Libertários necessitam ser conservadores | Por: Fhoer | Revisão: Demolidor

O Ideal
19 min readJul 11, 2019

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Introdução

O presente artigo é uma resposta a esta crítica ao capítulo X (p. 223–257) do livro Democracia o Deus que Falhou do autor Hans-Hermann Hoppe. O motivo da resposta é que o artigo supracitado trata de diversas citações sem uma ordem clara nos assuntos, o que acaba por tornar o conteúdo de difícil assimilação, podendo causar equívocos quanto ao pensamento de Hoppe. Assim, esta resposta será elaborada na correta ordem da crítica apresentada pelo autodenominado “libertário progressista” com o devido desmembramento das partes para melhor compreensão.

O conservadorismo é, sem dúvidas, tema de suma importância dentro das escritas de Hoppe para a manutenção de uma sociedade libertária. Ele é o caminho para se atingir a ordem natural e, enfim, ter uma sociedade de leis privadas, esta, por sua vez, de total acordo com a Lei Natural.

Portanto, antes de adentrar ao tema, necessário se faz apresentar um glossário das próprias definições do Hoppe no capítulo, a fim de deixar claro o que se quer produzir e, também, para evitar equívocos do leitor oriundos do artigo em resposta e sua crítica inexata.

Em seguida, passar-se-á para as respostas em si, com a devida referência das citações e explicação dentro do que Hoppe produziu em sua obra.

Glossário

Conservadorismo: 223–244, 255, 257

Lei privada: 249

Libertarianismo conservador: 238 e 239

Libertarianismo de esquerda/progressista: 240 e 241

Libertarianismo moral e cultural: 228, 235 e 240

Libertarianismo: 236

Modelo de sociedade libertário: 248 e 249

Multiculturalismo: 226, 240–244, 253 e 273

Ordem natural: 223

Propriedade privada e discriminação: 244–248

Fundamentos do Conservadorismo

Quando o crítico começa delineando seus argumentos acerca do que vai tratar em seu artigo, ele ignora importantes informações que Hoppe tratou na primeira página que inicia o capítulo em questão.

Antes de abordar o que foi esquecido, o crítico partiu direto para o seguinte ponto (HOPPE, 2014, p. 224–225):

Conservador’ refere-se a alguém que reconhece aquilo que é antigo e natural através do ‘ruído’ das anomalias e dos acidentes; refere-se a alguém que o defende, o apoia e ajuda a preservá-lo contra aquilo que é temporário e o anômalo. […] Deixem-me agora efetuar uma avaliação do conservadorismo contemporâneo e, em seguida, explicar (1) a razão pela qual os conservadores da atualidade devem ser libertários antiestatistas e — o que é igualmente importante — (2) o motivo pelo qual os libertários devem ser conservadores.

Agora que foi exposto o que o crítico usou como alicerce para o início do seu artigo, necessário se faz abordar o que Hoppe (2014, p. 223, destacou-se) diz na página anterior:

Deixem-me começar analisando dois sentidos possíveis do termo “conservador”. O primeiro significado é imputar a característica de conservador a alguém que normalmente apoia o status quo; i.e., a uma pessoa que deseja conservar as leis, as regras, as regulações e os códigos morais e comportamentais que existem em um determinado ponto no tempo. Em virtude de diferentes leis, regras e instituições políticas existirem em tempos diferentes e/ou em locais diferentes, aquilo que um conservador apoia depende do lugar e do tempo, modificando-se de acordo. Ser um conservador, assim, denota nada de específico, exceto gostar da ordem existente, qualquer que seja ela. O primeiro sentido, então, pode ser descartado. O termo “conservador” deve possuir uma acepção diferente. O que ele significa — e, possivelmente, somente significa — é isto: “conservador” se refere a alguém que acredita na existência de uma ordem natural, de um estado de coisas natural, que corresponde à natureza das coisas; que se harmoniza com a natureza e o homem. Essa ordem natural é e pode ser perturbada por acidentes e anomalias: por terremotos e furacões; por doenças, pragas, monstros e bestas; por seres humanos de duas cabeças ou de quatro pernas; por aleijados e idiotas; e por guerras, conquistas e tiranias. Mas não é difícil distinguir o normal do anormal (anomalias), o essencial do acidental. Um pouco de abstração dissipa todas as confusões e permite que quase todos “vejam” o que é e o que não é natural, o que se encontra e não se encontra de acordo com a natureza das coisas. Além disso, o natural é, ao mesmo tempo, o estado de coisas mais duradouro. A ordem natural das coisas é antiga e sempre a mesma (apenas anomalias e acidentes sofrem mudanças); portanto, ela pode ser reconhecida por nós em todos os lugares e em todos os tempos.

Bastante esclarecedora esta citação não mencionada pelo crítico, pois o próprio conservadorismo prevê a manutenção da ordem natural, esta não sendo em si criada por instituições, mas, sobretudo, atingida por meio da criação de instituições, que estão fundamentadas em princípios perenes. Se tal ordem for perseguida assiduamente, a sociedade será mantida de forma duradoura nesta condição. Isso posto, o conservador necessita zelar pelo princípio que enseja a ordem natural, o qual Hoppe determina como a Ética Libertária. É justamente por isso que é inescusável que todo conservador seja um libertário, alinhando sua moralidade com a ética.

Após essa explicação, analisa-se as consequências da esquiva da primeira premissa, onde Hoppe trata dos conservadores contemporâneos [p. 225]. O primeiro problema foi assumir como algo desnecessário por ser “pauta eminentemente conservadora”, sendo inadvertida a negligência em trabalhar de acordo com a definição do conceito de conservador antes apresentado por Hoppe, conforme sua fundamentação no início do capítulo [p. 223], substituindo-a por um recorte simplificado [p. 224].

Lembrando que faltou clareza ao crítico no que tange à base de que a ordem natural nada mais é que a consequência da obediência à Ética Libertária, esta, por sua vez, a lei primordial capaz de justificar as interações sociais com fulcro na propriedade privada.

Da mesma forma que instituições que seguem a ética não a “criam”, instituições que convergem à ordem natural não a “criam”.

Então, o crítico entra na discussão do ponto 2 [p. 225], que é denominado por ele, como “pauta libertária” (HOPPE, 2014, p. 239, destacou-se):

Não obstante essa diferença, ambas concordam em um aspecto fundamental. Os conservadores estão convencidos de que o ‘natural’ e o ‘normal’ é antigo e generalizado (e assim podem ser discernidos em todos os tempos e em todos os lugares). Do mesmo modo, os libertários estão convencidos de que os princípios da justiça são eterna e universalmente válidos (e, portanto, devem ter sido essencialmente conhecidos pela humanidade desde os seus primórdios). Ou seja, a ética libertária não é nova nem revolucionária; ela é antiga e conservadora. Até mesmo os indivíduos primitivos e as crianças são capazes de compreender a validade do princípio da apropriação original, e a maioria das pessoas normalmente costuma reconhecê-lo como uma realidade indiscutível.

E se não fosse o bastante, Hoppe aborda, logo antes dessa citação [no livro], que a visão libertária e conservadora sobre a sociedade são compatíveis, mesmo que haja, a princípio, uma diferença metodológica, passagem que parece convenientemente ocultada pelo crítico. No entanto, isso não impede que o crítico afirme que a Ética Libertária não seja conservadora, ignorando a ênfase que Hoppe faz na conservação da ordem natural que é resultante do alinhamento com a lei natural.

Assim, sua narrativa que seria possível postular outros aspectos “eminentemente conservadores” [linguagem, sexo, pecado] é uma interpretação desconexa e inversa a o que é proposto por Hoppe, pois tais aspectos não têm uma relação direta como a ética e a ordem natural têm, justamente por estes serem conceitos absolutos. Esse equívoco ocorreu justamente por ignorar a primeira página do capítulo e distorcer o que é exposto.

Então o crítico faz uma comparação entre progressistas e conservadores, afirmando que nada se tem a dizer sobre a validade de ambos os lados, pois se tratam de escopos diferentes [moral e ética]. Veja, Hoppe já demonstra que a adoção dos valores morais demonstrados como corretos pela ética já é a forma de atingir uma ordem natural e qualquer desvio destes valores seriam apenas anomalias e acidentes.

Destarte, por meio dessa investigação, o divortium aquarum entre conservadorismo e progressismo é que o segundo é o próprio desvio do curso natural da civilização. Ademais, o crítico não definiu o sentido de progressismo que adota em sua dissertação, ignorando a forma que fora clarificada originalmente por Hoppe. A consequência disso é um termo vago e vazio, permitindo que a ambiguidade se instaure em passagens futuras e abrindo espaço para a complacência moral.

Propriedade e Parentesco

O crítico começa a elaborar uma crítica sobre a estrutura da família citando Hoppe (2014 p. 240):

A propriedade e as relações de propriedade não existem fora da família e das relações de parentesco. As últimas moldam e determinam a forma específica e a configuração da propriedade e das relações de propriedade, embora ao mesmo tempo estejam limitadas pelas leis universais e perenes da escassez e da propriedade.

E assim o crítico elabora erroneamente esta passagem (destacou-se):

A curiosidade disso tudo é a de que essa é uma especificação divertida. Dizer que as relações de propriedade são determinadas e moldadas pelas relações de parentesco me parece ser uma afirmação retirada de absolutamente lugar nenhum. Se as relações de propriedade são determinadas pelas relações de parentesco, como é que ficam as pessoas que não possuem família? Ou ainda que você diga que as relações de parentesco são relevantes para a sociedade como um todo, como é que essas relações de parentesco fazem com que a propriedade exista? O autor, ao definir a forma como sua ética argumentativa deriva a propriedade, esqueceu de acrescentar essa parte no raciocínio.

Note que é da família oriunda a forma cultural pela qual as pessoas negociam e transferem propriedades entre si. Da mesma forma, essas transferências também são limitadas pelas leis de escassez e pela lei de propriedade [grifagem na citação do Hoppe], não está sendo tratada a fundamentação Ética da Propriedade, mas uma análise de cunho antropológico de como houve isto e como veio a ser atingido. Também serve como forma para descrever a congruência das idéias de libertários e conservadores.

Não é apenas aos moldes das famílias, mas também aos moldes físicos e possíveis que levam às limitações jurisprudenciais, por assim dizer, costumeiras, com que as pessoas negociam e transferem as propriedades entre si, fomentando a criação de instituições e o reconhecimento de autoridades voluntárias que formam uma elite natural e uma hierarquia social, assim dando início ao processo civilizatório; o posicionamento fica ainda mais evidente quando analisamos outra obra de Hoppe, que trata sobre a relação familiar como um arranjo racional, baseado-se em Mises. (HOPPE, Uma Breve História do Homem, 2018, p. 45–46)

Até aqui o antagonismo entre os membros de grupos diferentes ou clãs foi explicado ao mesmo tempo que se tomou como certo o fato de que, dentro de um grupo ou clã, a colaboração — a cooperação pacífica — existe. Mas por que deveria ser assim? A cooperação intergrupal é quase universalmente tida como óbvia. Ainda assim, requer uma explicação, pois um mundo sem esta cooperação limitada certamente é inconcebível. Deixando claro: há base biológica para algumas formas de cooperação humana. “A mútua atração sexual entre macho e fêmea”, escreveu Mises, “é inerente à natureza animal do ser humano e independe de qualquer raciocínio ou teorização. Podemos qualificá-la de original, vegetativa, instintiva ou misteriosa”. O mesmo se pode dizer da relação entre mãe e filho. Se as mães não tomassem conta de seus filhos por um período prolongado, eles morreriam instantaneamente e a humanidade estaria condenada. Mas essa cooperação necessária e de certa forma biologicamente determinada é algo muito diferente do que se observa nas sociedade caçadoras e coletoras. Assim, Mises continua: “[…] nem a coabitação nem o que a precede ou sucederam a cooperação social e os modos de vida em sociedade. Os animais também se juntam para cruzar, mas não desenvolveram relações sociais. A vida em família não é apenas um produto da relação sexual. Não é, de modo algum, nem natural, nem necessário que pais e filhos vivam juntos como se faz em uma família. A família humana é resultado do pensamento, do planejamento e da ação. É esse o fato que a distingue radicalmente dos grupos animais que, por analogia, chamamos de famílias animais”.

É possível que o leitor diga “mas, de fato esta premissa foi tirada de lugar nenhum”, pois este livro foi publicado quatro anos depois do “Democracia, o Deus que Falhou”, perspicaz, mas a fundamentação está sendo elaborada anteriormente ao parágrafo citado inicialmente no artigo, segue a citação convenientemente omitida pelo crítico (HOPPE, 2014, p. 240):

Além disso, na medida em que se analisa o objeto sobre o qual os conservadores e os libertários se focampor um lado, as famílias, as relações de parentesco, as comunidades, a autoridade e a hierarquia social; por outro lado, a propriedade, bem como a sua apropriação, a sua transformação e a sua transferência –, deve estar claro que, ao passo que não se referem às mesmas entidades, eles ainda falam sobre os diferentes aspectos do mesmo objeto: os agentes humanos e a cooperação social. Extensivamente, i.e., no tocante à sua área de investigação (o seu quadro de referência), o seu objeto é idêntico. As famílias, a autoridade, as comunidades e as classes sociais são a concretização empírica/sociológica dos conceitos e categorias abstratos filosóficos/praxeológicos de propriedade, de produção, de troca e de contrato.

E ainda tendo uma extensa nota de rodapé [n° 2, p. 224–225] que elabora ainda mais citando as referências de outros autores, conveniente dizer que algo fora “tirado de lugar nenhum” quando o crítico recorta trechos do livro que favoreçam a sua narrativa.

Isto posto, convido o leitor a buscar dentro das obras de Hans-Hermann Hoppe esta fundamentação e assim não caírem no erro de menosprezar a relevância de uma das instituições basilares para a civilização humana, pois este tópico é essencial para a compreensão e o princípio que vem a guiar as ações futuras dos libertários consistentes.

Pedofilia e Homossexualismo

Em seguida, o crítico começa a desvencilhar-se de sua crítica imprecisa sobre a família e sua influência sobre as relações sociais e passa a citar Hoppe (2014, p. 242):

Adicionalmente, a conclusão anarquista da doutrina libertária atraiu e agradou a esquerda contra cultural. Pois a ilegitimidade do estado e o axioma da não agressão (segundo o qual não se permite a iniciação — ou a ameaça da iniciação — do uso da força física contra outras pessoas e os seus bens) não implicavam que todos tivessem a liberdade de escolher o seu próprio estilo de vida não agressivo? Isso não implicava que a vulgaridade, a obscenidade, a grosseria, o uso de drogas, a promiscuidade, a pornografia, a prostituição, o homossexualismo, a poligamia, a pedofilia ou qualquer outra perversidade ou anormalidade imaginável, na medida em que constituíam crimes sem vítimas, fossem estilos de vida e atividades perfeitamente normais e legítimos? Portanto, não é de surpreender que, a partir do seu início, o movimento libertário atraiu um número anormalmente elevado de seguidores desequilibrados e perversos. Subsequentemente, o ambiente contra cultural e a ‘tolerância’ multicultural e relativista do movimento libertário atraiu um número ainda maior de desajustados, de fracassados (tanto em termos pessoais quanto em termos profissionais) ou de simples perdedores. Murray Rothbard, em nojo, chamou-os de ‘libertários vazios’ e os identificou como libertários ‘modais’ (típicos e representantes). Eles fantasiavam uma sociedade em que todos estariam livres para escolher e cultivar quaisquer estilos de vida, carreiras ou características que não fossem agressivos e em que, graças à economia de livre mercado, todos poderiam fazê-lo em um nível elevado de prosperidade geral. Ironicamente, o movimento que estabeleceu o objetivo de desmantelar o estado e de restaurar a propriedade privada e a economia de mercado foi, em larga medida, apropriado e moldado em sua face externa pelos produtos mentais e emocionais do estado de bem-estar social (assistencialista): a nova classe de adolescentes permanentes.

Em uma tentativa de descaracterizar ainda mais o que é dito pelo autor, o crítico, em sua inépcia interpretativa e tomando préstimos disso, empurra sua narrativa no sentido de elaborar o seguinte questionamento:

É algo muito curioso a forma como Hoppe diz que a pedofilia constitui crimes sem vítima. De fato, ele ignora o dever de tutela defendido por Rothbard e que configuraria claramente não apenas uma obrigação para o tutor, mas uma obrigação para a sociedade. Ou seja, um indivíduo não pode fazer um contrato ou agir na esfera de um tutelado porque ele não tem como consentir. Mas, mais curioso ainda, é a forma como ele coloca pedofilia do lado do homossexualismo e do uso de drogas. Pedofilia é algo contra qual todos os libertários decentes são moralmente e eticamente contra, então é claro sua intenção ao colocar pedofilia do lado de práticas normais como a homossexualidade ou a “vulgaridade” (eminentemente feminina pela época em que foi postulada e de caráter sexista. Aquilo que Hoppe considera vulgar é muito diferente do que é considerado vulgar hoje em dia, mostrando o quanto os critérios mudaram de lá pra cá).

Claramente há um grotesco erro na interpretação ou uma tentativa de espantalho pelo crítico, pois Hoppe não defendeu em momento algum que o ato pedófilo é uma não violação de propriedade. Quando Hoppe expressa “na medida que a pedofilia constitui crimes sem vítima” é como dizer “na medida que não violavam propriedade” ou “que não agredia a terceiros”. Em outras palavras, tal pedófilo se trata daquele que reserva-se somente em sua vontade, não concretizando o ato no mundo pragmático i.e não age no sentido de causar uma violação de propriedade advinda dessa degeneração.

Agora que o erro fora sanado, pode-se compreender o que Hoppe faz ao categorizar pedofilia junto ao homossexualismo, promiscuidade e uso de drogas.

Primeiramente a distinção do homossexualismo e da promiscuidade como práticas anormais é definida sob a citação do que viria ser normal e natural, que foi citado previamente, apesar da ofuscação que o crítico causou (HOPPE, 2014, p. 223):

[…] Mas não é difícil distinguir o normal do anormal (anomalias), o essencial do acidental. Um pouco de abstração dissipa todas as confusões e permite que quase todos “vejam” o que é e o que não é natural, o que se encontra e não se encontra de acordo com a natureza das coisas. Além disso, o natural é, ao mesmo tempo, o estado de coisas mais duradouro. A ordem natural das coisas é antiga e sempre a mesma (apenas anomalias e acidentes sofrem mudanças); portanto, ela pode ser reconhecida por nós em todos os lugares e em todos os tempos.

Dessa forma, o que o autor deseja dizer é que, apesar de certos comportamentos ocorrerem, se estes comportamentos forem normalizados, trarão a degeneração da ordem natural, verbi gratia: sendo homossexualismo tido em uma sociedade como normal, esta sociedade não durará, o que chega a ser óbvio o motivo que ela não dure; e seria mais óbvia ainda o porquê desta categorização se o crítico não omitisse este trecho.

Da mesma forma ocorre com a promiscuidade, que gera esses tipos de distorções pelo risco agregado à mulher sobre a maternidade, a ausência de algum planejamento parental, a impossibilidade destes indivíduos constituírem famílias pela desvalorização de suas características mediante a constituição de uma família e até sua propensidade a não manter os laços familiares.

Nisso, Hoppe elabora que a falta da estrutura que necessita do planejamento de longo prazo para a manutenção da propriedade de uma forma intergeracional, como as famílias proporcionam, impossibilitam o amparo nos momentos de vulnerabilidade e de necessidade de um indivíduo. O abandono do planejamento de longo prazo e a falta de precaução quanto a estas possibilidades infantiliza o processo de decisão para uma visão de “eu desejo consumir para me satisfazer agora, não me importa como o futuro será”.

A consequência disso é o incentivo para uma figura que proporciona o sustento do modo de vida degenerado, por assim dizer, emergindo o Estado assistencialista para tomar daqueles que tiveram boas decisões e financiar a miséria daqueles que as não tiveram. Hoppe descreve bem sobre o comportamento destes: “nova classe de adolescentes permanentes.”

Isto de maneira nenhuma quer dizer que homossexualismo e promiscuidade devem ser vistos como crimes contra humanidade e punidos como tal, mas relações que não devem ser incentivadas. Este conjunto de anomalias, também como o uso de drogas reduzem o planejamento para o curto prazo, como o sustento dos vícios. Enquanto há uma categoria de degeneração que colocam outros em riscos, como a pedofilia e outras atividades que causam cizânia social e a disrupção de tal ordem.

E justamente essa “mudança de critérios” reconhecida pelo crítico é o que mais preocupa Hoppe: a normalização dessas interações que venham a afastar as pessoas ainda mais de tal ordem, que nas condições atuais parece estar cada vez mais longe de ser instaurada.

Onde o autor ainda elabora, como citado pelo crítico, que (Hoppe, 2014, p. 248):

Os libertários de esquerda e os experimentadores de estilos de vida multiculturais ou contra multiculturais, mesmo que não estivessem envolvidos em algum crime, mais uma vez teriam de pagar um preço pela sua conduta. Se continuassem com o seu comportamento ou o seu estilo de vida, eles seriam barrados da sociedade civilizada e viveriam separados fisicamente dela, em guetos ou em lugares distantes, e muitos cargos ou profissões lhes seriam inatingíveis. Em contraste, se eles quisessem viver e progredir no seio da sociedade, eles teriam de se adaptar e de assimilar as normas morais e culturais da sociedade em que desejassem entrar.

Hoppe justamente demonstra que indivíduos com o comportamento mais degenerado seriam removidos, “movendo-se para novas pastagens” que os aceitem. Todavia, os que os aceitam sofrerão externalidades por sua conduta inclusiva, incentivando a mudança para um viés mais conservador ou uma maior tendência para a corrupção dos valores desta comunidade inclusiva.

Então o crítico elabora:

Essa assimilação não implicaria necessariamente que seria preciso renunciar completamente a um comportamento ou estilo de vida anormal ou diferente. Isso significaria, porém, que não mais seria possível “sair por aí” exibindo em público um comportamento ou estilo de vida alternativo. Esse comportamento teria de ficar “no armário”, estando escondido dos olhos do público e ficando fisicamente restrito à total privacidade das quatro paredes. A sua propaganda ou a sua demonstração em público engendrariam a expulsão. O interessante disso é que falta um pedaço do raciocínio. Por que os libertários que adotassem estilos de vida multiculturais não adotariam sociedades próprias? Hoppe pega o argumento aqui e nos obriga a olhar o rodapé. Nele, ele na verdade explica de que formas as sociedades diversas das conservadoras se organizariam perfeitamente.

O que está no primeiro parágrafo é correto. Pessoas que não são compatíveis com esta ordem social podem ser assimiladas pelo seu comportamento não ser disruptivo, como fora dito antes: Não é visto como um crime, mas é algo desincentivado de ser exposto a público.

E assim cita o autor (HOPPE, 2014, Rodapé n° 25, p. 248):

Para evitar qualquer mal-entendido, pode ser útil salientar que o aumento previsto na discriminação em um mundo puramente libertário não implica que a forma e a dimensão da discriminação serão as mesmas ou similares em todo o globo. Pelo contrário: um mundo libertário poderia ser — e provavelmente o seria — um mundo com uma grande variedade de comunidades localmente separadas que se engajarem em práticas de discriminação nitidamente diferentes (e de alcances diversos). […] Não obstante a variedade de políticas discriminatórias promovidas por diversas comunidades proprietárias, conforme será argumentado mais adiante no texto acima, em prol da autopreservação cada uma dessas comunidades terá de reconhecer e aplicar algumas limitações rigorosas e até mesmo inflexíveis em relação à sua tolerância interna; ou seja, nenhuma comunidade proprietária pode ser tão ‘tolerante’ e ‘não-discriminatória’ quanto os libertários de esquerda desejam que cada lugar o seja.

Só um adendo, para fins de organização, que o crítico juntou duas citações diferentes sem demonstrar um intervalo entre ambas, na qual Hoppe cita Rothbard e segue a segunda parte baseado nisso.

O que não é notado, pois, é que a adoção da discriminação de valores morais e culturais, que venham a corromper os que são valorizados pela comunidade, é a forma pela qual esta se mantém. As sociedades mais lenientes com a degeneração sofrerão a corrupção de seus valores e caminharão à destruição.

Ao trocar seu conjunto primário de valores, tal sociedade torna-se sujeita à possibilidade de expulsão de sua população nativa e de suas elites naturais, que manutenia aquelas propriedades e que mantinham um arcabouço de leis privadas próprios por uma comunidade inclusiva. Com efeito, gerará todo o tipo de externalidade e distorção da ordem até o processo de extinção daquela determinada cultura.

Assim o crítico expande que:

O que fica claro a qualquer observador é que o que se está defendendo até aqui é a adoção de uma sociedade discriminatória ser uma necessidade real de uma sociedade libertária. O grande lance é que o multiculturalismo foi vencido pela premissa das comunidades locais favoráveis. Isso fez com que o feminismo criasse mecanismos logicamente incorretos como o local de fala, mas ainda assim, é importante frisar que multiculturalismo não é há muito tempo uma pauta progressista. Logo em seguida, ele postula uma afirmação que é uma consequência lógica do ato de segregar. Se a população local passa a representar ideias incompatíveis com o modo local e pró democracia, você deve removê-las fisicamente. Belo e moral. E aconteceria em sociedades progressistas com todos aqueles que se mostrassem racistas, por exemplo.

São justamente estes valores progressistas que acabam sendo problemáticos. Ora, a inclusão exacerbada e a mentalidade de “viva e deixe viver” não permitem a conservação de idiossincrasias proveitosas, transformando esta mentalidade inclusiva numa tragédia dos comuns sobre a competição dos recursos locais.

Quanto às comunidades estabelecidas, a decisão é bem clara: a necessidade de uma medida de que “você não é bem vindo”. Isso possibilita a existência de competição entre os arranjos, destarte uma maior aproximação da ordem natural.

As sociedades libertárias progressistas em sua sanha pela mudança e inclusão abrem as portas para as sementes de sua futura corrupção, enquanto uma conservadora com a exclusão pacífica de membros indesejados diminuirá as tensões no tecido social. Acaba-se por permitir a criação de instituições ainda mais complexas, justamente pela relação das famílias, comunidades e elites naturais na sua influência sobre a propriedade, apropriação, transferência, interação, a sua transformação e até a resolução de conflitos.

Propriedade e Discriminação

Chega-se à última parte desta resposta, onde o crítico cita o autor utilizando o seguinte trecho (HOPPE, 2014 p. 255):

Deve estar bem claro, então, o motivo pelo qual os libertários devem ser conservadores morais e culturais da mais intransigente natureza. O estado atual de degradação moral, de desintegração social e de podridão cultural é precisamente o resultado de uma tolerância demasiada e, acima de tudo, errônea e equivocada. Ao invés de todos os habituais democratas, comunistas e adeptos de estilos de vida alternativos serem rapidamente isolados, excluídos e expulsos da civilização (de acordo com os princípios dos contratos), eles são tolerados pela sociedade.
No entanto, essa tolerância apenas incentivou e promoveu ainda mais sentimentos e atitudes igualitaristas e relativistas — até que, finalmente, atingiu-se o ponto em que o direito (a autoridade) de excluir alguém de alguma coisa foi efetivamente extinto (ao passo que o poder do estado, que se manifesta nas políticas estatais de integração forçada, aumentou proporcionalmente).

O que é uma colocação perfeita sobre a estrutura de uma sociedade demasiadamente tolerante e a necessidade de libertários serem intransigentes quanto às instituições que propiciam uma moralidade alinhada com a ética libertária. Tal constatação cabal demonstra que todo o movimento libertário não necessita “reinventar a roda”, mas retornar às bases que possibilitaram à ascensão da sociedade humana. Foram essas bases que permitiram a coopetição pacífica, a divisão do trabalho e o acúmulo de capital que trouxeram o avanço civilizatório apesar das distorções causadas pelo estado.

Considerações Finais

Desta forma, o crítico finaliza seu artigo com a seguinte colocação:

Concordo totalmente com a intolerância levantada aqui. Acredito que uma sociedade progressista libertária que fosse tolerante com aqueles que apresentassem estilos de vida nocivos estaria fadada ao fracasso. Então, terminamos. Vimos que o Capítulo X, longe de afastar sociedades progressistas libertárias nos ensina a afastarmos a ideia abominável do multiculturalismo puro e a defendermos fortemente o direito de segregar dos indivíduos e como, por estar atrelado a uma questão histórica, o progressismo debatido aqui ainda não era o progressismo libertário que vemos hoje e a de que libertários não precisam necessariamente ser conservadores, mas obrigatoriamente discriminadores.

O que só demonstra a incoerência na sua crítica infundada quanto ao capítulo X. Em diversas ocultações e distorções do que fora realmente escrito, a tentativa do crítico é diminuir o posicionamento intransigente proposto para um posicionamento complacente.

A análise rasa e imprecisa feita pelo crítico no início do artigo gerou cada vez mais distorções e fundamentações em erros passados adiante, que se fossem feitos com maior cuidado e agnição sobre as definições, estes deslizes teriam sido facilmente prevenidos.

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