Chore. Grite. Brigue. Faz parte do equilíbrio

Gael Rodrigues
4 min readJul 19, 2016

--

Logo após meu primeiro ataque de pânico me vi diariamente sendo posto a prova. A toda hora era como se estivesse experimentando um mundo novo. Sair de casa para poder comer num restaurante era uma aventura. Ir ao cinema e ficar duas horas numa sala escura e trancado doía como uma tortura. Subir uma ladeira e sentir uma leve palpitação ativava minha paranóia em ter um ataque cardíaco. Coisas antes cotidianas se tornaram um desafio. Era como se eu estivesse nascendo de novo e experimentando sensações. Aprendendo a respirar. A tirar conclusões. Eu estava tão cheio de medo de ter outro ataque de pânico (tremedeira, falta de ar, taquicardia) que cada movimento que eu fazia era um martírio. Viver tinha se tornado insuportável.

Passei a meditar, fazer exercícios de respiração, tomar chás calmantes e tudo isso de alguma forma me ajudou. Ajudou-me muito na verdade. Acalmar-se, e ter sua cabeça silenciosa por alguns momentos é um remédio valiosíssimo. O mundo ao meu redor, porém, não ajudava. Uma obra barulhenta na frente de casa num sábado de manhã, um prazo prestes a acabar no trabalho, aquela pessoa que sempre fazia questão de me irritar. Tudo conspirava para tirar minha calma e paz.

Respira.

Medita.

Volta a paz.

Eu me tornei ainda mais ansioso. O mundo estava sendo sarcástico comigo mais uma vez. Encontrei a paz como há tempos não sentia, mas há todo tempo ela era destruída pelas coisas ao meu redor. E assim voltava a taquicardia,

falta de ar,

confusão de idéias.

A cada momento eu criava novas teorias de como superar aquilo. 1) Afastar-me de pessoas que me faziam mal (ou que eu julgava me fazer mal), 2) sair menos de casa, 3) evitar lugares agitados. 25) Comidas mais leves, 26) menos bebidas alcoólicas, 128) cor das roupas também resolveria. A cada novo plano uma nova frustração ao ver de novo a taquicardia e todos os outros sintomas da síndrome de pânico. Não havia funcionado. Eu mal novamente, me prostrava na cama e caminhava como um zumbi pelas ruas. Após algum tempo voltava a euforia e a vontade de tentar algo novo. Essa montanha russa de emoções estava me matando.

Às vezes eu só queria chegar em casa, deitar e chorar.

Chorar.

Até me dissolver.

Mas eu não podia chorar. Eu tinha que ser forte. Aquilo não podia me vencer.

Até que um dia, quase um ano após o primeiro ataque de pânico, eu chorei. Eu havia levado o décimo terceiro pé na bunda (no ano) de alguém que eu estava conhecendo, e chorei. De repente, percebi o que estava acontecendo e passei a chorar mais, mas dessa vez de

felicidade.

Pela primeira vez em um ano eu estava chorando por alguma coisa que a vida tinha me dado. Eu não estava chorando porque a ansiedade estava me matando, ou porque a taquicardia prenunciava no meu peito. Dessa vez não chorei pelo medo de ter um ataque em público ou por me sentir flutuando e estranho. Eu estava chorando porque estava triste com um fato da vida e não por medo de minha doença.

Eu era humano novamente.

Eu estava sentindo o mundo novamente.

Chorei de felicidade e percebi que estava no caminho certo.

Não vivemos num monastério, num ambiente calmo e em voto de silêncio. Vivemos num mundo agitado, com estímulos a todo momento. São notícias boas e ruins, uma pessoa que não para de gritar ao seu lado no ônibus, um chefe que dias está sorridente e noutro mal humorado. O filho que acordou vomitando e aquele melhor amigo que acabou de se separar e você precisa dar uma força.

O mundo não para.

E ele não pode ser idealizado. Se você respirar profundamente irá se acalmar, mas isso não te transformará num monge tibetano. Não porque você não possa ser um monge. Mas porque você não vive num mundo perfeito sem estímulos. E não reagir a esses estímulos, ou ter medo de reagir a eles só causará mais ansiedade. Você não pode parar o mundo, controlar o humor das pessoas ao seu redor. Em algum momento do dia você se irritará com algo. Ficará triste. Extremamente feliz. O mundo está girando e você junto com ele. Tentar se manter plano, e sem reações a esse mundo só te tornará mais ansioso. Simplesmente porque é impossível.

É normal chorar com uma decepção. Brigar com seu amigo que te ofendeu. Gritar com sua irmã quando ela fez algo que você não gostou. Respirar e tentar não agir de forma explosiva é bom. Mas reagir aos estímulos do mundo também faz parte do equilíbrio. Meditar e ficar de boca fechada no alto de uma montanha onde nada acontece, é o esperado. O natural num mundo agitado e veloz como o nosso é gritar de volta, chorar quando necessário, brigar pelo que se acha certo. Calar-se e guardar seus sentimentos enquanto tudo ao redor pega fogo não te torna um ser equilibrado. Você se torna um homem bomba. Um dia toda essa energia vai ter que ser solta. E talvez você não sobreviva a essa explosão.

Não tenha medo de sentir. E de mostrar o que sente. Chorar faz bem. Gritar com alguém faz bem. Se foi desmedido, depois peça desculpas pelo grito. Repense se aquele choro era necessário e quantas vezes você já chorou por aquele motivo. Mas não deixe de sentir. E nem de extravasar. Não esqueça que você é um ser humano. E o mundo não se importa se você está preparado para isso ou não.

--

--