O prazer da liderança
Você sabe distinguir a origem dos prazeres?
Tinha uns 20 anos quando li um artigo sobre liderança numa revista australiana. Nessa época ainda morava no Peru e fazia parte da diretoria de uma comunidade religiosa. Era um dos representantes dos jovens que — naturalmente para essa idade e esses tempos — queríamos mudar o mundo, começando pela instituição na qual estávamos inseridos. Não tivemos sucesso dessa vez, mas alguns de nós, de algumas maneiras, mudamos um pouco por dentro.
Outros, contudo, seguiram o caminho da liderança aquela, a que era conhecida nesse então pela maioria das pessoas. A que ainda hoje é praticada pela maioria dos que ocupam altos cargos em organizações e determinam os caminhos pelos que elas andam. Aquele modelo de liderança, como sabemos, precisa ser atualizado.
O artigo era disruptivo para a época. Uma época na qual o termo ‘disruptivo’ não carregava o significado que lhe atribuímos nos dias de hoje. Convenci quem precisava que a ideia era boa e então saí divulgando nos treinamentos para líderes daquela instituição o que tinha aprendido sobre essa liderança disruptiva. Eu falava de coisas que não iam muito com a cara da maioria dos que frequentavam esses encontros de capacitação, que iam esperando ouvir algo do tipo ‘cinco dicas definitivas para liderar pessoas’. Falava sobre saber qual era sua história pessoal, sobre entender de onde vinham suas ideias, seus comportamentos e coisas semelhantes. Hoje chamamos isso de autoconhecimento, e já tem gente que aceita a ideia de que precisa se preocupar com isso, mas ainda é a minoria dos líderes. Falta, ainda, muito por mudar.
Há um prazer em nos sentirmos os melhores.
O prazer de julgar o que é certo e o que não. O prazer de sermos servidos. Precisamos investir um bocado de energia em nosso autoconhecimento para podermos entender que prazeres como esses guiam nosso caminho de liderança em grande parte do tempo. O prazer de nos sentirmos potentes — ou omnipotentes — pela posição que alcançamos. O prazer do reconhecimento daqueles que lideramos. A verdade é que a liderança pode estar circundada dos mais variados prazeres, que muitas vezes nos são transparentes (não os percebemos), e aos que vamos abrindo cada vez mais espaço, sem refletir. Afinal, quem não gosta de sentir prazer?
Suspeito que, assim como eu, você gosta mesmo do prazer. Aquele sentimento agradável que alguma coisa faz nascer em nós. Deleite, gozo, alegria, contentamento, divertimento. Gosto mesmo dessas coisas. E a liderança pode trazer muito disso.
Esses prazeres, porém, não precisam vir do lugar de liderança. Me sentir o melhor eu que posso ser. Inspirar o outro a entender o que é adequado e perceber que a ficha cai. Sentir que sou servido enquanto sirvo. Produzir algo que não imaginava possível. Conexões não pensadas com outras pessoas, que se concretizam graças a uma boa reputação. São lugares localizados dentro de mim, não fora, que desatam os nós do prazer de uma maneira que a cada noite, ao colocar a cabeça no travesseiro, durmo tranquilo.
Não tinha esse entendimento antes de ler aquele artigo. E suspeito que muitos nunca terão a oportunidade que tive. E, apesar dessa sorte, devo confessar que não coloquei em prática de maneira satisfatória o que tinha aprendido. Andei no caminho dos prazeres da liderança muito tranquilamente, sem remordimentos, sem sair da transparência. Até, claro, tirar isso da transparência.
Vejo de longe, e acompanho de perto, líderes que nestes tempos estão caminhando por esses caminhos e é para eles que escrevo, torcendo para que a semente lançada caia em boa terra, e torcendo para que a semente seja boa em si.
A liderança é um assunto sempre relevante para toda sociedade, mas precisa ser constantemente atualizada para se tornar eficaz no seu contexto. Espero contribuir escrevendo aqui, para inspirar aqueles que irão inspirar a liderança de outros, a buscarem boas fontes de prazer — inclusive na liderança que ocupam — que permitam construirmos juntos um mundo mais colaborativo.