John Piper e os cinco pontos do calvinismo
A graça de Deus sobre seus salvos é assunto para fazer qualquer pensador, que não esteja sob iluminação do Espírito Santo, por mais intelectual que seja, quebrar a cabeça para o resto da vida. Simples de sentir, difícil de explicar. Muito provavelmente por que é mais para ser vivido do que entendido.
Mas como a fé não é e nunca foi antítese da razão — ou como diria John Stott, “crer é também pensar” -, já houve quem buscasse por meio de muito estudo, debate, resumir em doutrinas e ensinos o porquê somos salvos e que, assim, conseguiu chegar a ótimas conclusões. Claro, considerando aqui que uma ótima conclusão é aquela que dispensa os achismos e vozes da própria mente, mas que se baseia unicamente na palavra e não contradiz as escrituras sagradas.
Entre 1618 e 1619 a igreja reformada holandesa realizou o Sínodo de Dort. Nas diversas reuniões debatia-se contra-argumentações à visão arminiana de questões controversas para a igreja que resultaram em um documento que, mais tarde, teria seus conceitos conhecidos como “os cinco pontos do calvinismo”.
É esse o tema que John Piper aborda em seu livro “Cinco Pontos — Em direção a uma experiência mais profunda da graça de Deus”. O pastor analisa a chamada “Tulip” (Total depravity — Unconditional election — Limited atonement — Irresistible grace — Perseverance of the saints), sigla em inglês para cinco pontos que enquanto sigla não faz sentido algum em português, mas que busca explicar a graça de Deus sobre nossas vidas, sendo os tais pontos em nosso idioma:
1- Depravação total
2- Eleição incondicional
3- Expiação limitada
4- Graça irresistível
5- Perseverança dos santos
Piper não segue a ordem proposta pela Tulip, mas usa o que acredita ser o caminho pelo qual, geralmente, passamos em nossas vidas. A ideia é que a organização cronológica facilite a compreensão dos cinco pontos.
Assim, o estudo parte da situação de depravação até que se conheça a graça irresistível do Espírito Santo. Depois entende-se a necessidade da expiação em Cristo e, após isso, torna-se possível compreender que por trás desse ato havia, antes de tudo, ocorrido a eleição por parte de Deus. Por fim, chega ao estado do homem após receber a graça.
1 — Depravação Total
A situação do homem em pecado vai muito além de simplesmente “praticar o mal”. Entender a realidade da depravação total diz respeito também a reconhecer que poderíamos fazer muito mais mal do que, de fato, fazemos.
Um dos grandes problemas é que muitas vezes os motivos que levam o homem a não praticar o máximo de mal que poderia, não são os motivos corretos, uma vez que não estão ligados à sua submissão a Deus. Assim sendo, até a suposta virtude de não praticar o mal, neste caso, é má aos olhos de Deus, considerando que “tudo o que não provém de fé é pecado”, conforme Romanos 14:23.
O ser humano por si não busca a Deus. Não há um justo sequer. Assim, quando existe essa busca ela é, na verdade, dom que nos foi dado, não fruto de bondade do homem. O natural de nosso estado pecaminoso é não agradar e não buscar a Deus. Consideremos ainda que, conforme Efésios 2:3, éramos filhos da ira. Em nosso estado natural de depravação, estamos sob a ira de Deus devido à corrupção de nosso coração.
Logo, sem a graça salvadora somos merecedores da condenação total. É difícil aceitarmos nossa condição de maus, mas precisamos reconhecer que o somos, para que então possamos nos humilhar e mostrar nossa dependência da graça.
2 — Graça Irresistível
Piper explica que precisamos entender que, por nós mesmos, jamais mudaríamos para melhor. O desejo de viver de forma que agrade a Deus deriva da graça irresistível do Espírito Santo sobre nós.
O autor ressalta que a palavra irresistível não quer dizer que ela não pode ser resistida, mas que o Espírito Santo, sempre que quer, pode vencer qualquer resistência.
A natureza pecaminosa de nosso coração, por ser rebelde, sempre desejará resistir ao chamado do Espírito Santo. Assim, quando nos tornamos humildes a ponto de aceitá-lo é por que Deus nos deu essa disposição. Em João 6:44 Jesus explica que “ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer”.
Mas, Piper ressalta que a graça do Espírito Santo não nos força a querermos mudar. Não nos arrasta algemados. Como no exemplo de vida do apóstolo Paulo, ela cura nossa cegueira e nos faz enxergar a verdade, dando assim nova sede ao nosso coração. Ela não nos obriga a buscar a Deus, mas guia-nos a um desejo sincero de buscar a Deus.
3 — Expiação Limitada
Com esse novo e ardente desejo no coração, chegamos ao único caminho de acesso: Jesus Cristo.
Conforme explica Piper, Cristo morreu de maneira específica para salvar os que realmente nele crêem. Se morresse por todos, então não salvou ninguém, apenas tornou toda a humanidade salvável. O conceito de salvação não pode deixar de levar em conta que ainda existe a condenação eterna. Caso contrário, não há do quê ser salvo.
E isso é muito bem especificado em um dos versículos mais conhecidos e mais citados da Bíblia, que é João 3:16, onde fica claro que Deus enviou seu filho unigênito por amar ao mundo. Mas, é aquele que nele crê que não perecerá.
Logo, a morte de Cristo não representa um ato que livra da condenação todo e qualquer ser humano, mas que cria possibilidades de salvação que passam a ser reais para aqueles que aderem à única condição necessária: a fé.
Piper considera, então, que a fé e o arrependimento não são dons de Deus comprados por sangue para pecadores específicos, mas são atos de alguns pecadores que tornaram o sangue funcional para eles.
4 — Eleição Incondicional
Por fim, citando mais um dos três atos que partem de Deus para nos levar a uma nova situação, entendemos a questão da graça, de fato, com a eleição incondicional. Agora não sobra nenhuma possibilidade de interpretação de que pelo fato de a fé ser uma condição para a salvação, isso deve partir do homem. Não, não se trata de uma simples decisão.
O autor esclarece que a fé não é condição para a eleição. Trata-se do exato oposto. A eleição é uma condição para a fé. Por ter nos escolhido desde a fundação do mundo, Deus comprou nossa redenção na cruz, deu-nos vida espiritual pela graça irresistível e nos trouxe à fé.
Em Atos 13:48 os gentios respondem à pregação em Antioquia da seguinte forma: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos aqueles que haviam sido destinados para a vida eterna”.
O mesmo quando Jesus diz aos judeus que não creram por que não são das suas ovelhas. Ele não diz que não são das suas ovelhas por que não creram. Romanos 8:28–33 deixa tudo bastante claro, sendo o texto mais importante sobre a predestinação, onde afirma que os conhecidos de antemão são predestinados; os predestinados são chamados; os chamados são justificados e os justificados são glorificados. Ninguém desse grupo deverá se perder.
5 — Perseverança dos Santos
Agora sim, tendo Deus agido por sua graça, sem possuirmos nós qualquer mérito no processo, entramos em uma nova situação: a perseverança dos santos.
Em termos gerais, refere-se ao processo de santificação. Esse sim, processo do qual somos mais atuantes, não apenas recebedores como em todos os pontos anteriores. É necessário perseverar em uma vida de santificação. Jesus diz em Marcos 13:13 que “aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo”.
Claro que não significa que nos tornamos imediatamente perfeitos após a compreensão dos atos anteriores e que, ao entrarmos na perseverança dos santos, jamais falharemos novamente. Quer dizer que devemos continuar buscando a santificação, mesmo que casualmente venhamos a falhar.
O fato é que muitos falham, desviam-se e não voltam. Esse não é o resultado de uma fé genuína. No caso da fé verdadeira, de um eleito por Deus que foi justificado pelo sangue de Cristo e atraído pela graça irresistível do Espírito Santo, as falhas não serão um ponto final, mas apenas um desvio em uma rota na qual ele continuará seguindo firmemente, buscando não sair novamente de seu rumo.
Piper considera que a fé não é como uma vacinação, que é dada uma vez e nos mantém seguros para o resto da vida (exemplo esse que já não cabe, uma vez que hoje as vacinas exigem doses extras), mas uma terapia acompanhada durante toda a vida, onde muitas vezes falharemos. Mas Deus, que é o terapeuta, estará pronto a nos ajudar a recuperar nosso estado de santificação e perseverarmos em nossa fé.
Ou seja, até a parte do processo que nos cabe só é possível por que somos guiados, auxiliados e, quando caímos, até levantados por Deus. O mérito nunca é nosso.
_______________________
Cinco Pontos, de John Piper, é um ótimo livro não apenas para que se entenda as doutrinas, mas principalmente para que se possa refletir sobre a ação graciosa de Deus em nossas vidas tão necessitadas de sua misericórdia. Ter conhecimento de nossa real condição perante Deus e saber que ainda assim ele age de forma que nos beneficia imerecidamente, certamente nos leva a um entendimento sincero sobre a salvação e deve resultar em uma vida mais piedosa.