzes. A quantidade de degraus até o sinal se confundir com a base de ruído (noise floor) deveria ser o intervalo dinâmico da câmera. Deverá ser feito uma exposição para cada ISO nativo e cada EI (índice de exposição) disponível na câmera.

Nas altas temos que descontar a perda de contraste nas objetivas nas regiões de altas luzes com o método da simulação de exposição descrito no tópico “Problemas óticos para avaliar a progressão tonal nas altas luzes”, mais abaixo no texto.

A primeira imagem é uma contagem simples dos stops sem levar em consideração a perda de contraste ótica, a imagem da direita já é uma análise a partir da compensação feita.

Nas baixas consideramos como stop válido quando a informação da casa ainda tem uma porção significativa para fora do noise floor, que ainda é possível identificar com clareza de que há uma janela do chart ali. Explicaremos melhor a questão no tópico “Definindo um stop válido nas baixas”.

Feito esse processo em cada EI da câmera, teremos um relatório como esse:

Relatório de análise do sinal da Sony Venice 2

Essa tabela irá gerar um gráfico de intervalo dinâmico assim:

Gráfico com a representação do intervalo dinâmico do sinal da Sony Venice 2

Nesse caso, vemos a análise do sinal da Sony Venice 2 e podemos perceber como se comporta o sinal em cada EI da câmera e como podemos compará-los. A região em laranja indica que o sinal já encostou na base de ruído e a vermelha os pontos onde o sinal já está bem enterrado na base de ruído.

Teste de intervalo dinâmico correndo escala

Nesse teste utilizamos um stand-in e um cartão de cores do tipo Macbeth (x-rite colorchecker classic) e um cartão cinza 18% e partimos da exposição regular do cartão cinza com os níveis IRE ajustados no ponto onde o fabricante indica — usamos o espaço de cor e curva gamma intermediários da Sony Venice 2 que fornece o maior aproveitamento do sina, S-Gamut3.Cine e S-log3, expusemos o cartão cinza a 41% IRE na waveform, conforme o indicado pela Sony.

Iniciamos então o processo de correr escala, expondo com -1, -2, -3, assim por diante até -10 stops e depois até +10 stops. Os limites máximos e mínimos da escala no teste de cada câmera dependem do intervalo dinâmico anunciado pelo fabricante e por outros testes já feitos anteriormente, as exposições devem exceder um pouco os limites do intervalo dinâmico já conhecido. Repetimos o processo em cada ISO ou EI (índice de exposição) presentes na câmera. Vamos ver o exemplo da escala de exposição que corremos para o teste da Sony Venice 2 no ISO base 800 e índice de exposição (EI) ISO 800 (esse EI deveria ser o ponto de melhor aproveitamento do sinal da câmera (melhor relação sinal/ruído):

Exposição regular — com o cartão cinza a 41% IRE, conforme indicado pela Sony para a curva Slog3

O teste tem um sentido parecido com o do chart, com desvantagem de ser menos intuitivo e visual, pois precisamos de múltiplas exposições para entender o comportamento do sinal. Entretanto, não é recomendado que essa seja única maneira de se julgar o intervalo dinâmico, a não ser que não haja outro método disponível. Esse teste não é o mais preciso, porque dependemos de muitos fatores do ambiente para que funcione perfeitamente. Ainda assim, ele nos ajuda a visualizar os efeitos de diferentes formas de expor uma cena. Talvez por isso seja o teste mais popular entre os diretores de fotografia. Afinal, esse é o sentido dos testes de câmera.

Em nossa exposição com o chart de ND o sinal encostava na base de ruído com -8 stops de subexposição. Já neste teste, fica um pouco difícil julgar o momento exato em que o sinal enterra. Vemos que o último stop que temos antes do cartão cinza 18% (nossa referência de fotometria) encostar na base de ruído é o -6, mas há muitas outras informações que confundem a leitura:

Com -7 e -8 já não percebemos nenhuma separação entre o cartão, o resto da informação e a base de ruído:

-7 stops de subexposição
-8 stops de subexposição

Quando comparamos com o plano feito com -9 stops de subexposição reparamos que houve uma gradual diminuição geral da espessura da base de ruído. O que demonstra que a luz refletida no fundo do cenário se aproxima muito em termos tonais do cartão, o que faz com que a waveforme fique mais grossa e compromete a leitura precisa dos limites da exposição:

-9 stops de subexposição

Basta voltarmos a olhar plano:

A marca circulada em vermelho mostra a waveform da parede

A faixa de cinza da parede, logo acima do cartão, desce junto com a exposição do cartão ao começarmos a subexpor a cena. Mas não há problemas, porque o teste com o chart de NDs já nos indicou de maneira precisa nossos limites. O interessante aqui é o entendimento do que significa -9 stops de exposição numa imagem, mas do que a acuidade do ponto exato de clipping..

Nas altas luzes, no caso da Venice 2 vemos o sinal quase clipar muito próximo dos +6 stops de exposição. Descontando a perda da quantidade de luz transmitida pela objetiva nas altas luzes (discutiremos abaixo o assunto), o teste bate perfeitamente com a resposta do chart:

+6 stops de exposição

Com +7 stops o sinal já clipou.

+7 stops de exposição

Teste de Latitude.

Latitude é a elasticidade do sinal de vídeo, é o quanto conseguimos manipular, ou ajustar o sinal produzindo resultados aceitáveis.

Para o teste de latitude, aproveitamos as imagens feitas para o teste anterior (correndo escala). Aqui corrigimos a exposição utilizando a escala global da ferramenta HDR do Davinci Resolve (falamos sobre a ferramenta mais à frente no texto), configurada para a curva gamma e espaço de cor (gamut) intermediários usados pela câmera (ex. espaço de cor “S-Gamut3.Cine” e curva gamma “Slog3”). Com esse método, sabemos o que significa exatamente os ajustes de exposição. Há outras ferramentas no Davinci que permitiriam ajustes finos na imagem, contudo não nos ajudaria a pensar a resposta do sinal de maneira consistente.

Latitude na superexposição

Podemos observar com a evolução dos planos superexpostos, que ao corrigirmos o que fazemos é trazer para baixo o ponto de clip da imagem, Assim vamos perdendo aos poucos informação e textura nas zonas mais altas da imagem.

Acima está a exposição regular, reparem que o ponto mais claro da imagem aqui é o nosso padrão branco do colorchecker (que é conhecido como branco 90%, que em geral é nossa referência de branco difuso). Infelizmente não temos na cena uma referência de branco especular (na analise que fizemos do sinal da Canon R5C para o AvMakers já incorporamos esse elemento no teste).

Com +2 stops de superexposição corrigidos a waveform ainda está igual, nem o nosso branco difuso alcançou o ponto de clipping.

Com +3 percebemos que o ponto de clipping baixou já achatando o branco 90% e o branco da claquete, que estava logo abaixo. Mas as zonas mais claras dos tons médios ainda estão preservadas.

Com +4 reparamos que o ponto de clipping segue descendo e já alcança as zonas mais claras da pele. Analisando apenas a imagem vemos as cores ficarem estranhas das áreas de brilho da testa. Estamos monitorando pela waveform apenas do canal de luminância, o que faz parecer que essa região ainda não tenha clipado, mas vejamos a waveform RGB:

Waveform com os canais RGB separados. Do lado esquerda estão os padrões do colochecker, do lado direito os tons de pele do rosto.

Vemos que o ponto de clipping já alcança o canal vermelho nas áreas de brilho da testa. É interessante notar que os canais de cor começam a clipar em pontos diferentes. Isso provoca resultados de cor, via de regra, indesejados. Por esse motivo, notamos que os padrões de cor do colorchecker já sofrem grave distorção cromática. Portanto, esse nível de superexposição de 4 stops já não é considerado aceitável para este índice de exposição (EI), mesmo que o clipping point ainda não tenha atingido o cartão cinza. Assim, o último stop considerado como aceitável de superexposição é ponto de clip do branco difuso (90%).

Mas se continuarmos superexpondo o ponto de clip irá alcançar a marca do cartão cinza 18%, que é nossa referência de exposição. Consideramos esse como o ponto clipping da imagem. Na Venice 2, no ISO base 800 EI ISO 800, isso acontece com +6 stops:

Momento do clipping alcançar o nível do cartão cinza cinza com +6 stops.

Subexposição

Caminhado para a subexposição o fenômeno muda completamente. Ao corrigirmos o que fazemos é retirar elementos enterrados da base de ruído, aumentando assim a presença do ruído no restante da imagem, que cada vez se aproxima mais dos tons médios e em seguida de toda a imagem. Outro fenômeno interessante é que até certo nível de correção não notamos mudanças significativas na reprodução das cores, até que em algum momento o sinal se deteriora de tal forma que a resposta cromática fica bastante comprometida. Vamos ver a evolução da subexposição de -1 a -9 stops corrigidas na pós:

Exposição regular, com o cartão cinza a 41% IRE.
-1 stops de exposição corrigida na pós.
-2 stops de exposição corrigida na pós.
-3 stops de exposição corrigida na pós.
-4 stops de exposição corrigida na pós.
-5 stops de exposição corrigida na pós.
-6 stops de exposição corrigida na pós.
-7 stops de exposição corrigida na pós.
-8 stops de exposição corrigida na pós.
-9 stops de exposição corrigida na pós.

Fica claro pela imagem e pela waveform ver o ruído subindo da base para os tons mais claros. A partir do -6 stops temos uma distorção cromática acentuada e reparamos a continuidade da faixa de ruído que passa a se estender de 0% IRE até a área do cartão cinza na waveform. Assim consideramos esse o ponto de clipping nas baixas, nosso limite para o sinal enterrar:

-6 stops de exposição corrigida na pós, nosso ponto de clipping da latitude nas baixas.

Diferente do que acontece na superexposição, aqui não há um critério objetivo para definirmos o que é uma correção aceitável. Depende de definirmos um determinado nível de ruído. É uma decisão. Tomamos como parâmetro uma imagem que me parece ter o limite máximo de ruído antes de eu decidir que ela precise de um tratamento de redução de ruído.

Leitura de 1.8 de ruído no Neat Video.
Leitura de 5.1 de ruído no Neat Video.
Leitura de 10.5 de ruído no Neat Video.
Leitura de 22.9 de ruído no Neat Video.

Com -2 stops se subexposição corrigidos, reparamos que a quantidade de ruído aumenta significativamente, contudo ainda me parece aceitável. A título de ilustração utilizei a ferramenta de medida de ruído do plugin Neat Video para medir uma área escura da imagem e o ruído salta de 1.8 (na escala deles) na exposição regular para 5.1 com -2 stops, 10.5 com -3 e 22.9 a -4 stops.

Com 3 stops o ruído começa a incomodar. Definido esse nível (ainda que bastante subjetivo) de ruído aceitável guardamos essa imagem como referência para análise do nível de ruído. Estamos testando algumas ferramentas de controle de qualidade (QC) para que em breve possamos adotar como critério um nível de ruído aceitável não para nós mesmos, mas para certos players a indústria audiovisual.

Esse é o quadro feito a partir da análise do teste de latitude da Sony Venice 2. Indicamos em verde o limite de correções aceitáveis no sinal. É a região onde o sinal melhor responde. A região em amarelo e alaranjado é onde o sinal já apresenta problemas cromáticos, as partes mais claras dos tons médios já começam a clipar ou o nível de ruído foi considerado insatisfatório.

Ao final podemos fazer uma tabela assim:

Essa tabela pode ser expressa no seguinte gráfico:

Olhando para o gráfico é possível ver que a base 3200 se comporta de uma maneira muito similar a da base 800, porém alcançando o mesmo nível de ruído 1 stop antes. Ou seja, de fato a Base 800 dessa câmera tem um sinal sensivelmente melhor do que o da base 3200.

Reparem que na base 800/EI ISO 3200 o limite aceitável de ruído é a exposição regular, um stop abaixo já entramos na faixa azul, de sinal muito ruidoso. Já no seu análogo na base 3200, o EI ISO 12800, a exposição regular sem manipulação já está em azul, o que significa que a quantidade de ruído já foi considerada insatisfatória.

Outra conclusão, que vale mencionar apesar de óbvia, é que a melhor relação sinal/ruído é de fato o índice de exposição de ISO 800 da base 800, com o intervalo ótimo do sinal com +2 e -2 stops de latitude. Também permite concluir que o EI 1600 da base 3200 pode ser uma solução bastante interessante para cenas low key em situações de baixas luzes, pois ao baixar um stop em relação ao ISO nativo base diminuímos a quantidade de ruído para o nível do ISO base 800/EI 800, e apesar de perdemos um stop de latitude na altas ganhamos um stop nos tons médios com um sinal limpo.

A comparação dos gráficos de intervalo dinâmico com o de latitude nos permitem uma compreenção bastante interessante do sinal de uma câmera.

Definições, critérios e soluções

Definindo critérios entre fatores objetivos e subjetivos para medir o intervalo dinâmico.

O intervalo dinâmico e a latitude são parâmetros com certo grau de arbitrariedade, isso porque todos envolvem uma definição subjetiva de qual o nível de ruído aceitável num sinal. No caso da latitude não há como fugir do problema porque a definição de de latitude é exatamente a do nível de correção aceitável do sinal. Mas para intervalo dinâmico propomos deixar de lado os métodos de medida de relação sinal/ruído para utilizarmos o dado visual da waveform, que é a ferramenta mais acessível, que todos os fotógrafos e coloristas usam.

Nas altas luzes não há dificuldade do ponto de vista do sinal, há um ponto exato em que, com dada quantidade de exposição o sinal clipa, ou seja dali pra frente o sensor não é mais capaz de identificar e interpretar diferenças tonais.

Percebemos claramente nas altas luzes o ponto de clipping dessa imagem nas altas luzes em 72% IRE na waveform. É exato, há um alcance objetivo do sinal no chamado clipping point.

Contudo, paras as baixas não é assim. Os sensores geram uma quantidade de ruído digital ao interpretar a informação luminosa. Se expomos o sensor na completa escuridão ele ainda produz uma quantidade de ruído, que chamamos de noise floor, ou base de ruído.

Quanto menor for a quantidade de luz da cena ou de uma região dela, mais nos aproximamos da base de ruído. Diminuindo a quantidade de luz, em um dado momento a quantidade de sinal (que é nossa informação) será igual a quantidade de ruído, em seguida será menor, até que em algum momento o sinal será imperceptível no meio do ruído. Em outras palavras, quanto menor a exposição pior é a relação sinal/ruído, e quanto mais próximo da base de ruído mais rápido o sinal se confundirá com o ruído.

Aqui temos uma imagem com -9 stops de exposição. Fica bem clara a faixa da base de ruído. Vemos ainda que as informações dos tons mais claros da imagem (como a claquete branca) aparecerem como informação na waveform e na própria imagem, ainda que já estejam coladas à base de ruído.

Para medir um número de stops fotográficos que o sensor consegue representar a abordagem comum é a de convencionar uma relação sinal/ruído mínima aceitável. Há diversos métodos para medir essa relação. Mas há nesse processo a decisão arbitrária sobre a quantidade aceitável de ruído em relação ao sinal.

Definindo um stop válido na baixas

Para evitar métodos complexos, onerosos e nem sempre satisfatórios de medida de ruído, decidimos tomar como parâmetro a representação visual da base de ruído na waveform. Há um ponto em que, diminuindo a exposição, o sinal encosta na base de ruído.

Há um segundo momento em que a informação do sinal já está misturada com a base de ruído mas ainda há sinal visível sobre o ruído. Esse foi nosso limite:

Nesse caso contamos como stop válido alertando que 1 deles já está misturado com o noise floor.

Esse método irá considerar como stops válidos imagens com quantidades diferentes de ruído. Em testes com a relação sinal ruído específica, é possível dizer, que esse ou aquele sinal tem x stops de intervalo dinâmico com relação sinal ruído superior ao limite definido. Da forma como estamos propondo vamos ter sinais mais ou menos ruidosos como válidos, mas sabemos que eles são visíveis e ainda preservam tanto ou mais sinal do que ruído. Em termos práticos estamos deixando a avaliação subjetiva de nível aceitável de ruído para quem estuda cada teste que fazemos. No caso do sinal precisar passar por um processo de controle de qualidade (QC) será exigido um rigoroso teste de ruído, nesse caso deixamos a questão para um outro artigo sobre o processo de QC.

Problemas óticos para avaliar a progressão tonal na altas luzes

Ao receberem luz diretamente, as objetivas são acometidas em menor ou maior grau pelo fenômeno do veiling glare, o véu de luz que diminui o contraste de uma região da imagem onde a luz incide com maior intensidade. Dependendo da objetiva (da qualidade de seus elementos óticos e de seu coating) e da intensidade da luz, o véu pode chegar a atingir toda a imagem, derrubando o contraste, dando a ela um aspecto leitoso. Para minimizar, usamos nos testes objetivas contemporâneas de cinema, pois elas têm baixo índice de dispersão e pouco índice de straylight (luz que se comporta de forma indesejada, ou fora do que a arquitetura ótica propõe) — temos usado as Sumirê Primes e CN-E da Canon.

Quanto maior for a quantidade de luz emitida em direção a uma lente maior será a diminuição de contraste naquela região. Assim quanto mais próximo das regiões de clipar o sinal, menos contraste de luz (portanto menos exposição) a objetiva transmite para o sensor. Isso se nota pela inclinação da marca das janelas de luz mais claras na waveform.

Exemplo do chart de intervalo dinâmico que emite luz. percebemos o fenômeno na janela de luz mais clara, do lado esquerdo, como se a luz vazasse dos limites, deixando o entorno com aspecto leitoso.

Na waveform referente a essa cena, do lado esquerdo podemos ver o fenômeno, que faz com que a base de ruído pareça mais espessa e com mais ruído “escapando” para cima e podemos ver que quanto mais clara for o degrau (níveis mais altos da waveform) mais inclinado ele é. Isso mostra que a quantidade de luz, apesar de ser homogênea na janela do chart, é transmitida pela objetiva para o sensor de maneira não uniforme.

Há diversos métodos para calcularmos e compensarmos a perda de contraste nas objetivas. Utilizamos o que nos pareceu mais fácil, objetivo e eficiente, que é a simulação no Davinci resolve da evolução tonal em stops na curva gamma que utilizamos.

Usamos então uma exposição no cartão cinza e aumentamos a exposição com o Davinci Resolve até o ponto na waveform que notamos que o sinal havia clipado quando fizemos a exposição na câmera. Assim, sabemos com precisão matemática, com duas casas decimais (do valor em stops) nosso espaço até o ponto do sinal clipar nas altas luzes. Por exemplo, o ponto de clipping da imagem acima (Venice 2 em base ISO 800 EI ISO 800) está em 87% IRE. Temos então a exposição regular da imagem, com o cartão cinza 18% em 41% IRE que iremos superexpor com a ferramenta do Davinci resolve até sinal alcançar 87%, para saber,os então quantos stops exatamente há até o ponto de clipping:

Assim sabemos que o sinal clipa com exatos 5.96 stops, ou seja praticamente 6 stops. Assim temos o gráfico corrigido com o intervalo correto entre +6 e -9 stops:

Controle e validação do teste usando a ferramenta HDR no Davinci Resolve

Essa mesma ferramenta da simulação de exposição do Resolve nos serviu também para validarmos as medidas tomadas nos testes, como um instrumento de controle. Tínhamos duas medidas semelhantes, do chart e do teste com stand-in, que por si mesmas já nos dariam um panorama bastante interessante, contudo, um teste de exposição sempre está sujeito a erros humanos, um diafragma mal regulado ou um erro de cálculo e já teríamos problemas. O chart, apesar de ter passado pelo teste do fotômetro ainda é um protótiposujeito a erros. Tomamos todos os cuidados na hora de fazer a exposição, mas a ferramenta do Davinci permitiu ver ter a certeza de que tudo estava batendo.

Aqui temos o cartão cinza com a exposição regular, nossa referência, sem nenhuma correção, ajustado a 41% IRE
Chart com sobreposição (reference wipe no Davinci Resolve) do cartão exposto a 41% IRE — esse é nosso ponto de partida.

Vejamos +2 stops de superexposição com a simulação no Davinci e a comparação da simulação com os níveis do chart. Veremos todos batendo muito próximos do 55% IRE:

Aqui + 2 stops de superexposição — em 55% IRE.
Exposição regular acrescida de + 2 stops com a ferramenta HDR.
Chart com sobreposição (reference wipe) do cartão exposto a 41% IRE acrescida de + 2 stops com a ferramenta HDR.

Vejamos agora com -2 stops de subexposição, com a simulação no Davinci e a comparação da simulação com os níveis do chart. Veremos todos batendo muito próximos do 27% IRE:

2 stops de subexposição — em 27% IRE.
Exposição regular com — 2 stops na ferramenta HDR — também com 27% IRE.
Chart com sobreposição (reference wipe) do cartão exposto a 41% IRE com — 2 stops com a ferramenta HDR — diferença de menos de 1% IRE abaixo da da marca do chart.

Repetindo o processo com -4 stops de subexposição vamos ter todos os métodos próximos ao 16% IRE:

4 stops de subexposição — em 16% IRE:
Exposição regular com — 4 stops na ferramenta HDR — também com 16% IRE.
Chart com sobreposição (reference wipe) do cartão exposto a 41% IRE com — 4 stops com a ferramenta HDR — diferença de menos de 1% IRE abaixo da da marca do chart.

Ficamos surpreendidos com o resultado. Não poderíamos imaginar tamanha uniformidadenos resultados. o padrão ilustrado acima se repete em todas as exposições. A exposição no cartão cinza e a simulação ficam praticamente iguais em termos de nível tonal. No chart há um desvio leve nos degraus de exposição. Nas subexposição, o chart sempre está pouco acima, menos de 1%IRE até que fica muito semelhante nos tons médios e nas primeira superexpoições. Até que nos degraus +6 e +7 a simulação de exposição está consideravelmente mais alta que o chart por conta do problema ótico da queda do nível de contraste na objetiva:

Simulação de +6 stops sobreposta ao chart

Acima está o chart com sobreposição (reference wipe) do cartão com a simulação de +6 stops com a ferramenta HDR. Vemos que enquanto a simulação já toca o clipping point, com os 86–87% IRE, o 6º degrau está ainda a 83% IRE .

Simulação de +7 stops sobreposta ao chart

Com +7 stops na câmera o 7º degrau ficou a 87% IRE, foi nosso critério de ajuste no clipping point. Já a simulação do Davinci Resolve mostra que +7 stops estaria em 93% IRE, demonstrando o problema da perda ótica de contraste.

Conclusão

Essa metodologia de teste é viva, ela é fruto dos anos de trabalho testando câmeras para projetos de filmes e elaborando conteúdo para aulas. Contudo, agora com a NITS.lab, a ideia é a de pensarmos e estabelecermos fluxos de trabalho para produções de cinema e de televisão que possibilitem uma conversa mais clara entre todos os profissionais que pensam e manipulam a imagem desde a pré-produção até a exibição, incluindo as entregas para diferentes telas com as exigências técnicas da janela de exibição, de preferência em produções em HDR.

Com a evolução da tecnologia digital, com a profusão de câmeras e formatos de telas, o trabalho com diversas curvas gamma intermediárias (curvas e espaços log) e diversos tipos e tecnologias de tela (celulares, computador, projeções de cinema, TVs (de LED, OLED, QLED, em HDR ou SDR), que definem diferentes entregas para um mesmo produto audiovisual. Trabalhar com a referência de um único padrão de tela, em Rec 709 por exemplo, como o que tem sido comum em grande parte da produção audiovisual no mundo, não dá mais conta da forma com qual a tecnologia tem caminhado. Definir nosso fluxo de trabalho desde o set até a entrega pautados na visualização de uma só tela nos faz reféns do equipamento, da resposta do conjunto de equipamento para o display na hora da produção, além de dificultar muito o uso de diversas câmeras para um trabalho. Trabalhar com a referência do display também irá limitar o trabalho de todos que vierem a manipular a imagem depois (colorista, vfx, masterização). Trocando o foco para um trabalho referenciado na cena a atenção no set, nos processos de fotometria, colorimetria e modelagem de luz, deve buscar a melhor maneira de aproveitar o sinal da câmera para se alcançar a o intuito criativo da história e o gerenciamento de cor acontece sobreposto a esse processo, para que todos no set (direção, arte, fotografia, produção e até clientes) possam monitorar o material que deverá simular a melhor tecnologia de tela que o material se pretenda a ser exibido.

Essa abordagem nos faz querer entender ao máximo a forma com a qual os equipamentos, nossas ferramentas, recebem e processam a imagem fotográfica em cada parte do processo e como podemos atuar para manipular criativamente cada etapa.

Esse tipo de ideia não está distante do conceito visualização de Ansel Adams. Um teste de câmera como este que estamos propondo, tem por finalidade algo semelhante com os testes de câmera, negativos e cópias fotográficas, que levaram Ansel Adams ao Sistema de Zonas: a necessidade de entender as possibilidades de interpretação fotográficas de uma cena para garantir da melhor maneira possível a intenção criativa do fotógrafo.

Tanto no mundo analógico quanto digital isso significa conhecer a latitude e o intervalo dinâmico, seja do negativo ou do sinal de vídeo, para poder manipular a exposição visando extrair a melhor informação que represente o intuito criativo da cena visualizada.

Esse processo tem uma continuação. A imagem produzida pelo fotógrafo passará por um processo de pós-produção, terá que passar por processos de composição de imagens produzidas por artistas de VFX, passará pelo colorista, que irá manipular criativamente a imagem e terá que pensar as melhores maneiras de transformar o sinal da câmera em diferentes saídas para diferentes janelas de exibição.

O teste que propomos julga apenas a latitude e o intervalo dinâmico da câmera, ele se encerra no sinal. Para seguir no raciocínio de um fluxo de trabalho completo é importante testar e refletir sobre os processos e métodos de gerenciamento de cor para monitoração no set de filmagem e em todas as etapas de pós-produção. É também fundamental que sejam feitos testes de transformação para os espaços de cor e curva gama das telas (para os espaços de display), nas quais o material que se pretende filmar irá ser exibido. Hoje há diversos caminhos de gerenciamento de cor, ACES, diversas ferramentas do Davinci Resolve, Look up tables (LUTs), e sistemas de tone mapping, como o Dolby Vision, que permitem a exibição em diferentes tecnologias de tela ao mesmo tempo e que levam em consideração a percepção tonal para telas SDR e HDR. Para um controle do processo que preserve a intenção criativa do fotógrafo e do diretor é cada vez mais necessário estarmos conscientes das transformações que nosso sinal passa, desde o momento que a luz chega ao sensor até a exibição para o espectador.

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