Os biomas são regiões de grande extensão, caracterizados pela conjunção de diferentes ecossistemas, em que cada um deles possui determinas espécies, podendo variar de acordo com a latitude, clima e solo de cada superfície do planeta. A preservação deste banco genético é de extrema importância, principalmente na regulação climática, por toda a interação concentrada em um determinado bioma influenciar outras regiões geográficas.
O bioma Pampa no Brasil está localizado no Rio Grande do Sul e ocupa 63% do território, o que equivale a 178,243 km² do estado. Entretanto, o bioma não se restringe apenas ao território brasileiro, também está presente no Uruguai e na Argentina. As paisagens do Pampa são diversificadas, podendo ser constituídas por serras e planícies, morros e coxilhas. Na paisagem natural do Pampa predomina os campos nativos, mas também conta com a presença de matas de encosta e ciliares, banhados, formações arbustivas e entre outras formas de vegetação.
Todo o conjunto dos ecossistemas do Pampa é muito antigo, por isso apresenta uma flora e fauna própria e uma gigantesca biodiversidade, que ainda não foi totalmente estudada. Estima-se mais de 3,000 espécies de plantas, na qual se destacam as gramíneas, que são mais de 450, e as leguminosas, constituídas por mais de 150.
São mais de 100 espécies de mamíferos terrestres, entre eles o veado-campeiro (Ozotocerus bezoarticus), cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus); e quase 500 espécies de aves, dentre elas a ema (Rhea americana), o joão-de-barro (Furnarius rufus) e o pica-pau do campo (Colaptes campestres). O ecossistema do Pampa também conta com espécies endêmicas como o beija-flor-de-barba-azul, também conhecido como bico-reto-azul (Heliomaster furcifer) e algumas ameaçadas de extinção como o caboclinho-de-barriga-verde (Sporophila hypoxantha).
É também no bioma Pampa que há maior concentração do aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do mundo. Uma das preocupações atreladas ao aquífero tem relação com a qualidade da água, pelos cultivos a partir da monocultura em áreas que seriam tradicionalmente de pecuária. Os cultivos provenientes da monocultura resultam na produção de apenas um produto agrícola, o que é uma prática danosa ao solo e a água do bioma Pampa, por elas serem desenvolvidas à base de agrotóxicos, levando a um processo de contaminação.
De acordo com a Embrapa, anualmente são usados cerca de 2,5 milhões de toneladas de agrotóxicos no mundo, e no Brasil o consumo anual tem sido superior a 300 mil toneladas de produtos.
A importância da preservação de um bioma é a de conservar as características que este apresenta, como a conjunção de diferentes ecossistemas similares que compartilham aspectos de fauna e flora, muitas vezes com espécies encontradas apenas naquela região. Conforme o professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) campus Uruguaiana, Edward Frederico Pessano, “Quando nós preservamos esse banco genético, nós estamos preservando a biodiversidade ali existente”.
Os biomas também são de suma importância do ponto de vista da regulação climática, pois, as interações que ocorrem em um determinado bioma, acabam influenciando em outras regiões geográficas do planeta. Por isso, conhecer os biomas e quais os impactos que a ação humana pode ter em um determinado bioma contribui com o equilíbrio dos demais ecossistemas. Dessa forma, afirma o professor Pessano:
“Quando a gente conhece uma determinada realidade, é mais fácil para poder preservar e conservar. Isso se dá especialmente dentro dos espaços escolares e dentro da universidade.”
O Bioma Pampa é encontrado apenas na América do Sul, caracterizado pela grande variação de temperaturas, o que é fator determinante para que espécies de animais e plantas que só existem e vivem nesta região. Além disso, essas características de importância ambiental se relacionam a toda uma produção cultural relacionada à própria paisagem, como a construção da vestimenta, os hábitos alimentares e a figura do gaúcho. Logo, o Pampa representa um patrimônio para essa região e também para o planeta.
A atividade agropecuária é uma das práticas mais antigas do Pampa, desenvolvida desde o século XVII pelos jesuítas e indígenas que viviam nessa região. Já a agricultura moderna é desenvolvida no pampa desde o século XX, com o cultivo de soja e arroz, além da criação de gado extensiva. Só em São Borja, são 40,000 hectares de área de soja plantada, segundo dados de 2015 da Associação dos Municípios da Fronteira Oeste (AMFRO).
De acordo com o professor Edward Pessano, por ser uma área de vegetação rasteira, de campo, o Pampa é na maioria das vezes, associado como uma região pobre em biodiversidade, tanto de fauna quanto de flora. A verdade é que a diversidade biológica é muito grande nessa região, porém, não foi tão valorizada do ponto de vista ambiental e sim na questão econômica. A pecuária é o principal exemplo disso. Conforme os pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Pedro Trindade e Leandro Volk, esta atividade tem como principal aliada a vegetação campestre, que permite o desenvolvimento da pecuária, sem que haja remoção da vegetalidade natural.
Assista ao vídeo na íntegra sobre a não valorização do pampa:
Apesar disso, dados mostram um grande percentual de destruição do bioma. Segundo Diogo Feistauer, chefe da unidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em Uruguaiana, os índices de destruição do Pampa indicam um percentual em torno de 35,89% do total, conforme dados de 2011, do Centro de Sensoriamento Remoto do IBAMA. A pesquisa do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO), realizada no ano de 2007, estima que o bioma já perdeu 49% da sua vegetação original.
Para o ambientalista Darci Bergmann boa parte do Bioma Pampa já foi “descaracterizado”, destruído, o que muito lhe preocupa. Vale ressaltar que a destruição de um bioma pode acarretar problemas como a perda de biodiversidade da fauna e flora, impacto nos recursos hídricos e assoreamento dos rios devido à conversão de áreas para uso agrícola.
Na visão de Bergmann, esse processo de destruição se deu através da ocupação da terra com lavouras de soja e arroz, cultura que utiliza principalmente das regiões úmidas conhecidas como banhados. Conforme o ambientalista:
“Próximo ao município de São Borja, existe o Banhado São Donato, uma reserva biológica que possui uma potência extraordinária, pois, é uma área de retardo das enchentes, de diversas espécies de plantas e animais que só se encontram ali. Ao mesmo tempo, é um espaço de reprodução de diversas espécies de peixes, que só se reproduzem neste ecossistema. Dessa forma, a destruição desse ambiente impacta na extinção de espécies e aparecimento de outras ditas invasoras.”
Além disso, a destruição dos banhados influencia numa menor infiltração de água, nos lençóis freáticos e aquíferos, pois, ocorre uma recarga inferior desses mananciais. Essa recarga pode ocorrer em tais regiões pantanosas e em áreas de afloramento de arenito, muito comum no Bioma Pampa. O Aquífero Guarani, localizado no subsolo da região Sul do Brasil não é um lago ou mar contínuo de água, mas sim uma rocha porosa, cheia de H₂O em seu interior. Em São Borja, o manancial localiza-se há uma profundidade média de 480 m, enquanto em outras regiões do estado, chega há um promédio de 1,000 m.
Conforme o chefe do IBAMA em Uruguaiana, Diogo Feistauer, todas os enquadramentos em caso de irregularidades no Bioma Pampa são reguladas principalmente pela Lei dos Crimes Ambientais (12.651/2012) e o Decreto n° 6.514/2008. Já as punições implicam quanto ao crime ou infração ambiental cometida, o que resulta geralmente em pena de multa ou detenção em casos extremos. De acordo com Feistauer, a legislação prevê que a fiscalização e o monitoramento contínuo sejam realizadas pelos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente.
No Rio Grande do Sul tal atribuição está a cargo da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Já o IBAMA realiza uma fiscalização supletiva, porém, pecuaristas e agricultores relatam que não veem nenhuma fiscalização em suas propriedades. Conforme a pecuarista Anyela Fraga, que atua no ramo há quase 10 anos, “Quando há denúncias eles vão lá e averíguam, se teve desmatamento ou destruição. Na minha propriedade nunca foram pelo menos”.
Diante de tal situação, o instituto prevê apoio de órgãos como o Ministério Público, Universidades e Centros de pesquisa para subsidiar avanços na legislação e métodos mais eficientes, com tecnologias de monitoramento ambiental. Da mesma forma, o chefe do IBAMA defende que todos têm o dever de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, o que também está previsto no Artigo 225 da Constituição Federal Brasileira. Conforme Diogo Feistauer, não se deve apenas cobrar dos órgãos ambientais essa responsabilidade, todo cidadão brasileiro tem o dever de zelar, cumprir e até fazer perfazer as leis.
O desconhecimento sobre a diversidade que envolve o Pampa são um dos fatores responsáveis pela degradação desta unidade biótica, segundo o professor Edward Frederico Castro Pessano (Unipampa), que coordena o projeto de extensão “Bioma Pampa” desde 2013. O projeto começou com a intenção de descobrir como o bioma é observado por estudantes e professores dentro dos espaços educacionais do município de Uruguaiana.
“Os dados que coletamos desde 2013 têm demonstrado uma fragilidade de conhecimento tanto por parte dos estudantes da educação básica, como de alguns professores em ambientes escolares. Nesse sentido, vários trabalhos estão sendo efetuados desde a região do centro do estado, até aqui na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, onde estamos investigando as percepções dos estudantes e professores sobre o bioma Pampa” explica Edward.
A partir do levantamento realizado, o projeto tem desenvolvido várias ações voltadas principalmente para a formação continuada dos professores e também vem observando a importância da inserção da temática do bioma nos espaços universitários, uma vez que são nesses locais que são formados os instrutores da educação básica. O professor Pessano ainda ressalta a importância desse trabalho nas escolas rurais. “Esses dados eles têm mostrado alguns reflexos especialmente em áreas de escolas rurais, onde a comunidade rural acaba tendo uma certa mudança de olhar e de comportamento a partir desse conhecimento difundido”, aponta.
Visando a preservação da fauna e flora do Bioma Pampa, a Embrapa realiza ações de pesquisa que busquem informações confiáveis e inovações em áreas como levantamentos de solos, de uso da terra, de aptidão agrícola, zoneamentos e climas para as culturas agropecuárias. Além de recomendar alternativas de cultivação e maneio, como a diminuição de uso dos adubos, corretivos e defensivos. O órgão também trabalha para valorizar e melhorar práticas e manejos voltadas à pecuária, feita em cima de campo nativo, um diferencial do Pampa.
Para os pesquisadores do órgão, José Pedro Trindade e Leandro Volk, que estudam a Ecologia de Sistemas Campestres e Solos, é possível conciliar a preservação do bioma e o desenvolvimento da agropecuária. Explicam eles:
“Existem inúmeros documentos orientadores com recomendações de manejo e práticas adequadas para que a intensificação sustentável da agropecuária seja desenvolvida. Então, a associação de inteligência territorial, boas práticas e respeito à legislação ambiental são fundamentais para a conciliação da agropecuária e a preservação do bioma Pampa.”
Confira nosso podcast sobre energias renováveis no Bioma Pampa:
A pecuarista Anyela Fraga ressalta que com o objetivo de preservar o Pampa, em sua propriedade é feita a conservação da terra, o plantio de pastagem para o gado, além de não desmatar a vegetação existente. Isso está em conformidade com o que foi defendido pelos pesquisadores da Embrapa. Para eles, os agropecuaristas devem atentar ao fato de que a preservação não é só para o Pampa e também aos outros biomas, se fazendo necessário a consciência.
Essa consciência também compreende o conhecimento da legislação ambiental vigente, no presente momento o Código de Defesa da Vegetação Nativa, mais conhecido como Código Florestal. Na visão de Trindade e Volk, qualquer ação no bioma deve ser feita com conhecimento qualificado, com o uso da tecnologia mais adequada para a realidade específica do local.
Algumas atividades de menor impacto podem ser desenvolvidas no Pampa. É o caso da pecuária de pastagem nativa e a do boi verde. Na pecuária de pastagem nativa, o boi se alimenta de pasto natural da propriedade. Na pecuária do boi verde, há um cuidado com o ciclo de produção e a quantidade de bovino dentro de uma área de campo nativo, com o objetivo de preservar a vegetação e ser uma alternativa econômica para o produtor agrícola, conforme o professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Ricardo Kilca.
Vale ressaltar que são poucos os projetos que visam a preservação do Pampa. Em São Borja, por exemplo, não existe nenhum. De acordo com Ricardo, “Pode ter alguma atividade pontual de alguém, que está fazendo, porque existem várias iniciativas pequenas, agora uma grande iniciativa, ao nível de região, de prefeitura e universidade, eu não conheço”, conclui.
Reportagem desenvolvida por alunos do 5.º semestre do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Pampa para o componente curricular de Jornalismo Especializado, ministrado pela docente Sara Feitosa.