Pais

oscar calderon
4 min readMay 20, 2016

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Da Doo Ron Ron, Da Doo Ron Ron, Da Doo Ron Ron

Vi no MundoRaiam o vídeo da entrevista que o Esporte Espetacular fez dele nos Estados Unidos. Num trecho ele conta como o Francisco, seu pai, o inculcava a sempre se esforçar mais. Se tirava 9,5 numa prova era questionado por não tirar 10. Se tirava 10 não estava fazendo nada mais do que a obrigação. Esse tipo de criação fez dele tentar sempre mais e mais, se esforçando a sair da média. Para você ter uma ideia, ele declara na entrevista que quer ser presidente do Brasil. Só. Sem dúvida a sabedoria do pai, semeando no campo fértil do Raiam, colheu resultados. O que me tocou, porém, foi quando conta que nunca ouviu o pai falar que estava orgulhoso dele.

Parece ser que coisa de mãe é dizer para o próprio filho e para os demais que está orgulhosa dele. E parece ser que coisa de pai é dizer para o próprio filho que ele ainda precisa fazer mais, e para os demais que está orgulhoso dele. Na minha família, pelo menos, era assim.

Meus pais faleceram em 2010. Entre a partida de um e outro só quatro meses de diferença. Circunstâncias bem diferentes. Costumo dizer que já tinha perdido a minha mãe tempo antes dela partir, atacada por várias doenças entre as quais uma pseudo-demência. Não dou bola para quem não gosta de me ouvir falando isso. É o que eu sinto. Gosto de lembrar tudo o que vivi com ela enquanto estava saudável. Meu pai, com certeza, nem por um instante pensou isso, e dedicou seus últimos anos de vida a cuidar diariamente dela, esforçadamente. Nunca pensou que já a tinha perdido. Admirei-o muito por causa disso.

Já dele, costumo dizer que partiu cedo. Muito cedo. Cedo demais. Tinha passagem comprada para vir passar as festas de fim de ano comigo e um AVC fulminante o levou dois dias antes de embarcar. Ficaram muitas conversas na ponta da língua. Muitos anos para turbinar nosso relacionamento e quem sabe construirmos juntos o que construí desde cedo com a minha mãe.

Amei os dois. Muito. Com todas as brigas e discordâncias que tivemos. Com todas as faltas. Com todos nossos defeitos de comunicação. Amei muito.

Sinto que perdi a minha mãe muito antes dela partir porque não perdeu nenhuma oportunidade de se conectar comigo. Desde criança me incentivou, me fez sonhar, me acariciou, me corrigiu. Sinto que perdi meu pai cedo demais porque não tive tempo para acariciá-lo mais e fazê-lo voltar a sonhar. Estávamos prontos para isso. Partiu antes do tempo.

Na primeira série, ela me levava pela mão à escola e, sutilmente, me ensinava diariamente como amar uma mulher ao cantar ‘when he walked me home’ na versão que os Carpenters fizeram de ‘Da Doo Ron Ron’, aquela música das Crystals. Ele me ensinou a dirigir, me levou para tirar carta de motorista e depois dificilmente me liberava o carro para sair com a namorada. Até hoje não sei se agradeço ou não por isso.

Capa do LP ‘Now &Then’ dos Carpenters que tínhamos em casa

Aprendi com ela a me comparar somente comigo. A tentar ser melhor hoje do que ontem em lugar de tentar ser melhor do que alguém. Com ele, aprendi a ter convicções, a ser firme nas decisões e a dar um lugar de preeminência para minha família de sangue.

Com ela descobri o cinema. Com ele cada peça dos eletrodomésticos que desmontávamos, e os choritos a la chalaca do Club Terrazas, lá em Miraflores aonde íamos para comer uma porção cada vez que pintava uma oportunidade. Minha mãe comprou o primeiro micro que tive em casa. Ele me ensinou a usar o sistema de som para gravar em fitas o que estava nos LPs e nos compactos, na rádio e qualquer coisa que o microfone pudesse captar.

Coisas que curtíamos em família tendo uma costa oeste a disposição

Com ambos descobri que um bom lugar para me sentir feliz é na presença simultânea de uma praia, um mar e um pôr do sol. Aprendi a organização quase que obsessiva, o comprometimento espiritual e a andar pelados pela casa. A rir bastante, a chorar em silêncio, a cumprir prazos, a cumprir promessas, a ser pontual e a dormir em paz. Aprendi, com os dois, a ser um pouco de exatas e um pouco de humanas.

No final do vídeo o repórter estimula uma resposta do pai do Raiam sobre o que ele sente ao ver o filho fazendo o que faz. — Orgulho — é o que diz sem titubear. Imaginei por um instante o meu. Me tocou.

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