Os esquadrões da Nym se manifestam: TupiNymQuim em campo no Brasil
Reflexões sobre a luta pela democracia, privacidade online e liberdade
Após o Nym Dispatch da semana passada sobre a recente proibição do X/Twitter no Brasil, bem como o uso de VPNs para acessar a plataforma, a Nym entrou em contato com um de nossos queridos e dedicados Squads no Brasil, a TupiNymQuim, para obter sua resposta e perspectiva.
Um pouco de história: A TupiNymQuim é o primeiro Squad da comunidade brasileira da Nym. Seu nome vem da combinação de “tupinimquim”, uma forma de se referir a “coisas feitas no Brasil” e seus povos indígenas + Nym. A equipe se concentra no gerenciamento descentralizado da comunidade lusófona, operando mais de 20 nós e representando a Nym em eventos. O grupo é formado por programadores com interesse em hacktivismo e defesa da privacidade.
A seguir, um guest post de autoria de dois membros do TupiNymQuim sobre o que está acontecendo em seu país em relação aos efeitos sociais das grandes plataformas de tecnologia e mídia social, às lutas democráticas e ao livre acesso às tecnologias de informação e comunicação.
X (Twitter), VPNs e o limiar entre privacidade, liberdade e crime
Se a VPN fosse boa, o governo não saberia quais sites você acessa
O problema
Comentar sobre a recente escalada em volta da suspensão do X no Brasil passa por uma negação dupla:
- contra o uso de uma falsa e vazia noção de liberdade de expressão para legitimar crimes e projetos políticos extremistas
- contra a derrubada de uma plataforma que — ainda — se mantinha relevante para o debate público brasileiro
Mesmo que as críticas de piora na qualidade do serviço do ex Twitter fossem expressivas, a realidade é que o X era um veículo de informação e comunicação relevante para o Brasil, sobretudo no âmbito político.
A polêmica em torno do ministro Alexandre de Moraes de derrubar a rede em território brasileiro é somente a ponta do iceberg de um problema mais grave. Queremos dizer: como se portar perante indivíduos que possuem uma hiper-infraestrutura (e fortuna) disposta a fazer seus posicionamentos políticos extremistas ecoarem tão alto?
A paz velada na qual operam as big techs com sua suposta neutralidade política é apenas uma quimera que visa resguardar a imagem e o negócio dessas corporações. Entretanto, quando politicamente relevante, as big techs apoiam projetos políticos de interesse próprio, como recentemente ocorreu no congresso brasileiro.
A verdade é que é fácil se por fora de polêmicas quando os critérios daquilo que pode ou não ser viralizado está sob sua custódia. Ou melhor, quando está oculto em milhares de linhas de um código fechado e desconhecido para toda a sociedade.
Se as big techs e o X se apresentam como meios cômodos de acesso à informação e relevantes para a vida comum, por que elas não são auditáveis? E mais importante: o que fazer quando um seleto dono de uma dessas redes grita em prol de uma agenda de extrema direita?
Por que bilionários se vêem como super humanos?
Musk viu outra oportunidade de negócios com o controle de uma rede que influencia tanto o debate político. Ao invés do silêncio, o empresário opta pelo uso direcionado do ruído do X visando o aumento da sua receita em outros negócios.
Todavia, hipocrisia é pouco para descrever o comportamento de Musk. Ao rivalizar com uma jovem democracia como a brasileira, que recentemente resistiu e venceu um projeto golpista e anti-democrático, e se silenciar e posar ao lado de líderes autoritários, Elon Musk nos revela que a sua luta pela liberdade de expressão termina quando ela deixa de ser conveniente para o seu bolso.
Ao invés de questionar os absurdos do posicionamento trumpista de Musk (e sua necessária vinculação com a implosão da democracia), mais vale perguntarmos: por que permitimos que a voz de um único indivíduo, mesmo que rico, ecoe tanto? Por que deixamos ele ditar os eixos desse debate na sua rede? Por que ouvimos seus brados vazios, ao invés de taxá-lo em seu devido lugar? Dizemos: parasita fisiológico, que não se importa com nenhuma agenda que não seja seu enriquecimento.
A verdade é que a sociedade deixa essa abissal discrepância crescer na medida em que nos ausentamos de combater as big techs. Seja quando aceitamos termos abusivos de de privacidade, quando deixamos elas interferirem em nossas eleições ou quando permitimos que a infraestrutura de rede se concentre na suas mãos.
Para além de combater a verborragia extremista de Musk, temos que regular a atuação de indivíduos com tanta prospecção na estrutura das comunicações, diminuindo a desproporcional influência das visões ideológicas desses (sejam elas democráticas ou anti-democráticas).
A democracia dos juízes
Moraes foi nomeado para o STF pelo então presidente da república Michel Temer, que assumiu a presidência após dar um golpe em coalisão com o congresso para destituir a então presidente Dilma Rousseff. Foi também seu Ministro da Justiça antes de ser nomeado para a Suprema Corte.
Mantendo vínculos estreitos com a direita de São Paulo por mais de 20 anos, Moraes viu o nicho político no qual se construiu desabar. Após 2016, a direita tradicional brasileira, que vinha se construindo ao longo dos 30 anos de democracia, foi rapidamente substituída pelo bolsonarismo. Estando aquela velha direita, hoje, quase extinta; Moraes migrou do conservadorismo para o espectro político oposto.
Tendo votado recentemente a favor da descriminalização da maconha, Moraes mostra que, além de juiz, é mesmo um ser político e joga de acordo com a conjuntura em que se encontra. Nos perguntamos como ele teria agido se estivesse julgando não os atos anti-democráticos bolsonaristas em 2023, mas o início dessa contestação golpista em 2014, feita pelo candidato Aécio Neves, de seu antigo partido, o PSDB. Seriam os crimes cometidos pelo espectro político do qual Moraes cresceu menos graves que o espectro oposto?
Essas perguntas retóricas servem apenas para contestar a lisura de juízes politicamente nomeados. Serve ainda como uma crítica contra a concentração recente de poder na mão do judiciário e os possíveis riscos para a democracia brasileira, que com frequência vê a posição institucional de juízes blindá-los de abusos que cometem e polêmicas nas quais se envolvem.
Um princípio fundamental da democracia é a existência do equilíbrio entre os diferentes pólos de poder (judiciário, executivo e parlamentar). Entretanto, como se proteger quando esse equilíbrio é rompido? Ou quando ele é apenas teoricamente coerente e amplamente desrespeitado na prática? Que riscos temos ao ver um judiciário que cada vez mais governa por decretos e dá poderes extraordinários aos seus líderes?
Como governos vigiam você
Resumidamente: através da troca de informação com os provedores de internet (sejam de forma voluntária ou por intimações judiciais). No Brasil, alguns dos provedores de internet são Claro, Vivo e TIM.
Mesmo que o seu conteúdo seja encriptado, todos os metadados da sua comunicação (como de onde você fala, com quem você fala; se é texto, imagem, vídeo; o tamanho desse pacote de dados, etc) estão expostos.
Assim, herdamos a escolha feita de não embutir privacidade na arquitetura da internet e sofremos com uma rede quebrada, dominada por grandes conglomerados — inclusive com poucas empresas servindo de base para o hardware da rede — e simbioticamente unida à vigilância corporativa e estatal.
Mas tudo isso foi resolvido com as VPNs, certo?
Infelizmente, não.
A VPN enquanto tecnologia é fraca por uma questão de arquitetura: se não confiamos no provedor de internet e acreditamos que ele vai vazar nossas informações para terceiros, por que confiar numa VPN?
Nesse caso, estamos apenas transferindo a confiança. Numa tecnologia que visa a privacidade, “ter que confiar” em alguma instituição às cegas é sinal de fraqueza no desenvolvimento.
Mais vale apresentar uma alternativa de código aberto, auditável e que distribua a influência e gestão da rede para a mão de múltiplos operadores.
Obs: não estamos apoiando o uso do X por VPN. A verdade é que nem sentimos falta do X (já estava horrível mesmo). Só estamos alertando que a VPN que você usa pode e provavelmente irá revelar a sua atividade online se ela for veementemente intimada a tal (ou hackeada) — e se você estiver usando uma VPN gratuita, veja isso.
Quebrar o abuso de poder através da descentralização
É exatamente isto que estamos fazendo na Nym: criando a nova infraestrutura de rede que permite que seus pacotes de dados trafeguem de forma verdadeiramente anônima.
A NymVPN é na verdade sustentada pela Nym mixnet, que é uma rede descentralizada de servidores (nós) ao redor do globo e gerida autonomamente por indivíduos — ligados ou não à comunidade Nym.
Além de encriptar seus dados e metadados, a mixnet adiciona tráfego falso e ofusca o padrão de tempo dos pacotes. Assim, é impossível rastrear um pacote dentro da rede, nem mesmo os operadores dos nodes podem saber de quem é o pacote de dados ali distribuído.
Portanto, a Nym mixnet é a única tecnologia que te protege da identificação através da análise de metadados entre servidores da rede.
Distanciados de governos e big techs, estamos permitindo enfim a privacidade on-line na medida em que distribuímos a renda, influência e responsabilidade da gestão desse mercado da privacidade.
O que está ruim pode piorar
Por fim, vale ressaltar que a hipocrisia libertária de Musk é apenas o vislumbre da possibilidade de um futuro muito pior.
O que acontecerá se empresas como Amazon, Microsoft e Google, que detém 65% dos servidores de nuvem atual, começarem a expressar veemente e publicamente as suas preferências político-econômicas, como faz o dono do X?
Que medidas podemos tomar para encerrar a vigilância estatal e corporativa sobre nossas rotinas com o vazamento estrutural por parte das ISP e VPNs?
Como extinguir a praga das big techs que parasitam a criatividade, cognição e privacidade humanas em prol de uma internet mais livre e democrática?
De fato, o caminho é longo, mas a web3 surge como alternativa para quebrar esses monopólios e isolar de vez as empresas, governos e cibercriminosos das nossas vidas privadas.
Autoria: TupiNymQuim (psydenst e supermeia)