A Metamorfose, de Franz Kafka

Lucas Gelati
5 min readDec 3, 2019

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A Metamorfose é uma novela escrita por Franz Kafka, nascido em 1883 onde hoje fica a República Tcheca. Foi publicada em 1915, um dos poucos textos que ele publicou em vida.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=wWFg3l-qvHg

Parte 1: Resumo.

Gregor Samsa acorda e se encontra transformado num monstruoso inseto. Ele está atrasado para seu trabalho como vendedor ambulante. Logo, sua família e seu gerente percebem sua ausência e vão ao seu encontro.

Ao se deparar com o estado de Gregor, que se comunica com dificuldade, todos se assustam, e pedem que ele retorne ao seu quarto. Lá, ele fica pela maior parte de seus dias.

Sua irmã Grete o traz comida e bebida. Quando não fica o dia todo embaixo de um sofá em seu quarto, ele passa o tempo caminhando nas paredes, o que faz Grete sugerir retirar os móveis do quarto, o que o incomoda. Ao tentar impedi-las de retirar um quadro, assusta sua mãe e ela desmaia. Isso irrita seu pai, que lhe atira maçãs, machucando-o.

Devido ao seu estado, todos na família voltam a trabalhar. Cada dia, Gregor é visto menos como um filho e mais como um inseto, a maçã presa nele apodrece, e ele come cada vez menos. Certo dia, meses em sua forma de inseto, Gregor aparece na sala para ouvir sua irmã tocar violino, e espanta os inquilinos que estavam hospedados na casa.

Irritada, Grete decide que o melhor para todos seria se livrar de Gregor. Ele, triste, morre de fome em seu quarto.

Parte 2: Análise.

Antes de mais nada, é bom tratar do que significa algo Kafkiano. Kafkiana é uma situação onde uma pessoa comum se vê controlada por um poder mais forte que ela, que muda sua vida, sem saber porquê, nem como se defender.

Isso fica claro nesse livro. Gregor não sabe como virou um inseto, e sua tentativa de seguir sua vida normalmente falha, o que o faz retornar ao seu quarto indefinidamente.

O livro é angustiante, e pode ser analisado sob diversas perspectivas. Pode-se dividir essas análises em duas: O que a Metamorfose quer dizer sobre Kafka, e o que a Metamorfose quer dizer em si só.

  1. Metamorfose

O livro termina mostrando claramente que não foi só Gregor que sofreu uma metamorfose: Grete, sua irmã, passa de uma agente passiva, que apenas levava comida ao seu irmão, para alguém que toma decisões.

Logo, é possível analisar o livro como uma metáfora ao desenvolvimento humano: Se nos entregarmos ao mundo sem lutar, como Gregor, e sucumbir na primeira dificuldade, estamos fadados ao fracasso, e definharemos. Se, por outro lado, tomarmos as rédeas a situação, que nem Grete, sairemos vitoriosos e mais fortes que começamos.

Isso, porém, parece terrivelmente triste pro lado de Gregor. Ele não teve culpa de se encontrar em sua situação de inseto, o que causa muita angústia por parte do leitor ao ver o livro neste aspecto.

2. Capitalismo

No início do livro, Gregor Samsa parece mais preocupado em manter as aparências do que com seu próprio estado de inseto. Embora incapaz de se locomover da mesma forma que antes, preso em um corpo desconhecido, se põe disposto a realizar seu trabalho.

Isso vai se mostrando como uma resposta a necessidade de trazer dinheiro para casa. Gregor quer manter seu emprego pois é o sustento de sua família. Ninguém mais trabalha.

Logo, por ter sido transformado num inseto, Gregor agora é visto como inútil, pois vive em uma sociedade onde o valor máximo é o capital. Antes, era visto como um garoto exemplar, pois sustentava toda sua família, que viviam como parasitas, sugando o capital que trazia para casa. Porém, agora que ele é o parasita, são eles que tem de sair de casa e trazer o capital, o que torna Gregor inútil.

Ele perde o ânimo de viver pois não pode mais corresponder a essa necessidade da sociedade em que ele vive.

3. Doença

Em nenhum momento Gregor é visto como realmente é: Uma pessoa precisando de ajuda. Ele se descobre nesta situação de inseto, e sua primeira reação é esconder de sua família, pois sabe que não o aceitariam.

E, de forma geral, a situação que Gregor se encontra é uma doença. Uma doença extremamente rara, sim, até hoje não se há relato de alguém simplesmente acordando como um inseto. Mas pessoas com doenças muitas vezes são tratadas da mesma forma que ele: Com medo, nojo, descaso.

Há 100 anos atrás, era muito mais difícil o tratamento para a lepra. Acreditava-se que era uma doença extremamente contagiosa, o que não é verdade. Portadores da doença eram usualmente isolados da sociedade, e quando não tinham muita condição financeira, deixados a morrer.

4. Depressão

Gregor começa a história incapaz de sair da sua cama. Ele não consegue conversar com sua família sobre o que lhe aflige. Enquanto isso, seria tudo mais fácil para sua família se ele simplesmente voltasse ao normal. Ele acaba se isolando do mundo.

Na história toda há uma angústia, pois não há em vista um final feliz para Gregor que não seja se livrar desta forma de inseto. E depressão é algo bem parecido.

Ele também pode se ver como uma ferramenta, isto é, alguém que é apreciado apenas pelo que pode oferecer, e não por quem ele é. Gregor se sente apenas um peso para sua família, e sua família, não conseguindo mais se conectar com ele, acaba o excluindo de suas vidas.

5. Vida de Kafka

A análise mais comum do trabalho é frente ao contexto familiar de Kafka. Ele tinha uma relação perturbada com seu pai, que era emocionalmente abusivo e extremamente autoritário.

Kafka não se achava bonito, e isso pode ter se refletido na história, vendo a si mesmo como um inseto, merecendo contato apenas enquanto fosse útil.

Nota: Este texto foi produzido para um clube de leitura, e durante o encontro diversas vezes trocávamos o nome de Gregor pelo de Kafka. Os paralelos entre os dois são inevitáveis: Kafka sempre se coloca em seus escritos. Porém, é bom lembrar que esta não é a única interpretação válida da história.

6. Existencialismo

O existencialismo tem como ponto principal que a existência precede a essência. O ser humano não possui nenhum valor em si só, mas o constrói em sua vida, sua existência. Por isso, começamos a vida perdidos e angustiados, em vista de um mundo sem sentido.

Do existencialismo podemos citar o conceito de desespero, que é o sentimento humano que nasce quando percebemos que tudo que vem de fora pode desmoronar a qualquer segundo. Enquanto estivermos baseando nossa identidade em coisas externas (emprego, convívio familiar), estas sempre podem desaparecer num piscar de olhos. Assim, todos estamos em um constante estado de desespero.

É nesta situação que o Gregor se encontrou. Ele baseava sua identidade no fato que sustentava sua família, que era um vendedor. Quando isso foi tirado dele, se encontrou em desespero, e não consegue mais escapar desse sentimento.

Preso no desespero, Gregor não conseguiu mudar sua identidade para algo que não dependesse do que era antes, e a partir daí, tomou decisões que o levaram a sua morte.

Assim, retornamos à primeira forma de analisar o livro: a metamorfose em si. Nesse sentido, finalmente podemos ver que a situação de Gregor é a situação humana: Jogado, no caos, sem direção. Sem agir de forma a sofrer uma metamorfose psíquica, ele está fadado a morte.

Esta análise da novela de Kafka foi produzida para um clube de leitura, realizado em 9 de Novembro de 2019.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=wWFg3l-qvHg

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