A primeira caçada

Chris Rodrigues
9 min readMar 3, 2023

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Você provavelmente deve se lembrar da sua primeira caçada, ao contrário de muitos que só gargalham ao falar “Aquilo? Pfff, aquilo não é digno de ser lembrado, nem a primeira, nem a última, as únicas caçadas que merecem ser lembradas são aquelas que caçamos algo grande, algo poderoso”.

Blessa Strorm é uma nômade, seus descendentes eram caçadores de criaturas, sobreviviam fácil em terras desoladas, aonde a praga desconhecida consumia os moradores, desde pequenas plantações até seus familiares mais próximos. Com ela não foi diferente, mesmo que tivesse começado com algo pequeno, acabando com criaturas medíocres que atormentavam as vilas aqui e ali, e ganhando um pouco de respeito entre as pessoas, bom, as vezes respeito, as vezes medo. Mas aquilo já não era o suficiente, ela ouvia pela boca de viajantes que algo maior rondava as sombras, que algo maior estava se aproximando rapidamente por essas terras, mas nunca falaram o que era.

Em dada noite, durante uma de suas rondas pela vila que ficava, um pequeno grupo de goblins corria em sua direção, e achando que eles estavam ali para causar problemas, Blessa se preparou, afinal, era mais uma noite de trabalho. Mas, algo estava errado ali, era um pouco nítido na cara deles que não era só feiura que eles aparentavam, era medo. Os goblins se perderam no meio da noite correndo para longe da vila, ao contrário do que Blessa pensava, então ela decidiu seguir seu rastro, andando com sua espada e besta sacados, não muito longe dali, ela ouvia gritos, mas não eram gritos humanos, eram goblins gritando, pelo que parecia ser, pela sua vida.

Blessa se aproximou de uma árvore e olhava o que estava ocorrendo, o que era pra ser uma floresta verde, havia se tornado quase unicolor com o céu azul. Árvores, pequenas casas, tudo estava manchado pelo sangue dos goblins, e Blessa não conseguia achar quem ou o que tinha causado aquilo, a única coisa que ela percebeu foi uma cabeça de goblin rolando até seus pés, e então um grunhido tomou sua atenção, ele estava próximo.

Blessa se movia cautelosamente entre as árvores, se manchando com o sangue fresco de goblin para se camuflar dentro daquele cenário pútrido. Não havia sobrado uma alma viva naquele lugar, só pequenas pilhas de carcaças, Blessa pensou consigo mesma “Hah, se eu tivesse tomado outro rumo, quem sabe aprendido necromancia como aquele velho me disse uma vez, talvez isso fosse mais útil no momento”, e no segundo seguinte que ela concluiu seu pensamento, algo voou para cima dela, era a criatura, mas ainda assim, Blessa não conseguia discernir o que era aquilo que exterminou todos aqueles goblins.

Em todos os anos de caçadora, ela não poderia esquecer o principio básico, todas as criaturas tem seu ponto fraco, e aquilo, seja lá o que for, não seria diferente. Blessa desferiu um corte rápido no ar, e em segundos, a lâmina se fixou em algo, a criatura grunhiu em dor, um grunhido que poderia deixar alguns atordoados. Blessa sabia que aquela luta estava muito longe de terminar, no entanto, as coisas começavam a mudar de lado quando a criatura que agora tinha sua camuflagem começando a perder o efeito. Ela atacou Blessa com sua garras, um corte quase certeiro em seu peito, se não fosse a facada, aquilo poderia ter tido um resultado muito pior.

Blessa finamente conseguiu ver a criatura, com seus 2 metros e meio, um corpo híbrido, partes pareciam com um animal, partes pareciam mais humanizadas, as orelhas pontudas iguais a de um elfo, seus chifres formavam algo similar a uma coroa, talvez isso indicava que ele era o líder, se é claro, existissem mais daquelas criaturas, e tinha a cauda de uma cobra, e graças ao formato de seu corpo, ele poderia ficar tanto em duas, quanto em quatro patas.

A luta se prolongou por um bom tempo, e mesmo que Blessa houvesse acertado parte do seu peito direito, e tivesse um certo domínio com criaturas comuns, aquilo passava do comum para ela, ela nem ao menos sabia o que era, conhecia com a palma da mão a maior parte das criaturas que corriam essas terras, mas ela não deixou se intimidar pela forma, ou tamanho da criatura a sua frente. A criatura fez outro movimento, e de sua boca, chamas arroxeadas surgiram e foram direto ao encontro dos braços dela, que mesmo com sua agilidade, parte dele foi queimado, Blessa esbravejou: “Você quase acerta minha arma, criatura inútil”. Em meio a luta, a criatura era incessável, e usava de tudo para matar sua presa, e então, ela começou a enrolar sua cauda na perna de Blessa e começou a aperta-la, Blessa sentiu uma dor sufocante, mas conseguiu cortar a cauda, a criatura arquejou, virou e encarou a própria cauda se movendo no chão por uns minutos e se tornando estática logo em seguida. Tomando um pouco de distância, mesmo com a perna meio debilitada, Blessa mirava no rosto da criatura com sua besta, um tiro foi dado, a criatura se virou pra Blessa, e por falta de estabilidade na mira, ela desviou, outro tiro, e um de seus olhos, que estava com a pupila contraída, igual a de um gato atacando, se foi, só restava ali o buraco aonde o globo ocular ficava.

Com um grunhido ríspido, a criatura agarrou o braço com o qual ela havia atirado com sua besta e puxou ele com tudo, como a arma estava bem amarrada ao braço dela e parte dele estava queimado, aquilo rasgou sua pele. Vendo que Blessa estava sem uma de suas armas, a criatura se jogou em cima dela, numa tentativa de acabar de vez com a caçadora. Blessa, por sua vez, empunhou sua espada e acertou ela em cheio logo abaixo de seu queixo, quando a criatura desabou em cima dela. Em um último movimento, mesmo com a espada quase cravada, a criatura expeliu suas últimas chamas em Blessa, e devido as circunstâncias, ela não conseguiu desviar, e queimou parte de seu rosto. A criatura enfim havia morrido, Blessa empurrou a cabeça da criatura pro lado, e ficou sentada no chão de terra que começou a formar um pequeno rio num tom roxo escuro, devido ao seu sangue misturar com o da criatura. Blessa murmurava: “O que você é…? Não é nenhuma raça que eu já devo ter visto… e bom, nenhuma criatura que eu já tenha matado também, mas… quem sabe… uma quimera..? Apenas li sobre elas em livros por ai, nunca me surgiu casos de quimeras atacando o povoado que passei. Eu tenho que procurar”, ela se levanta com uma certa dificuldade e termina: “É, você não foi nada fácil, mas devo admitir que mesmo com a dor que está em quase todo o meu corpo, essa foi uma boa luta, voltarei depois para saber mais sobre você, pelo momento…”, e ela manca até a flecha com o olho da criatura, “…eu vou ficar com isso”.

Blessa seguia seu caminho de volta para a casa que estava hospedada, pensando aonde ela poderia encontrar mais sobre aquilo que quase a matava, e lembrou que na casa do governante daquela vila, tinha uma pequena biblioteca, talvez lá tivesse alguma indicação, ou pista sobre isso tudo. Ela passou a noite em claro pensando sobre, e passando faixas e faixas ao redor de onde a criatura a acertara e resmungava: “Maldito…. mas é uma bela cicatriz que tenho agora”, e viu seu rosto no reflexo da água, que agora tinha metade dele queimado, “Queimada… um pouco desfigurada, mas ainda viva, se beleza matasse, eu seria o ser mais santo dessas terras agora”. O dia passou, e Blessa, usando um pequeno cachecol para esconder a boca queimada, seguiu seu caminho para a biblioteca, chegando lá, ela foi parada por um dos guardas: “Ei você, eu… não conheço você”, o guarda olhava de cima a baixo para a mulher que ali parava em sua frente, com seus 1,80m, varias faixas pelos braços e perto do rosto devido as queimaduras, ela estava usando roupas mais pesadas, um tanto complicadas para serem usadas em caçadas, mas eram boas o suficientes para esconder os estragos que a criatura havia feito noite passada, e um tapa olho no seu olho esquerdo. Ela olhou fundo nos olhos do guarda e levantou o tapa olho, “Como não, amigo, não se lembra daquela que livrou sua família da praga de elementais de ar, uns meses atrás..?”, ele, mesmo sendo um guarda, fica em choque, “B-Blessa..? Mas, porque você está assim? Digo… toda enfaixada, e suas roupas não são as habituais quando você sai pra caçar, faz sol agora, e até mesmo, que estou na sombra, eu estou soando um pouco”, ela não falava nada, só abaixou um pouco o cachecol e mostrou as queimaduras, o guarda olhou surpreso e dá um passo para trás, “O-o que? Você..? Mas como? Você é a grande Blessa Strorm, nada te machuca tanto assim, pelo que eu lembre, né”, o guarda deu um sorrisinho nervoso, ela se arrumou de novo e disse: “Esse é o meu motivo de estar aqui, agora você pode, por favor, me deixar ir? Sinto que o tempo está ficando cada vez mais curto para nós”, e ele dá um passo pro lado, respirando fundo, “Qualquer um que fale com você, só fale o nome Yrrun, todos aqui te conhecem, mas… com esse visual, é melhor mencionar meu nome e não irão te incomodar”.

Quando Blessa procurava entre os inúmeros livros sobre o que aquela criatura que ela enfrentou era, ela encontrou um grimório, folheando suas páginas, ela achou descrições das mais abomináveis criaturas, mas uma lhe prendeu a atenção, aos poucos ela percebeu que aquela criatura no livro era exatamente o que ela enfrentará, “Pfff, um demônio? Essa é nova, e pelo que indica aqui, esse não vai é o primeiro… muito menos o último que irei achar por aí. Bom, acho que já está mais do que na hora de eu mesma subir de rank, ou seria status….? Que seja, está na hora de eu deixar de ser uma mera caçadora de monstros, eles podem apresentar perigo, mas diante de demônios?”, os olhos de Blessa começavam a brilhar quando pensava sobre essa nova caçada, “Talvez na minha antiga casa deve ter algo sobre eles, afinal, meus familiares caçavam criaturas das mais variadas espécies, com certeza eles acharam um ou outro demônio perdido por aí”.
Nenhuma pessoa havia incomodado ela tanto indo, como vindo da biblioteca, Blessa saiu de lá com um novo ar, e passou por Yrrun, balançando o grimório, “Demônios. E esse é o meu mais novo objetivo, segundo o que consta aqui… existe demônios que vinham da região de Helvet, mas pouco se sabe sobre ele, fora o que deve constar em outros livros por aí, mas com certeza eles já se perderam no tempo faz anos. E olha, que sorte a minha, né? Encontrei não só o grimório, como um demônio, dois mímicos numa disparada só, mas é…. talvez seja a última vez que nos vemos por aqui, Yrrun, obrigado pelo seu tempo, e pela casa que me ofereceu, você é um amigo valioso que não esquecerei, enquanto minha memória existir.” Yrrun ficou um pouco triste ao ouvir aquelas palavras, mas tenta não demostrar muito: “Blessa… você é uma caçadora exímia, sua familia teria orgulho de você, tenho certeza.” e ele entrega um cordão pra ela, “Fique com isso… era algo que queria te entregar quando chegasse a hora de você partir, pertenceu ao seu avô, nunca chegou nas mãos dos seus pais, porque eles nunca vieram pra cá.”, ela observou o cordão, na ponta dele, havia uma pedra em um formato de lua, de um vermelho nítido, que reluzia fortemente naquele sol, “Eu… eu não esperava isso, a única coisa que sei sobre minha familia, meus descendentes, todos seguiram o mesmo caminho, mas fora os mais próximos, meus pais… eu nunca ouvi falar mais nada sobre o resto.” Yrrun sorri, “É, imagino, ainda mais alguém que não para quieta uma vez, fica vindo e indo por ai, é dificil achar os rastros do que sua familia foi uma vez. Mas, você deve saber, eles tiveram uma casa, pode-se até dizer mansão, ao sul daqui, nas regiões gélidas, em Raire, lá você deve encontrar mais sobre eles, e até mesmo sobre…. bem, essas “novas” criaturas que você vai enfrentar.” Blessa acena com a mão, numa última despedida, “Adeus, eu acho, Yrrun, se eu voltar, inteira de preferência, e você ainda estiver aqui, te conto mais histórias sobre minha caçadas”, ela, no meio da frase ri um pouco, um riso abafado pelo cachecol, mas ainda sim perceptível.

Blessa havia se preparado para sair, mas antes, se lembrou que deixou alguém esperando, fazendo o mesmo caminho que fez naquela fatídica noite, ela retorna para o campo de batalha, que ainda permanecia intacto, como se os goblins não tivesse retornado, ou alguém tivesse a minima coragem de pisar lá. O cheiro não era dos melhores, mas isso pouco importava para Blessa, que retirava sua espada e o grimório que pegou na biblioteca, ela aprendeu que demônios conseguem se regenerar, assim como muitas outras criaturas, mas que isso poderia ser evitado se selasse o demônio em algum objeto, ou…. pessoa. O ciclo de regeneração iria terminar ali. Ela então empunhou sua espada, fincou no corpo da criatura, e disse “Fracos são aqueles que caem em batalha e não passam de um fragmento perdido de memória, Fortes são os que são derrotados e lembrados pela gloriosa luta que impõem. Com essa espada em mãos, eu, Blessa Strorm, selo você na arma que te desferiu o golpe crucial…” e completara com algo que não estava nos textos, “…e com você, eu início minha busca pelos Cem Demônios”, nomeando assim sua espada como Hyakki no Ken.

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Chris Rodrigues
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Written by Chris Rodrigues

Em curso para ser um dublador. Escrevo histórias legais e faço piadas aleatórias.

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