Minha experiência sendo uma péssima gamer #1 — Nem Mario, nem Sonic

Noah Malta
5 min readFeb 18, 2020

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Nunca fui uma criança ligada aos jogos digitais, nunca nem tive um videogame em toda a minha vida. Minha única experiência com eles era visitando meus primos, mais novos que eu inclusive. Naquela época se falava muito em Sonic e Mario, mas nem mesmo Mario fazia a minha cabeça. Depois de vinte minutos jogando e como uma pré adolescente com baixíssima tolerância à frustração, eu desistia do jogo e ia fazer sei lá o que, comer um pedaço de bolo ou tentar puxar assunto com os meninos que estavam completamente concentrados. Minha mãe, vendo minha ansiedade, ficava me dizendo que eu nunca tinha jogado aquilo antes e é claro que não ia conseguir jogar que nem os meninos se eu não tinha prática e eu sentia um pouco de alívio, tentava por mais dez minutos antes de tomar aquilo apenas como fé da minha mãe em mim. Meus primos tinham pouca paciência comigo e hoje entendo como é chato jogar com alguém completamente perdido, mas ali nascia a sensação que chamo hoje meu deus, será que sou uma boomer presa em um corpo millennial? JOGAR NUNCA VAI SER PRA MIM. Voltava para os meus jogos de tabuleiro, empolgada em acertar a cena e a arma do crime em Detetive e para os jogos de baralho (paixão essa que nunca morreu, aliás).

Minha relação com a internet foi de muitas maneiras esquisita, pois com todo o seu boom eu não ia muito além do BuddyPoke e de me empolgar fazendo imensos depoimentos no finado Orkut. Demorei pra migrar pro Facebook, coisa que só aconteceu quando eu já estava no primeiro ano do ensino médio. Desses primeiros jogos com os quais tive contato, os meninos jogavam um de luta com personagens do Naruto com o único objetivo de meter a porrada e se machucar menos que seu adversário. E eu adorava, sentia a adrenalina daquilo e tentava não ser o eles chamavam de apelona, buscando a mesma tecla pra sempre e me apoiando no mesmo golpe. Lembro da minha empolgação em escolher uma personagem feminina, das poucas que tinham disponíveis e como aquilo sempre me deixava surpresa, do tipo ‘’nossa, nem acredito que vou poder jogar com uma menina!’’. Mas o negócio é que eu chegava em casa e esquecia dos games, sentia que aquilo não fazia parte do meu mundo.

Os games seguiram sendo muito distantes do meu universo e a única vez que sentia vontade de jogar alguma coisa era o eternamente perfeito The Sims, e mesmo nele, o que eu mais gostava era de criar os personagens e passar muitas horas decorando a casa, mas controlar os Sims mesmo me desinteressava em pouco tempo. Segui minha vida jogando quase nada, a não ser joguinhos quaisquer no celular, que logo eram esquecidos e só ocupavam espaço. Até que com meus vinte anos, um dia vi meu namorado procurar na jogos na Steam e ele me chamou pra jogar Keep Talking And Nobody Explodes, que tínhamos visto Nilce e Léon falando no Cadê a Chave. O que aconteceu foi que AMEI aquilo, amei a ideia do jogo, amei como só íamos conseguir o objetivo através da cooperação. Eu era boa naquilo. Essa sensação ficou comigo, me despertou interesse para outros jogos e indo pesquisar, baixei Life is Strange, Portal e Samorost 3. Comecei a ter vontade de jogar, mas pensava sempre que não tinha habilidade e aquilo me freava. Deixava pra lá, mas a vontade voltava e eu pensei, bom, então isso deve ser mesmo um interesse meu, né? Minha experiência com Portal foi… Como voltar a ser uma criança com ódio daquelas robôs e daquela voz me mandando fazer coisas que não faziam o menor sentido e me sentindo a pessoa com menos capacidade pra jogar no mundo.

Isso é algo sobre mim. Eu tenho muito entusiamo pelas coisas, entusiasmo me escorre das veias, mas me falta persistência. É assim com tudo: quando tentei começar a desenhar, aprender aquarela, bioestática, tentando fazer trabalhos manuais. Eu quero criar coisas lindas e ser ótima de primeira, mas criar coisas lindas leva tempo. O processo de criar e aprender é cheio de altos e baixos, mais baixos do que altos na maior parte do tempo e muitas vezes vai dar vontade de desistir de tudo, inclusive de quebrar o controle se você for uma pessoa emotiva que nem eu, mas isso é uma condição necessária a aprender algo: o processo. Não dá pra encostar num desenhista e absorver tudo que ele sabe, tudo sobre expressões e ângulos e luz e sombra. Pra mim é uma descoberta recente e que me fez questionar e ressignificar muita coisa, a de que como tratamos o talento. Via todos esses ilustradores, pessoas bem sucedidas falando em como não existe talento, e demorava a acreditar nisso. Pensava “Será mesmo hein? Será que você só não tá dizendo isso pra encorajar as pessoas porque você é legal?Essa ideia de que existem predisposições, habilidades e afinidades, mas talento, como o concebemos — uma coisa dentro de você, enviada pelos céus, que te faz um expert, um gênio, não existe. Isso fez muita coisa na qual acreditei por muitos anos cair por terra. E aí lembrei da minha mãe dizendo, muitos anos atrás: tu nunca jogou isso antes! E todos os artistas, e o livro Me mostre o seu trabalho (que fala disso de um jeito simples e maravilhoso), os vídeos e entrevistas, todos os meios que me falavam isso e eu desconfiava. Mas como haveria talento sem prática? Muita vezes ainda acho difícil apreciar o processo, mas é ele que te faz crescer.

E aí começou a minha saga de procurar jogos fáceis mas que fossem bonitos, não desses fáceis que a gente encontra no OJOGOSONLINE e que são… simples. Encontrei Oxenfree, um jogo lindo, de gráficos também lindos e com uma história de mistério imersiva, que me deixou muito envolvida com os personagens e onde me percebi sentindo falta de jogar. Sentir falta de jogar: check. Foi a primeira vez que senti isso na vida. Foi aí o começo de tudo e agora posso dizer que sou uma… gamer. Me frustro, passo raiva, tenho certeza que nunca vou passar de fase, me emociono muito, sinto um bilhão de sensações que não sei onde mais teria a oportunidade de sentir, e aprendo muito sobre mim mesma. E Portal ainda não faz nenhum sentido na minha cabeça, já tive tanta raiva que deixei pra lá, mas vai que uma hora tento de novo, né?

Nunca é tarde pra tentar alguma coisa nova e pra descobrir que ter paciência com você mesma é o primeiro passo pra muita coisa nessa vida. :)

Ilustração: Rayner Alencar

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