A paródia camp de “Não fale o mal”

Obituário do cinema
5 min readSep 12, 2024

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Escrito por Lucas Longhi

“Não fale o mal” é um filme dinamarquês de 2022, que mesmo sendo fraco em sua proposta, caiu nas graças do povo, o que atraiu a atenção de Hollywood… A Blumhouse, para ser mais específico. Esse estúdio é uma espécie de A24 para pessoas despretensiosas: Filmes de terror estilo fast food, com pouca relevância, mas que por se tratar de obras com pouco orçamento e geralmente de apelo à grande audiência, acabam dando um retorno significativo. Usando apenas um dos vários exemplos do estúdio: A adaptação de Five Nights at Freddy’s custou 20 milhões de dólares, e rendeu uma bilheteria de quase 300 milhões.

O estúdio adotou essa estratégia de focar em franquias já estabelecidas. Muitas de suas obras são licenciadas, como O Exorcista e Halloween, então foi lógico que esse trabalho de remakes e reboots se estendesse não só aos títulos clássicos, como também a possíveis novos hits globais. Quando um filme estrangeiro e que não seja da língua inglesa consegue algum tipo de repercussão internacional, é importante para o estadunidense médio que ele consiga assistir a esse filme por meio dos remakes, já que ver legendado nunca é uma opção viável para eles.

Dentro desse contexto, a Blumhouse comprou os direitos da adaptação de “Não fale o mal” e menos de um ano depois do lançamento do filme já anunciaram uma nova versão com a direção de James Watkins. Na trama, acompanhamos Ben (Scoot McNairy), sua esposa Louise (Mackenzie Davis) e sua filha Agnes (Alix West Lefler) quando vão passar um final de semana de férias na casa de outro casal que eles recém conheceram, Paddy (James McAvoy), sua esposa Clara (Aisling Franciosi) e o filho deles, o Ant (Dan Hough).

Desde cedo é construído uma tensão em volta do personagem do James McAvoy, o maior nome do elenco, ele possui atitudes excêntricas e é muito óbvio que ele é o grande antagonista, pois mesmo que o espectador não tenha visto trailer nenhum (que entrega muito) ou não tenha visto o filme original, sua moral é no mínimo duvidosa. Ele gosta de se expor, expor os que estão ao seu redor e deixar todo mundo sempre bem desconfortável com comentários maldosos e com muita malícia. Nisso, foi uma escolha de elenco bem acertada.

Já do outro pai de família, não podemos dizer o mesmo. Enquanto Paddy é um homem de atitude e extrovertido, Ben é um fracasso ambulante. Desempregado, ausente, covarde, e corno, ele não move um dedo para defender sua família em nenhum momento, se vitimiza o tempo todo por suas próprias ações e seu arco de desenvolvimento é intrigante, pois não existe uma virada para si, não existe uma transformação, e no final ele é o mesmo personagem do começo, se não pior. É tão insuportável as atitudes que ele toma ao longo do filme que eu estava torcendo para ele morrer.

Os esquisitos Paddy e Clara

A esposa de Ben, Louise, assume o protagonismo ao tomar as rédeas da situação. Ela é a única personagem lúcida e a única que enxerga toda a problema da outra família. Com uma atuação que começa sutil e se transforma em algo caricato, ela parece ser a única pessoa que quer proteger a família no meio desse caos que cresce gradativamente ao longo do filme.

No meio termo está Agnes, que puxou um pouco do pai e um pouco da mãe. Apesar de ter coragem de cortar-se para criar um contexto para falar a sós com eles, ela não tem a capacidade de se comunicar durante os dois dias que já haviam decorrido para expor o que o seu amiguinho Ant estava lhe mostrando. Pra quê contar pros seus pais que seu amigo estava cheio de cicatrizes e hematomas?

Agnes, Louise e Ben

A direção desse filme é, no mínimo, preguiçosa. Os planos são montados da forma mais tradicional possível, sem inspiração alguma. As cenas de ação são mal coreografadas, o que é evidenciado pela montagem apressada e confusa, que não dá brecha para entendermos o que está acontecendo, isso nos impede de nos conectarmos com o filme e sentirmos qualquer tipo de tensão que seja, a nossa frustração pelas atitudes burras dos personagens não nos fazem torcer por eles.

Mas uma coisa interessante aconteceu comigo. No início, o filme tenta trazer um tom mais pesado e sério. Depois, ele começa a inserir uma ou outra piada fora do tom. Quando o terceiro ato do filme se inicia, uma série de decisões estúpidas tiram toda a credibilidade dos personagens, transformando a obra em uma caricatura do original, mais parecendo uma paródia que ridiculariza sua base. Foi nesse momento que eu entendi. É um filme da Blumhouse. É um filme camp.

Eu já sabia que o final seria diferente, já que um filme hollywoodiano não teria coragem de mostrar uma criança ser brutalmente mutilada e depois ter seus pais assassinados a pedradas. Então, nada mais lógico que tirar o horror e a violência do original e colocar uma cômica releitura de Esqueceram de mim para a conclusão.

Gostaria que o filme tivesse abraçado essa ridicularização da violência desde o começo, mas isso só acontece do meio pro final e por isso parecem dois filmes diferentes, com duas propostas diferentes. É como se no começo eles tivessem tentado fazer uma adaptação fiel, mas depois foram abandonando a proposta aos poucos até virar uma comédia pastelão. No fim, “Não fale o mal” de 2024 não acaba sendo nem uma coisa, nem outra.

Visto em 10/09/2024

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