Sites de Freelance: quando fica difícil ver onde estamos pisando

Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil
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6 min readJun 4, 2015

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Existe um submundo nos sites para designers freelancers (e para freelancers de outras atividades também, creio eu) para o qual vale a pena dirigir um olhar crítico. Longe de apontar certos e errados, meu objetivo com esse relato é muito mais questionar (e estimular questionamentos) do que propor respostas. É fazer com que no mínimo, algumas reflexões surjam em quem ler, da mesma forma que surgiram enquanto testemunhei o que passarei a contar nos próximos parágrafos.

Sou designer gráfico. Formado há 15 anos, e desde então trabalhei primordialmente na iniciativa privada. Passei por agências e empresas de comunicação visual em campos e atividades diferentes, mas sempre na iniciativa privada. Quando se trabalha nesse sistema, você até faz um freela ou outro, mas o tempo e a dedicação exigidos por um “trabalho de carteira assinada” (ou uma sociedade em uma agência, como acabou acontecendo comigo) acabam fazendo com que o freela não seja o seu foco principal, tampouco o que você irá fazer com mais frequência. Os anos se passaram, e os freelas eram eventos esporádicos em minha rotina. Embora eu acredite que nenhum designer, por mais ocupado que seja, deixe de fazer um freelazinho aqui ou acolá.

Eis que vieram tempos de crise, redução drástica de verbas de publicidade, clientes falindo, outros mudando tudo e a necessidade de realinhamento da empresa para enfrentar esses novos tempo. A desmobilização do escritório por razões de contenção de custos foi um fruto desse realinhamento, e fez com que nós, os colaboradores, passássemos a trabalhar em sistema de Home Office. O que criou espaço para tentar algo novo (ou melhor, ressuscitar algo velho): o home office me deu o tempo que eu gastava em deslocamento para usar de forma que melhor entendesse. Além de trabalhar como tradutor nessas preciosas horas vagas, resolvi reativar a “freelância” que estava adormecida e tentar fazer com que sua volta à vida, assim como a tradução, me viabilizasse um complemento nos ganhos tão lapidados por tempos bicudos.

Me cadastrei em um desses sites de mediação de serviços de freelance entre designers, redatores, produtores de conteúdo em blogs, jornalistas e afins e pessoas que desejam contratar seus serviços. Sendo (ou pelo menos procurando ser) um ser humano minimamente bem informado, me armei das melhores informações, dicas e insights a respeito de “como ser freelance”… como se eu já não soubesse, ou pior, como se isso fosse suficiente! Mas sendo um ser humano sedento por informação, eu não estaria sendo fiel a minha própria personalidade se me atirasse a uma atividade (mesmo sendo uma que conheço) sem procurar assuntar “o que está rolando por aí no momento”. Bem, independente do meu desejo de saber o que era ser freelance hoje, tanto tempo (e tantos garotos e garotas talentosos, jovens e sedentos por trabalhos a mais no mercado) depois, o questionamento com o qual eu fiquei com relação aos serviços de mediação de freelance muito pouco tem a ver com você ser ou não um bom profissional, com você estar bem preparado ou não para o mercado.

Muitos “e-books de dicas matadoras para você ser um freelancer de sucesso” martelam regras e regras óbvias como “conheça seu público alvo”, “mantenha-se bem informado”, “estude sempre”, “seja um bom profissional”, “conheça o valor do seu tempo e seu trabalho”, “saiba como cobrar”… Sério? Bom, de acordo com essas “regras de ouro” que parecem ter saído direto de livros de autoajuda, se você seguir tudo direitinho, será um freelancer de sucesso, os trabalhos choverão e você ganhará muito mais dinheiro por conta própria do que trabalhando pra algum malvado patrão explorador. Ok, ok, às vezes a transição do mundo da fantasia para a realidade pode ser um pouco chocante. E eis que durante mais ou menos um mês observando o site de freelas, algumas características um pouco estranhas começam a surgir:

1-Clientes “estranhos”

Pelo fato de ter me cadastrado não só como designer, mas também me disponibilizando para serviços de tradutor e produção de textos em geral, acabei vendo gente pedindo trabalhos como “preciso de redator para resumir livro de história do autor fulano de tal”, aí você vai ver uma descrição mais detalhada do trabalho e percebe que parece haver um estudante de vestibular do outro lado da tela querendo te pagar pra você fazer um resumo “sem uso de palavras difíceis” para ele poder estudar. Peraí, eu entrei numa máquina do tempo e voltei pra época do ensino médio, é isso?

Outros casos e clientes estranhos são aqueles que te mostram uma logomarca de um concorrente e pedem pra você fazer uma “igual mas diferente”, tem o cara que escreve que deseja que você faça um trabalho “marcante, dinâmico, poderoso, vitaminado e absoluto”, e no dia seguinte você vai olhar, o cara cancelou o projeto.

2-Figurinhas carimbadas

Você entra num site que tem mais de 20 mil curtidores no Facebook, um bom público especializado de profissionais, mas quando começa a analisar os serviços à disposição em uma determinada área (design gráfico, por exemplo), percebe que o grupo de profissionais que estão no topo das listas é minimamente variado. Figurinhas carimbadíssimas, que dão a impressão de que você está vendo um ranking mundial de algum jogo online, onde o objetivo é tão e somente estar no topo da lista. Sem contar que se aquele profissional ganhar 1/10 das propostas às quais se candidata, ele não vai ter condições humanas de conseguir cumprir os trabalhos no prazo, visto que se oferece obsessivamente para virtualmente TODAS as propostas naquela área do site. E como ele vai arranjar tempo pra trabalhar, visto que aparentemente fica 100% do seu tempo se candidatando? É o tipo de questionamento que eu ficaria muito feliz se alguém me esclarecesse.

3-Preços muito (ou melhor, MUITO) abaixo do mercado.

Bom, eu nunca concordei com aquela história de que “o sobrinho rouba o trabalho do designer”, etc e tal. Sempre achei que cabe ao profissional achar seu caminho, há espaço pra todos e há quem pague tanto pelo design ruim de um sobrinho quanto pelo design bom de um bom profissional. Por isso o Dolly custa menos que a Coca-Cola. Mas como temos no Brasil uma cultura de espertos, a liberdade econômica ainda não é um conceito muito familiar a pessoas que foram criadas e amamentadas achando que pra tudo tem que ter uma lei, que a solução pra tudo tem que vir do estado. Não tem, pelo contrário, o estado (especialissimamente o nosso) atrapalha muito mais que ajuda. Mas a questão é: posso ser o mais liberal possível enquanto profissional e achar que se o cara quiser, ele não é obrigado a pagar o meu preço pelo meu trabalho e procurar um profissional mais barato. Mas por outro lado, não vou deixar de achar estranho um cara que é dono de uma empresa, que presta serviços e vende produtos, certamente por um preço que ele considera justo, querer achar que R$28 é um preço justo pela criação de uma logomarca. Amigo, não é.

Acompanho em eventos, beijo na boca, chamo de “meu amor” e ainda faço grátis o cartão de visita!

Enfim, minha intenção aqui não é criticar alguém que está tão desesperado para pegar um trabalho que baixa algo que precificou por 100 reais para 28. A intenção é tentar entender porque uma empresa teoricamente séria embarcaria em algo do tipo. Imagine o seguinte cenário: você entra numa concessionária, digamos da Toyota, disposto a adquirir um Toyota Corolla e o vendedor te informa que ele custa R$70 mil. Ok, agora experimente dizer que você foi até a concessionária ao lado, digamos da Honda, e o vendedor de lá te fez um preço mais barato no Honda Civic. Será que o vendedor da Toyota, na ânsia de te vender o Corolla vai te dizer “Que isso meu amigo!Compra comigo, vou baixar o preço de 70 mil pra 19 mil. E ainda te dou dois anos de gasolina grátis.” ? Será? Eu tenho certeza que não , mas foi exatamente o que aconteceu na negociação acima. Eu sei que design não é carro, que os tempos estão estranhos, eu sei de tudo isso. Mas é de acordo com o que eu falei lá no início, assim como o Chacrinha, eu vim pra confundir, eu não vim pra explicar. Espero que da confusão saiam boas ideias. É muito comum sair.

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Odemilson Louzada Junior
Medium Brasil

Desde 1974 driblando a lei de Murphy. Conseguindo na maioria das vezes.