O que é “Chuunibyou” e a sua presença nos mangás shounens

Thiago Nojiri
16 min readOct 5, 2018

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Que caralhos é “chuunibyou”?

Antes de começarmos

Olá a todos.
O “chuunibyou” é algo que eu queria falar há um bom tempo, e aproveitando que o assunto veio à tona no twitter, resolvi escrever de vez.
Por eu ser um péssimo redator e este ser um assunto relativamente complexo, somado ao fato de eu querer falar de um monte de coisa ao mesmo tempo, acabou ficando um texto enorme. Enumerando, eu: 1) tento conceituar e explicar o que é o chuunibyou; 2) falo do chuunibyou e sua relação com as obras shounens; 3) faço as minhas considerações do chuunibyou dentro da tradução de materiais japoneses.

I. Conceituando

  1. TL;DR
    Chuunibyou (ou “Síndrome da Sétima Série”) não é uma síndrome verdadeira, e sim, um termo de conotação debochada para referir-se ao comportamento de adolescentes que reproduzem a ficção na realidade. Exemplos: ficar fazendo poses características de mangás e animês, falar/agir imitando personagens, etc.
  2. Historinha
    Eu não sei você, mas desde que eu era bem moleque, tipo uns 6, 7 anos, gostava muito de ficar me imaginando como o protagonista de algum filme, jogo ou livro, principalmente os de aventura, colocando a mim mesmo dentro da história (e nem tenho vergonha de admitir que faço isso até hoje). Acredito que isso seja natural para muitas crianças, e que é o que as motivam a vestirem fantasias e terem festas de aniversário temáticas.
    Até que, no meu caso, lá pelos 10 anos, passei a acrescentar elementos criados por mim nessa imaginação, ou até construir do zero um universo pessoal de imersão.
    Bem, esse comportamento bastante típico e que certamente deve ter um nome sofisticado dentro da psicologia é a essência do chuunibyou.
  3. Etimologia
    A palavra chuunibyou, que em japonês é 厨二病(ちゅうにびょう), numa tradução ao pé da letra, seria “Síndrome da Sétima Série (ou Oitavo Ano)”. Isso já dá uma ideia do que possa ser, né?
    E tem algumas coisas nesse termo que vale ser explicado, então, vamos por partes:
    a) Apesar do uso da palavra “Síndrome”, referente ao sufixo “-byou” (), empregado para indicar doenças, distúrbios, transtornos e etc., o chuunibyou não é uma patologia reconhecida (não é uma “doença de verdade”), pois foi um termo criado na internet.
    b) Por ser um meme, existe um trocadilho: o ideograma (kanji) usado para o termo não é o correto para indicar o equivalente ao oitavo ano do Ensino Fundamental.
    O kanji certo seria 中二, mas usa-se 厨二, que é justamente para mostrar que é tudo uma tiração de sarro.
    Como assim? Bem, a internet é um lugar peculiar, onde nós digitamos tudo errado em conversas casuais meio que “de propósito”, porque é mais legal falar “se ta tirano kkk issu eh loko dms hsauhsahus” do que falar “você está tirando (risos), isto é louco demais (risos)”.
    Claro que o Japão não é exceção. Então, lá atrás, criou-se o meme do “chuubou” (房), que significa “cozinha”, e que é usado para debochar dos internautas de comportamentos infantis (não necessariamente trolls, podem ser pessoas inexperientes ou ingênuas), porque chuubou tem o mesmo som de “estudante do ginasial”, mas com kanji diferente, o 坊.
    Se eh mo chuubou ein kkkk, seria: você é muito infantil, até parece um adolescente do ginásio.
    (*A verdadeira origem da palavra é de um programa de rádio de 1999, mas que nunca pegou, sendo usado apenas entre os ouvintes. Aí, só lá por 2005, 2006 que a internet se apossou do termo.)
    c) SÓ EXPLICANDO RAPIDINHO QUE o sistema de Ensino Fundamental no Japão é dividido entre 6 anos do “primário” e 3 anos do “ginásio”. O “中二” (chuuni) é o “segundo ano do ginásio”, ou seja, 6+2 = 8º ano do Fundamental.
    d) Resumindo, pegou-se o meme que já existia e se aplicou em outro tipo de comportamento infantil, isto é, para tirar sarro de jovens adultos que “já passaram dessa fase” (ou os otakus no geral) e que continuam se imaginando em ficções.
  4. Na prática
    Bem, todo esse textão e nem expliquei ainda o que é exatamente o chuunibyou, né? Perdão, eu tenho essa péssima mania em perder mais tempo contextualizando…
    Chuunibyou, então, é o termo dado a pessoas que, de tão imersas em seus mundos imaginários, trazem os elementos da ficção para a realidade, seja através de ações (fazer poses emblemáticas ou corrida Naruto), palavreados (tipo imitar personagens “fofinhas” de animê), roupas (o clássico sobretudo da Akatsuki) ou tudo isso junto.
    E isso é MUITO adolescente. É MUITO coisa de quatorze anos. Dei exemplos de animê porque é esse o nosso interesse aqui, mas vale pra todas as áreas da criação: rock/punk/emo, super-herói americano, Harry Potter e Tolkien, Star Wars e Star Trek, e por aí vai.
    Em suma, é aquilo que a pessoa acha tão legal, tão descolado, tão apaixonante, que ela não consegue resistir à vontade de invocar isso na realidade, e não tem nenhuma vergonha em fazê-lo.
    Esse é o chuunibyou.
    Lembrando sempre que o termo tem uma nuance depreciativa, usado para tirar sarro mesmo. Afinal, um dos elementos mais gritantes do chuunibyou é a vergonha alheia e muita gente deve sentir aquela pontada de aflição ao relembrar os tempos da “aborrecência” (ou, como diriam os japoneses, do seu “passado sombrio”).

II. Chuunibyou e os shounens

Conceituado (espero) o que é o chuunibyou, quero falar agora do motivo principal que me levou a escrever este texto: a relação desse comportamento com os mangás shounens.
Os mangás da demografia shounen (少年・しょうねん, garoto/menino) são obras cujo o público-alvo são, bem, garotos na pré-adolescência e adolescência. Sim, período este que os “sintomas” do chuunibyou mais se revelam.
E os autores/editoras sempre souberam disso, mesmo não existindo o termo. Por isso, uma das funções de um shounen é que ele atice, estimule o chuunibyou, faça o leitor achar aquilo “da hora”.
Em última instância, um mangá shounen precisa ser kakkoii (カッコイイ, maneiro/descolado/bonito), porque é isso que vai fisgar o coração adolescente. O kakkoii é a base de sustentação e o objetivo ao mesmo tempo; arrisco dizer que, para um shounen, “ser maneiro ou descolado” é tão ou mais importante do que ter uma boa narrativa.

Por isso, vou enumerar a seguir alguns elementos kakkoiis que a gente encontra com frequência nesse tipo de obra.

  • Espada
    Espada é kakkoii pra caralho. Se for katana, melhor ainda. Mas pode ser umas espadas gigantes se quiser. Facas pequenas pra arremessar também são maneiras. Aquelas espadas exóticas são animais. Eu já desenhei muita espada na vida. Muito mais da hora do que pistolas.
  • Energias que se materializam
    Tipo ki, cosmo, chakra… Muito da hora. Mais da hora ainda se der pra disparar.
  • Frases de efeito
    Não só aquelas frases para emocionar ou chocar, mas falo aqui também de “nome de golpes” (kakkoii!) e “nome de armas” (kakkoii!). Das técnicas em português, gosto muito de Cólera do Dragão.
OMAE WA MOU SHINDEIRU.
  • O “dark side”
    Não é necessariamente o vilão, mas a ideia do antagonismo. Personagens como o Ikki de Fênix ou o próprio Light Yagami (aliás, Death Note pode até não ter lutinha, mas tem tudo de kakkoii que se espera de um shounen, principalmente esse lado edgy).

Esses e outros elementos (que, claro, variam de acordo com a época de sua publicação, porque o que se considera “bonito” não é estático) servem para empolgar o leitor, fazer com que ele tenha uma vontade maior de imergir no mundo da obra e trazer os “kakkoiis” para a realidade.
E são essas pessoas que a gente chama de chuunibyou: achar que é um mestre espadachim; achar que pode manifestar uma energia palpável; ficar a todo tempo repetindo frases de efeito (ou imitando “trejeitos” de personagens); preferir agir como uma pessoa misteriosa do que uma pessoa boazinha e alegre; e etc.

Dito isso, quero dedicar agora uma seção inteira pra falar de um quinto elemento que compõe o “kakkoii”. Na verdade, este texto todo foi só pra falar dele. O que eu queria expor, mesmo, era esse quinto elemento, o resto foi mera introdução.
Afinal, o meu ofício é a tradução de material japonês, e existe um grande desafio na hora de localizar certa ferramenta linguística super maneira para o português.
Só um aviso! Por envolver conceitos básicos da língua japonesa, confesso que vai ficar bastante confuso pra quem não conhece NADA do idioma e, eu até vou tentar explicar, mas sou péssimo nisso e não vai adiantar muito.
Se você achar que ficou uma bosta, pode pular.

Vamos lá:

III. O desafio de adaptar os neologismos em furigana/ruby

Primeiro, uma explicação rápida da língua japonesa.
Ela é composta por três alfabetos, quais sejam: hiragana, katakana e kanji. O hiragana e o katakana são os alfabetos-base e o aprendizado na língua japonesa começa por decorar esses dois (50 letras cada, 100 no total). Aí, os kanjis, que são ideogramas mais complexos que representam ideias, você vai aprendendo pouco a pouco ao longo da sua formação escolar, até saber o uso de cerca de 3.000 deles ao final do Ensino Médio (diz-se que existem mais de 100.000 kanjis, por isso, aqueles 3.000 são chamados de “kanjis de uso corriqueiro”).
Aliás, por conta dessa peculiaridade, um cidadão japonês é tido como alfabetizado quando julgado que tem “plena capacidade de ler e escrever frases curtas e fáceis”.

Certo.
Dado esse contexto, talvez você se pergunte: “peraí, mas então, a criançada só pode ler coisa escrita sem ter kanjis? E se tiver kanjis que ela não conhece ou não aprendeu, ela não pode ler aquilo? E pra ler ‘coisa de adulto’, ela não vai poder?”.
Pois bem. Para que esse problema não ocorra, existe o que se chama de furigana (振り仮名・ふりがな), que nada mais é que uma “legenda” para os kanjis. Ou seja, coloca-se do lado do kanji a sua leitura em hiragana, como vemos na imagem:

Chama-se de “furigana” o hiragana que serve de legenda pro kanji.

Isso permite com que os textos voltados para um público mais jovem possam ser escritos usando kanjis, de quebra servindo para ensinar novos ideogramas. Como, por exemplo… os mangás shounen.
Aliás, uma curiosidade: é regra do mercado editorial japonês colocar furiganas em todos os kanjis numa publicação shounen e shoujo, enquanto que não se coloca em seinen e josei. Taí mais uma forma de julgar se uma obra é shounen ou seinen.

O shounen Death Note (com furigana) e o seinen K-ON! (sem furigana)

OK, com isso, finalmente (finalmente!) acho que podemos entrar na parte que interessa.

Olha, não sei quem foi o primeiro a pensar nisso, mas alguém no Japão descobriu que é muito kakkoii você usar 1) kanjis complexos, 2) palavras em inglês (olá J-pop), e 3) frases de dupla leitura.
E acredite, tudo isso é muito maneiro dentro do contexto do idioma japonês.

  1. Kanjis complexos seriam aqueles de pouco uso prático e cheios de traçados, e são kakkoiis porque são difíceis. Dos mangás publicados no Brasil, os golpes do Hiei de YuYu Hakusho tendem a ter essa característica (o Jaou Ensatsu Kokuryuu-ha, 邪王炎殺黒龍波 ou Jaou Ensatsu Rengokushou, 邪王炎殺煉獄焦).
  2. Nomear golpes e técnicas em inglês é outra coisa muito da hora. Alguns golpes do Luffy de One Piece são em inglês (Gatling, Bullet, Gear, etc.) por esse motivo, assim como a maioria dos golpes em Cavaleiros do Zodíaco (Diamond Dust, Nebula Chain, Another Dimension, etc.) e 100% de tudo em Jojo’s Bizarre Adventures (ZA WAARUDO).
  3. E, por fim, a tal da “dupla leitura” e que talvez seja o “maneiro” mais sutil, mais difícil de entender e o mais sofisticado de todos.
    Sabe o que os furiganas te permitem a fazer? Isso mesmo, colocar um furigana que não é a leitura do kanji.
    Sabe o que os furiganas te permitem a fazer? Isso mesmo, colocar um furigana em inglês para kanjis.
    Será que deu pra pegar mais ou menos? É claro que o certo é indicar corretamente a leitura, mas em última instância, essa ferramenta gramatical permite que você leia duas frases ao mesmo tempo.

Vou dar exemplos.

Acho que vai ficar mais fácil de entender, então vou falar especificamente de Cavaleiros do Zodíaco e Hunter x Hunter, porque tanto o Kurumada quanto o Togashi AMAM esses 3 itens aí de cima e são igualmente geniais nessa arte.

Inclusive, ele escreve “ouro” em kanji e chama de “gold”, pra ser “Gold Saint”.
  • Para quem não sabe, os Cavaleiros de Atena, no original, são chamados de Saints (por isso que é Saint Seiya). Em inglês mesmo. O que o Kurumada fez foi pegar essa palavra em inglês e atribuí-la a três kanjis: 聖闘士 (“seitoushi”, ou “guerreiro sagrado”). Como ele faz isso? Colocando a palavra “saint” como furigana para o “seitoushi”. Ou seja, o leitor japonês, ao ler esse termo, intuitivamente pensa: “caramba, são ‘santos’ que são ‘guerreiros sagrados’!”, porque ele lê duas coisas ao mesmo tempo. Deu pra pegar a ideia?
    A armadura é a mesma coisa: ela se chama Cloth no original, mas com os kanjis de 聖衣 (“sei-i”, ou “vestimenta sagrada”).
  • Hunter x Hunter, então, é um verdadeiro show, porque TODOS os poderes de nen são duplas leituras.
    Aliás, a Mara do Mais de Oito Mil diz que o Togashi é o mestre em “shonenficar” qualquer coisa, e eu concordo. Além dele ser um exímio contador de história, o Togashi domina com primor os elementos que atiçam o chuunibyou, aqueles citados lá em cima, e que são responsáveis por darem uma “cara de shounen” pras coisas. Desde o Yuyu Hakusho ele já era genial nesse ponto, quantos de nós tentamos disparar o Leigan (ou ray-gun… raio… arma…)? Até a espada do Kuwabara é da hora!
    E, no Hunter, em todos os arcos ele mescla tais elementos com o seu jeitinho Togashi que é único, revelado principalmente nos textos. Daí, um leitor de scanlation não tem como pegar essas nuances e sai falando que é uma “desconstrução do shonen” só porque tem MUITO texto e que são aparentemente complexos.
    Enfim, voltando às duplas leituras, alguns exemplos:

Bungee Gum e 伸縮自在の愛 (“shinshuku jizai no ai”, ou “o amor que estica e contrai livremente”). A habilidade de esticar e grudar o nen.

Dokkiri Texture e 薄っぺらな嘘 (“usuppera na uso”, ou “mentira de perna curta”). Na verdade, ao pé da letra seria “mentira de espessura fina”, que é o equivalente à “perna curta” do português. E é genial porque a habilidade te permite a “falsificar” texturas em coisas de espessura fina.

Double Machinegun e 俺の両手は機関銃 (“ore no ryoute wa kikanjuu”, ou “as minhas duas mãos são metralhadoras”). Um dos meus favoritos. Gênio.

Gallery Fake e 神の左手悪魔の右手 (“kami no hidari-te akuma no migi-te”, ou “mão esquerda de Deus e mão direita do Diabo”). Referência a uma série de livros de mesmo nome. O que isso tem a ver com “Gallery Fake” eu não sei, mas é muito maneiro.

Acho que tá bom né, porque tem que voltar na questão da tradução

Espero que isso tenha dado mais ou menos uma ideia do que são os “neologismos” usando furiganas diferentes daquelas que seriam as leituras corretas dos kanjis. Muitas vezes, essa dupla leitura ajuda o leitor a entender dois conceitos que se complementam.

O problema, claro, é que é um recurso único da língua japonesa e não podemos fazer o mesmo em português.
E não basta você só traduzir uma leitura ou a outra, porque além de serem complementares e simultâneos, esse recurso, em si, é uma coisa que atiça o chuunibyou (lembra que o texto era sobre isso? haha).
É muito maneiro você chamar um cara de saint, sabendo que ele não é um “santo”, e sim, um guerreiro sagrado. É muito da hora você chamar as suas duas mãos que são metralhadoras de double machinegun.

Infelizmente, em 99,9% das vezes (eu incluso), sempre acaba se traduzindo apenas o furigana ou até inventado um termo novo, porque é realmente muito difícil encontrar uma solução tão maneira quanto pra isso.
Aliás, é justamente por causa dessas duplas leituras que é tão recorrente vermos técnicas e golpes que são assim: “Amakakeru Ryuu no Hirameki, Fulgor do Dragão que Percorre os Céus”.

Falando em Samurai X, o tradutor da versão mangá Luiz Kobayashi (que sem dúvida é um dos maiores tradutores de mangás do nosso mercado), quando traduziu Lúcifer e o Martelo, propôs uma solução visual muito criativa para esse problema.
Lúcifer e o Martelo é um seinen que é uma grande sátira dos shounens mainstream, e o autor Satoshi Mizukami, sabendo que a dupla leitura era um elemento fundamental em shounens, usou o recurso exaustivamente de propósito. Sendo assim, uma boa tradução seria tentar reproduzir essa “ironia” e, por isso, o que o Luiz Kobayashi pediu para a JBC foi o seguinte (e um bônus de MHA, que foi ele também):

Particularmente, achei uma solução muito inteligente para o que se pedia. Por outro lado, reconheço que é algo que não dá pra fazer em todas as vezes e em todos os mangás. Só queria deixar destacado aqui o quão fascinante pode ser o ofício da localização e o quanto um tradutor “vai longe”, tanto em identificar esses detalhes, como tentar reproduzi-los na língua local.

Bem, no meu caso, quando vejo uma tradução de um shounen, acho importantíssimo que se atente, na medida do possível, aos elementos textuais do chuunibyou. Ou seja, os golpes, as frases de efeito, os termos no geral… Enfim, TUDO que foi colocado ali pra ser “maneiro”, “descolado”, tem que ter uma adaptação que transmita o quão maneiro e descolado é.
Imagina que chatão seria se os feitiços do Harry Potter fossem totalmente em português? Eles são da hora porque são escritos daquele jeito!

IV. Os shounens injustiçados (ou nem tanto) EM RAZÃO do chuunibyou

Eu ia terminar o texto na parte da tradução, mas já que tá longo mesmo, vou aproveitar que tô no assunto e enumerar shounens e personagens que eu acho que são injustiçados.
Veja, na minha estreita visão sobre a cultura otaku no ocidente, acho que o chuunibyou não é NADA intuitivo para um otaku ocidental, que muitas vezes consome fansub e scanlation, em que comprovadamente a qualidade da adaptação deixa a desejar e os caras não tão nem um pouco preocupados em transmitir o original jeito que devia.
No fim das contas, depois de tudo o que eu falei até aqui, talvez seja o seguinte o que eu queria transmitir: existem obras e personagens que a sua razão de ser é atiçar o chuunibyou.
E muitas vezes, infelizmente, eles acabam sendo subestimados porque, bem, o intuito não foi transmitido da forma que devia e o leitor não acha aquilo tão “maneiro” quanto se buscou pelo autor.

São eles:

  • Bleach. Obviamente. O rei supremo do kakkoii. Absolutamente tudo em Bleach é pra ser chuunibyou. Espadas? Tem. Frases de efeito? Tem também. Técnicas e termos com nomes legais? Tem bankai, zanpakutou, zangetsu, Yamamoto Genryuusai Shigekuni e tantos outros. Tem poses legais a toda hora. Olha quantos personagens “dark”: Ishida, Mayuri, Zaraki, Aizen, Gin… Um monte. Bleach é disparado o melhor mangá chuunibyou, tanto que ele é consagrado no Japão como uma categoria acima do kakkoii, é aesthetic. Se durou 74 edições, mais do que o próprio Naruto, foi por um motivo. E ele é: chuunibyou.
  • Fairy Tail. Outro mangá ridicularizado por sempre ter exatamente os mesmos desfechos de arcos e por usar truques baratos de roteiro (Deus Ex Mashima). Mas o Mashima, espertamente, percebeu logo cedo que ele não era um mangaká do nível do Oda. Ele jamais seria capaz de criar um segundo One Piece. Por isso mesmo, resolveu se ater naquilo que faz melhor que o Oda: ser maneiro. Poucas coisas são mais maneiras do que dragões e magias. Página dupla com o Natsu berrando o golpe? Isso é animal. Frases de efeito manjadas falando de amizade? Tudo bem, porque isso é legal demais! Da metade pro final de Fairy Tail, o Mashima muda radicalmente de traço e destoa completamente da “imitação do Oda” que tinha antes, justamente porque os desenhos do Oda são caricatos, não são cool.
  • Mas isso não significa que o Oda não saiba atiçar o chuunibyou. Zoro Roronoa tá aí unicamente pra assumir esse papel. Talvez, do ponto de vista da história, o Zoro não seja lá um personagem bem construído ou com uma participação coerente dentro da obra. Mas isso não tem importância, porque não é essa a função dele. O Zoro tá ali porque ele é a súmula do chuunibyou: espadachim, homem de poucas palavras, forte, não é o “bonzinho” da turma, solta frases precisas de tempos em tempos e agora ele tem uma PORRA DE UMA CICATRIZ NO OLHO. Se esse cara não é o “maneiro” para os meninos de 13 anos, não sei quem mais pode ser.
  • Os Cavaleiros do Zodíaco. Eu sei. Eu sei que CDZ tem o reconhecimento que merece. E sei também que as críticas feitas a ele são sensatas pra caralho. Concordo com muitas delas, inclusive. Só que o que eu quero dizer aqui é que falta as pessoas valorizarem o quanto o CDZ usa de recursos de texto pra deixá-lo muito mais apelativo a garotos adolescentes. Como tradutor, foi uma tremenda infelicidade o Cavaleiros vir pro Brasil do jeito que veio e se consagrou do jeito “antigo”, porque em algum lugar do meu coração, eu acredito que se ele tivesse sido localizado por um profissional competente, ia ser uns 200% mais “maneiro”. Pelo amor de Deus gente, “Outra Dimensão” é muito tosco, vai. “Ave Fenix”, “Urna”… Tô devendo uma thread sobre isso, vou fazer.
    Pra vocês terem uma ideia, esse discursinho muito repetido pelo otaku brasileiro de que “aff Kurumada não sabe desenhar vei, a história também é cheia de furos” quase não se ouve no Japão, porque lá o CDZ é clássico de verdade, tipo Hokuto no Ken. E eu acredito de verdade que o texto original dá uma “mascarada” legal.

Bom, acho que era isso.

Agradeço de coração se você leu até aqui, haja paciência!
Se quiser discutir comigo sobre este ou qualquer outro assunto, geralmente tô no Twitter, mas pode me mandar um e-mail no nojiri.silva@gmail.com.

Agora, vá assistir ao excelente animê da Kyoto Animation, o Chuunibyou demo Koi ga Shitai!

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