26 dias e meio em jejum

Prefácio

André Demenech
29 min readDec 15, 2019

Você acreditaria se eu te dissesse que é possível viver sem comer? Eu sei. Acho que eu também não. Afinal, nunca fiz ou vi alguém fazendo isso. Mas… E se eu te dissesse que é possível passar vinte e seis dias e meio sem comer?

Eu sim. Afinal, foi isso o que fiz. E é sobre isso que quero te contar nessa história. Embora saiba que passar vinte e seis dias e meio em jejum pareça uma coisa improvável ou impossível, e que isso chame atenção, que é exatamente a razão de ser do título e o motivo pelo qual comecei essa história assim, não é só sobre isso que ela é.

Se houvesse aí pelo mundo afora mais para descobrir do que o que te contaram, você não iria querer saber? Às vezes, sinto que estou rodeado de um mundo feito de ilusões. E esse sentimento é horrível.

Essa história é parte do meu trabalho de conclusão de curso. Quando comecei a escrevê-lo, um de seus primeiros títulos era: “26 dias e meio em jejum, mas de alma farta…”. Depois do meu Processo, estava extasiado e achava que tinha encontrado o segredo da vida. Mas conforme o tempo passou e eu me deixei levar, vi que estava enganado. Comecei a ter dúvidas se o que eu havia vivido tinha sido, de fato, importante.

Todo mundo quer compartilhar e refletir sobre suas experiências incríveis. Mas sobre suas dores, nem tanto. De lá pra cá, o prazo só apertou e eu tinha que tomar uma decisão, e mesmo cheio de dúvidas, cá estou eu: para te contar não só sobre uma experiência que encheu minha vida de luz… Mas sobre toda escuridão que enfrentei desde então.

Essa história é sobre alguém cuja maior luta é encontrar um sentido maior para a vida.

A chegada

Depois de uma longa viagem de um dia, eu havia finalmente chegado ao portal. Ainda era bem cedo. A pessoa que me trouxe da rodoviária até lá, me levou até o pequeno chalé onde eu ficaria acomodado.

Pediu meu celular e, como ainda estava no meu dia 0, me perguntou que suco eu queria beber. Eu escolhi laranja. Me disse que voltaria às 9h, então aproveitei o momento para me achegar e tomar um belo dum banho.

Estava exausto, pois não consegui dormir direito no ônibus. Então me joguei na cama e apaguei, até acordar por volta das duas da tarde. Nesse momento, como não havia conversado direito com ninguém, inclusive com os facilitadores, não fazia ideia de nada.

Então, sem saber se podia deixar o chalé ou não, fiquei deitado na rede que havia em minha varanda. Depois de algum tempo, uma facilitadora finalmente chegou. Ela me apresentaria o portal. Eu a acompanhei até a cozinha, parte da construção principal.

No caminho até lá, fui confrontado pelos meus pensamentos pela primeira vez. Desde a madrugada desse dia, eu não havia comido nada, e, de manhã, no caminho da rodoviária até o portal, acabei decidindo por não comer, já que não estava com fome, mesmo diante da oportunidade, quando paramos em uma padaria.

Não estava com fome, e senti dentro de mim que não queria comer, mesmo sabendo o que estava adiante. Então não comi. E aí, de tarde, no caminho entre o chalé e a cozinha, pensei que deveria ter comido. Mas… Me lembrei que pelo menos teria o suco.

Após trocar algumas frases com a facilitadora, descobri que há alguns meses ela havia feito o processo, se apaixonado, e que, desde então, vinha trabalhando ali. Acho que ela me disse algo sobre como aquilo poderia acontecer comigo.

Enquanto ela me apresentava o portal, alguém a interrompeu para pedir ajuda com algo. Eu estava nos fundos da construção principal, onde fica o labirinto, e fui andando.

Minha curiosidade me conduziu à beira da entrada de uma trilha para dentro do mato, e eu teria ido adiante, não fosse a facilitadora ter chegado naquele instante. Ela me explicou que, como ainda não havia começado meu Processo de fato, poderia percorrer a trilha se quisesse, mas que as caminhadas por ela fariam parte da rotina de tarefas diárias a partir da segunda semana.

Decidi segurar a curiosidade e guardar a surpresa, deixando para conhecer o que havia além da entrada da trilha numa outra ocasião. A facilitadora continuou me apresentando o portal me explicando algumas coisas.

Conheci o templo, a biblioteca, a cozinha, o labirinto, os quartos e todas as outras dependências. Havia muita natureza, flores e plantas por todos os lados — e muito silêncio. Eram muito bem cuidadas por um dos servidores.

Depois que a apresentação terminou, fui levado até a biblioteca, onde, junto com outros “colegas de processo”, receberia as orientações que deveríamos seguir nos próximos dias.

Uma outra pessoa veio até nós para cumprir essa tarefa. Ela se adiantou e explicou que essa conversa duraria algo em torno de duas horas, e que muitos não ouviam direito o que era dito ali, mas que aquelas palavras eram importantes assim mesmo. Eu as ouvi com cuidado, e acho que isso me ajudou muito nos dias que vieram.

Primeiro ela nos perguntou por que estávamos ali. Havia um professor de educação física, e ele estava ali para entender o Processo. Havia uma jovem, que já havia feito o processo num outro momento, e estava ali para reforçar seus aprendizados. Havia outras pessoas conosco, mas não me lembro de suas respostas. Eu… respondi que estava ali para “ver até aonde ia a toca do coelho”.

A orientadora, então, começou seu discurso explicando que fazíamos parte de uma micro-elite. Enquanto tínhamos acesso a quantidades ilimitadas de água em nossas torneiras em casa, há pessoas no mundo que não têm água sequer para beber.

Nos disse várias vezes que somos Deus, e que nossos problemas não eram de fato problemas reais. Afinal, para que tipo de deus “qual próximo carro eu vou comprar?” é um problema? Disse que éramos privilegiados por podermos estar ali fazendo aquele processo.

Assim, deveríamos, nos próximos dias, dentre outras coisas, exercitar a gratidão. Quando sentíssemos sede por nos faltar água, deveríamos encontrar um outro motivo para sermos gratos. O mesmo para quando sentíssemos fome ou calor.

Nos disse que o ego gosta de fazer associações: se sentimos um embrulho no estômago, logo pensamos que isso é fome. Mas, que dali em diante, quando sentíssemos algo como um embrulho no estômago, deveríamos reconhecê-lo simplesmente como o que era: um embrulho no estômago.

Explicou que o ego também gosta de se distrair: comer, beber, conversar, ter coisas para fazer. Ele toma essas coisas por sua identidade. E que quando tiramos essas coisas dele, coisas começam a acontecer. E que esse era o objetivo de algumas práticas no retiro. Estarmos sós, consigo mesmos, e estar bem dessa maneira.

Durante os próximos dias, teríamos também algumas “tarefas de casa”: devíamos ficar atentos a nossos pensamentos e observá-los. Quando um pensamento passasse por nossas cabeças, não deveríamos nos identificar com ele, mas simplesmente observá-lo e deixá-lo ir.

Assim, se pensamentos do tipo “você é isso”, ou “você é aquilo”, ou ainda pensamentos sobre sentimentos e qualquer coisa do tipo viessem, deveríamos estar conscientes deles. Não era necessário fazer qualquer coisa: refletir sobre seu significado ou respondê-lo, apenas estar consciente dele.

Deveríamos também, claro, ficarmos sem comer, sem beber e em silêncio. Exercitar a nossa presença e estarmos atentos à nossa respiração. Todo dia, fazer pelo menos um percurso no labirinto: antes de entrar nele, pedir licença, e então pedir por alguma coisa que gostaríamos de trabalhar.

Também disse que deveríamos pintar mandalas: era um exercício para perceber as próprias mudanças ao longo do retiro. Mas, como era opcional, eu acabei não fazendo.

Todo dia, às 18h30, nos reunirmos no templo para as orações e, sempre que possível, meditarmos. Havia, inclusive, uma meditação específica para a primeira semana.

Ela nos explicou, também, que entre a terceira noite e o quarto dia, passaríamos por uma “cirurgia espiritual”, e que, até a oração do terceiro dia, deveríamos ter uma lista de tudo que queríamos para esse procedimento.

Não importava o quão absurdo ou mirabolante nossos pedidos fossem, estávamos livres para escrever o que quiséssemos. O Universo daria o seu jeito. Tudo que tínhamos que fazer era escrever no presente e na primeira pessoa.

Então, se você quisesse muito dinheiro, por exemplo, ao invés de escrever “quero ficar rico”, deveria escrever “eu sou rico”. Para garantir que que só aquilo que realmente importava fosse atendido, deveria encerrar-se a lista com a frase: “Que só se concretize o que for do meu Plano Divino”.

Ela contou ainda sua própria história. Não me lembro exatamente, mas acho que disse que, em sua lista, havia escrito, “eu voo”. Porque um de seus sonhos era viajar para a Índia, mas, como tinha medo de lugares claustrofóbicos, isso seria um pouco difícil, exceto se aprendesse a voar.

Tempos depois, foi convidada para ir até lá encontrar alguém importante… De avião. Para ela, isso parecia ser impossível. Mas foi, mesmo assim, e dali em diante, não só aprendeu a voar, como também não teve mais medo de viajar de avião.

Disse muitas outras coisas, também, mas, por ora, isso é tudo. Passei o resto do meu dia 0 tranquilo. Bebi suco e aproveitei a natureza ao redor. Por ter sido orientado, estava bem seguro. A partir da meia noite, eu deveria começar meu jejum absoluto, não podendo ingerir nem mesmo líquidos. E assim foi.

Sincericídio

Tive dificuldades para dormir em minha primeira noite, o que só consegui fazer lá pelas seis horas da manhã. Na orientação, foi dito que esse tipo de coisa podia acontecer, então, ao invés de me aborrecer por não consegui dormir, aproveitei o momento para passar horas lendo um livro que me senti compelido a pegar ao sair da biblioteca quando deixei a orientação: Conversando com Deus.

Há algum tempo atrás, uma senhora havia me falado desse livro, e quando eu o vi na prateleira, ao término da orientação, foi como se ele tivesse me chamado. Eu não peguei nem o primeiro, nem o terceiro da série, mas o segundo. Foi como se, da prateleira, o livro tivesse me chamado, pois ele me saltou aos olhos.

Não tenho muito o que dizer sobre esse dia. Como acabei dormindo muito tarde, também acordei tarde. À noite, nos reunimos para a oração. No dia anterior, eu não tive que falar nada, pois, teoricamente, meu Processo ainda não havia começado, mas como esse era meu primeiro dia, eu deveria comentar sobre ele.

Em um determinado momento na roda de orações, todos os participantes se apresentavam, dizendo seu nome, de onde vieram e em qual dia de qual semana estavam em seu Processo. E aí, comentavam sobre o que quer que fosse que achassem interessante.

Certa vez, um conhecido falou-me sobre essa palavra: sincericídio. Foi advertido por sua terapeuta de que era uma coisa que ele fazia: ser sincero de uma tal maneira que prejudicasse a si mesmo. Eu estava conversando com ele e pedindo conselhos sobre um assunto bem delicado, e ele me falou sobre essa palavra.

Quando cheguei no retiro, não estava vindo da melhor fase da minha vida, e conhecendo-me como me conhecia, não queria acabar falando coisas demais e me expôr na frente de toda aquela gente que eu não conhecia. Então, disse apenas que estava bem. E não comentei mais muita coisa.

O diário

Desde que havia chegado no retiro, tentava todos os dias escrever sobre as coisas que estava vivendo. Em algum momento da primeira semana, me dei conta que isso tomaria muito do meu tempo e que não daria certo. Então, em algum momento da segunda semana, percebi que seria muito mais produtivo se eu simplesmente anotasse em tópicos tudo que estava acontecendo.

Já faz quase um ano que eu passei pelo retiro, e, além de não ter anotado tudo, minha letra horrível dificulta que eu compreenda tudo que está escrito. Então, assim como fiz em meu “diário”, vou passar pela primeira semana contando apenas aquilo que eu achar mais relevante.

Um pedaço do Paraíso

Houve esse instante, logo nos primeiros dias, em que eu estava sentado na varanda da cozinha observando o céu. O contorno da copa das árvores parecia uma espécie de moldura, e a maneira como as nuvens e a luz do Sol se dispunham no céu me deram uma sensação muito peculiar.

Eu não parecia estar observando a paisagem de uma natureza que me cercava: parecia estar observando a paisagem ao redor de uma ilha suspensa do resto do mundo, como se estivesse em um verdadeiro paraíso na Terra. A luz e a profundidade dos elementos no horizonte realmente fizeram parecer que sim. Foi uma sensação única que eu não voltei a sentir ali dessa mesma maneira.

Você se esforça demais

Em uma das primeiras noites, fizemos uma fogueira. Eu não sabia direito o que fazer, então soprei bastante as brasas até que se fizesse uma grande labareda. Embora devêssemos ficar em silêncio, uma das minhas “colegas de Processo” me disse algo que me marcou. Ela me disse: “você se esforça demais”. Depois de meditar um pouco sobre isso, vejo que ela talvez pudesse estar certa.

Talvez isso diga respeito a um padrão que repeti algumas vezes em minha vida: ao chegar em algum lugar novo, me esforçar para logo garantir a minha posição.

Fiz isso em diferentes lugares e em diferentes situações, e o resultado que vinha depois não era muito agradável, porque era como se eu estivesse fingindo ser algo que não sou.

Esteja esse pensamento certo ou não, acho também que no momento estava apenas me entregando ao que eu queria fazer. Isso também é algo que se relaciona com outra coisa que me incomodava: embora eu percebesse que havia outras pessoas que estavam cansadas ou sofrendo, ou pelo menos assim parecia, eu não estava.

Pelo contrário: estava muito feliz e satisfeito com a minha situação, e embora a primeira semana seja considerada por muitos a mais difícil, para mim não foi, mesmo com as dificuldades que experimentei. Para mim, no geral, meu deserto foi fácil e fluído.

E me incomodava pensar que as pessoas poderiam notar e não gostar disso, assunto do qual eu eventualmente falaria em uma das rodas de oração, e as pessoas ririam — não com maldade, mas por ser algo para elas bobo.

Era esse tipo de situação que eu temia quando falei sobre sincericídio, e aconteceu algumas vezes durante meu retiro. O que não foi de todo ruim, como eu descobriria em algum momento mais tarde.

As pequenas coisas

Na manhã do segundo dia, experimentei um de meus primeiros momentos mais desagradáveis. Por motivos logísticos, eu tinha de trocar de chalé, mas o fiz sem tomar banho ou acordar direito, e isso me fez sentir muito fraco e indisposto. Quando finalmente a faxina dos quartos acabou e eu pude voltar para o meu e tomar um banho, foi como se eu tivesse renascido. Senti minhas forças voltarem e fiquei bem de novo.

Aliás, falando nisso, foi outra coisa que eu percebi na primeira semana. Sem comida, sem água e sem contato social, não tinha muito com o que me distrair, e pude prestar atenção nas pequenas coisas. Foi fácil me sentir grato assim.

Acredite, nessa situação, houve um momento em que eu me pus à frente do tanque para lavar a roupa daquele dia e, quando a água gelada tocou minha mão, me senti profundamente grato.

Me senti grato porque, apesar de não poder beber água, podia sentir a sensação de água gelada tocando na minha mão enquanto lavava roupa. Já parou pra pensar o quanto, no dia a dia, é difícil sentir-se grato por pequenas coisas como essa? Não temos tempo pra isso.

Esse tipo de situação me aconteceu várias vezes ao longo do retiro, especialmente na primeira semana. Fosse por estar debaixo duma sombra num dia de Sol escaldante, fosse por uma brisa fresca. Fosse pelas cores das coisas que eu podia enxergar.

Ao longo do retiro, houve pelo menos dois momentos em que eu estava tão presente que enxerguei obras de arte nos contornos das coisas. Em um deles, a silhueta das árvores e a luz que as perpassava me pareceram como uma pintura impressionista. Em outro, os ladrilhos na cozinha, uma pintura cubista. Lembrei-me das aulas de história da arte e esses dois momentos foram muito especiais pra mim.

A primeira vez na história humana em que ser um desistente foi útil

Lembra que eu havia comentado do professor de educação física? Estava claro que, conforme o tempo passava, as coisas pareciam ficar cada vez mais difíceis para ele. Quando olhamos para uma pessoa, do nosso próprio lugar, às vezes pode ser difícil compreender pelo que ela está passando.

Então, em uma das primeiras noites do meu retiro, talvez na segunda ou na terceira, quem sabe, durante a roda de oração, ele anunciou que iria embora no dia seguinte. Explicou seus motivos, disse que estava muito difícil para ele e caiu em prantos.

Acho que foi a primeira vez que eu me expus de verdade naquela roda. E acho também que foi a primeira vez que ter desistido da minha carreira militar foi útil para alguma coisa. Não me lembro exatamente o que disse a ele, mas foi algo como:

— Depois que eu abri mão da minha carreira militar, uma pessoa que na época era muito próxima de mim me disse algo que deu a entender que eu era fraco. É claro que ele me disse isso, mas acho que ele não entendeu direito. Não tinha a ver com ser forte ou ser fraco, acho que não tinha nem a ver com desistir ou continuar. Tinha mais a ver com não ser pra mim. E foi por isso que eu fui embora e é assim que você tem que ver seu ato de ir embora, não como uma desistência. Lá na frente, eventualmente, a gente pode ter a oportunidade de compreender porque as coisas foram como foram.

Eu disse minhas palavras com a melhor das intenções. E quando estive só com ele, as disse novamente. Não acreditava que ele estava sendo fraco, só que talvez não fosse o momento dele estar ali. E então ele foi embora no dia seguinte.

A ilusão das aparências

Conforme os dias da primeira semana passavam, as últimas pessoas que estavam nos últimos dias de seu processo foram embora, e pessoas que começariam o seu chegavam. Os incômodos de não beber aumentavam.

Mas a cada noite que alguém na roda de orações chegava ao final de seu deserto, meu corpo se enchia de força, meu coração se enchia de alegria e meus olhos se enchiam de lágrimas, porque era bom ver meus companheiros vencendo a si mesmos e eu estava a cada dia mais perto do fim do meu deserto.

Uma moça, em específico, conforme os dias passavam, parecia estar extremamente fraca e debilitada. Ela mal conseguia falar ou se mover. Como você pode ver, cada um reage de uma maneira diferente.

Em uma das rodas de oração, acho que ela falou sobre as dificuldades que estava enfrentando. E eu me senti compelido a fazer alguma coisa. Naquela noite, juntei um punhado de pequenas flores e deixei à sua porta, sobre o tapete.

Não estava em meus planos me acusar para ela de ter feito isso, mas, certo dia, em algum dia da segunda ou terceira semana, encontrei com ela e mais outra pessoa ao final da trilha. Contra as regras, elas estavam conversando. Eu, quadrado que sou, me incomodava com isso, mas acabei pensando… “Que mal tem?”. E entrei na conversa.

Eventualmente, essa pessoa falou algo que não me lembro exatamente o quê. Acredito que tenha sido algo a ver com a afinidade que havia entre a gente. Embora o silêncio seja uma prática e regra no retiro, que as pessoas quebram às vezes, em alguns momentos, temos a oportunidade de conhecer um pouco sobre elas nas rodas de oração, enquanto contam sobre seus dias e si mesmas.

Mas, o mais engraçado, não é isso. É como, mesmo no silêncio, parece que você cria laços com umas pessoas mais fácil do que com outras. É como sentia que aconteceu — como se desenvolvêssemos relações mesmo no silêncio.

Foi nessa ocasião que essa pessoa comentou de como era importante pra ela a maneira de como eu corajosa e sinceramente me expunha diante de todos. Eu nunca imaginaria que meu sincericídio pudesse se transformar nisso, numa inspiração para alguém.

Foi então que contei que havia sido eu quem deixou as flores em sua porta. Em alguma das reuniões para oração nos primeiros dias, não naquela ocasião da conversa, descobri que aquela mulher aparentemente fraca, era na verdade uma das pessoas mais fortes que já havia conhecido. Sem saber que o retiro incluía como prática o jejum, ela chegou lá. E mesmo ao descobrir, decidiu ficar.

Quer dizer, uma pessoa foi ao retiro sem saber que passaria vinte e um dias sem comer. Ela não pôde nem pensar sobre isso — como eu pude, muito embora isso não tenha sido uma coisa exatamente produtiva para mim. E mesmo assim ela decidiu ficar. Aquela mulher era um exemplo de força. E eu desejo o melhor para ela, onde quer que ela esteja. Obrigado por existir.

Minha lista mágica

Todo dia, desde que eu havia chegado, sempre que tinha uma oportunidade, eu me punha a escrever a minha lista para minha cirurgia espiritual. Ela acabou ficando gigante, ocupando quase dez páginas do meu caderno. Como eu pensava em mais e mais coisas que queria incluir, às vezes tinha de incluir nas bordas, para que ficasse na ordem que eu queria.

Como essa lista provavelmente está recheada de coisas pessoais demais para serem transcritas, eu não vou colocá-las aqui. Mas vou citar algumas. Eu escrevi:

“[…] Eu tenho muito dinheiro. Eu uso meu dinheiro à serviço da minha vida, da minha felicidade, da minha liberdade, da minha verdade, da minha missão, do meu propósito e da minha vontade. […]”

“[…] Eu viajo a serviço. Meu e do amigo. Meu fiel amigo, que é o Senhor. Meu esteio e meu oásis, meu pastor e meu pai. Minha fonte da eterna água viva. Meu refúgio e meu castelo. Minha espada e meu martelo. Meu fiel porto seguro. Meu indestrutível escudo. […]”

Escolhi essas duas passagens porque a primeira é sobre dinheiro, e sei que dinheiro é um assunto tabu, especialmente quando se fala sobre espiritualidade. A segunda, porque foi onde pousei meus olhos aleatoriamente quando abri minha lista e porque acho que é uma passagem bonita.

Minha lista ficou recheada dessas rimas e poesias, como se fosse um salmo ou algo do tipo. Não sei se podia ser feita assim, mas foi assim que eu a fiz. E coloquei aqui o trecho sobre dinheiro porque quero dizer que talvez não tenha problema você colocar o que quiser na sua lista, não importa o que seja. Talvez a gente não deva repreender nossos desejos.

Dinheiro é uma coisa boa. Com ele, podemos ter mais liberdade e conforto. Mas também podemos pagar por coisas escusas. Subornar as pessoas, conquistar poderes indevidos, aumentar as distâncias entre nós e os outros ou atrair aqueles que não estão de fato interessados em nós, mas no que temos.

Não quero sugerir aqui que qualquer coisa seja intrinsecamente certa ou errada, apenas que podemos usar o dinheiro com diversas finalidades, e algumas delas são melhores que outras.

Isso foi um pouco da minha lista.

A cirurgia

Ao término da roda de orações da terceira noite, fui orientado a como devia proceder. Na verdade, todas as noites eu prestava atenção nas orientações que eram passadas às pessoas, mesmo que elas fossem para aqueles que estavam mais a minha frente no processo.

Talvez esse tenha sido o motivo pelo qual, já na primeira semana, comecei a pensar em pessoas. E desde então, quando pensava nelas, fazia o que tinha que ser feito: agradecer, pedir perdão ou outra coisa do tipo. Esse seria um trabalho típico da segunda semana.

Fui para o meu quarto, arrumei tudo, me preparei para dormir e, antes de deitar, fiz como havia sido instruído: sentei-me à escrivaninha e pus-me a ler a minha lista.

Eu a li pausadamente, e a cada frase, fechava os olhos e sentia-me grato, como se já estivesse sentindo meu pedido ser entregue. Devo confessar que, como minha lista era muito grande, conforme fui avançando em sua leitura, meu esforço ia se esvaindo.

Ao final, deitei-me e dormi. Haviam-me dito que dali então, em algum momento que poderia até mesmo ser infinitesimal, seria visitado pelos espíritos que trabalhavam ali no portal e eles fariam em mim uma cirurgia espiritual.

Na roda de orações, contavam-se histórias sobre outros iniciados que acordaram no meio das cirurgias, que viram e falaram com os anjos. Eu acho que eu teria medo de acordar no meio da noite e ver qualquer coisa, e acho que comentei sobre isso. Lembro de ter sido respondido que esse tipo de coisa só acontece com quem realmente está aberto para que aconteça.

Não aconteceu comigo: eu peguei no sono e dormi. Não lembro direito, mas acho que acordei uma meia hora depois de dormir a primeira vez. Talvez tenha acordado mais algumas vezes durante à noite. E foi isso.

Um convite

Como os dias passavam e a boca ficava cada vez mais seca, era difícil lidar com isso. É dito que a primeira semana é para trabalhar o corpo físico: o jejum absoluto ajuda o seu corpo a se limpar e purificar.

Talvez isso explique porque, mesmo sem comer nem beber nada, conforme o fim da primeira semana se aproximava, o gosto em minha boca ficava cada vez mais insuportável. Esse gosto era tão horrível que, por vezes, tive náusea e vontade de vomitar.

Não era um gosto qualquer, para mim parecia como se fosse um gosto proveniente de coisas que estivessem encrustadas dentro do meu corpo, como talvez o monte de porcarias químicas dos alimentos que a gente consome ao longo da vida. Eu não sei, é só um palpite. Mas é isso.

Embora não pudéssemos beber, para lidar com a ausência de líquidos, podíamos fazer bochechos, desde que cuspíssemos toda a água depois. Mais tarde, descobriria, observando algumas pessoas, que podíamos até colocar uma folhinha de hortelã no copo d’água que usávamos para bochechar.

Sei que haverá aqueles que dirão: “ah, mas então você não ficou em jejum”. Bem como aqueles que dirão o mesmo em relação ao fato de que a partir da segunda semana, tomamos sucos de frutas, ainda que diluídos em água. “As frutas estavam te nutrindo”.

Para esses, digo ainda o seguinte: e quanto ao banho? Será que, por osmose, o corpo não absorve alguma quantidade de líquido, impedindo a si mesmo de ficar completamente desidratado?

Digo mais: todos os dias, mesmo em jejum absoluto, urinamos. E esse é um evento comum para todos, pelo menos de acordo com as orientações. Eu urinava todos os dias. O que provavelmente é um atestado de que ainda havia muito líquido no corpo. Faz sentido, afinal. Diz-se que o corpo é majoritariamente feito de água.

Digo também que, em minha sede, encontrei um jeito de fazer um bochecho em que a água ia tão fundo na minha boca que tocava minha garganta, mas sem bebê-la. Essa foi a maneira como eu também, algumas vezes, cheguei a quase ou até a engasgar, e, por isso, passei por alguns dilemas pessoais. Mas não vou falar disso agora.

Para essas pessoas, eu direi o seguinte: se você está tão seguro de que foram essas pequenezas que me fizeram não só passar vinte e seis dias e meio em jejum, mas aproveitá-los de uma tal maneira como poucos outros dias em minha vida, eu te faço um convite. Vá você fazer o Processo dos 21 Dias.

Felicidade

Ainda sobre os bochechos que comentei logo antes, eu levei esse assunto mais de uma vez à roda de orações. O que recebi como resposta foi que, se eu tivesse de fato engolido alguma água, ou ainda uma quantidade relevante de água que não uma gota ou algo do tipo, como passava pela minha cabeça que podia ter sido, eu não estaria pensando nisso.

Minha mente, ou meu ego, me fazia pensar nisso justamente para me deixar prostrado. Fazia sentido. Afinal, se eu tivesse de fato bebido alguma água, ainda que sem querer, eu teria certeza.

Mas isso não era ainda o mais importante. O mais importante, eu viria a descobrir, era o seguinte: mesmo que eu tivesse engolido qualquer quantidade de água, isso não faria diferença.

Na verdade, eu perguntei especificamente se beber qualquer quantidade de água estragaria o meu processo, e a resposta foi sim. E embora eu entenda essa resposta, eu também entendo o que tenho a dizer a seguir, e as pessoas que facilitam o retiro também:

Ficamos sem comer e sem beber no deserto com uma finalidade específica. A mesma finalidade pela qual ficamos em jejum líquido ao longo do resto do Processo, ou pela qual ficamos em silêncio ou observamos o nosso próprio pensamento.

Mas nada disso realmente importa. O que importa, na verdade, é o que conseguimos ao ficar em jejum. E o que conseguimos, ou pelo menos deveríamos conseguir, é entrar em contato com Deus.

Quando eu falo de entrar em contato com Deus, é difícil explicar o que isso quer dizer, mas quer dizer algo mais ou menos como ouvir a sua voz interior. Não a voz tagarelante da nossa mente. Mas aquela voz mais intuitiva e verdadeira que todos temos.

Entrar em contato com a divindade que há dentro de nós e nos conecta ao resto do Universo. Que faz com que nos sintamos iluminados. Que faz com que nos sintamos inteiros. Que faz com que nos conectemos ao melhor que existem nós.

Se você nunca sentiu isso, não faz sentido que eu fique escrevendo a respeito. Provavelmente não vai adiantar. Mas, se você já sentiu, o que eu acho que é o caso, por mais breve que tenha sido essa experiência, então você sabe do que eu estou falando.

Acredito que, em textos sagrados, bem como em pesquisas científicas recentes, há referências a essa sensação. Alguns pesquisadores a chamam de fluxo. Religiosos de iluminação.

Na bíblia, acredito que pode-se reconhecê-la, por exemplo, na expressão “reino dos céus”. Outros se referem a ela como estar presente no aqui e no agora.

No sânscrito, acho que é nirvana a palavra que a descreve. Nessa linguagem ancestral, há até mesmo uma expressão que diz respeito a quando você tem um vislumbre da iluminação, mas não permanece nela, que acredito que seja o caso da maioria de nós.

Nós, pessoas comuns, a conhecemos como felicidade.

Assim, não é possível dizer que, ao viver o Processo dos 21 Dias, você deva ignorar o jejum, o silêncio etc. Mas toda vez que enfrentar dificuldades e dúvidas, como eu enfrentei, ou se deparar com sua mente tentando lhe pregar alguma peça, como eu me deparei, lembre-se: mais importante do que qualquer jejum ou silêncio, é encontrar esse estado de ser no seu interior. Diz-se que, na verdade, é isso que nós de fato somos. Que todo o resto é ilusão.

No fundo do chão frio

Eu descobri várias coisas que podia fazer para enfrentar a secura na boca. Como me deitar no chão fresco da biblioteca, ficar na rede sob a sombra das árvores ou molhar meus braços, pernas e corpo na torneira em um momento de mais calor ao longo do dia. De uma certa maneira, posso dizer que em algumas ocasiões me alijei nessas coisas e que o melhor talvez seria não ter feito isso.

Mesmo assim, não posso me abster de dizer o quão bem lidei com meu deserto, a minha primeira semana. Conforme seu fim se aproximava, meu corpo ia, aparentemente, sentindo cada vez mais falta de água.

Esses foram meus maiores desafios na primeira semana: perto do meu último dia, às vezes eu acordava várias vezes no meio da noite sentindo sensações alternadas de muito frio ou de muito calor. Eu tremia ou suava. Talvez isso tenha a ver com os níveis de água dentro do meu corpo.

Essas sensações eram tão intensas, que minha única solução era me lançar para debaixo do chuveiro e tomar um banho muito quente, ao mesmo tempo em que eu enfiava minha cara debaixo da água gelada da pia. Era uma sensação indescritível, de precisar de frio e quente ao mesmo tempo.

Houve essa outra vez em que eu estava deitado no chão da biblioteca. Após a cirurgia espiritual, por três vezes ao dia, durante alguns dias, você tem que passar umas duras horas deitado, sem se levantar, como se estivesse em um pós-operatório.

Dessa vez, me programei para fazer ali onde estava. E eu molhei meu corpo, braços e pernas na torneira antes, como vinha fazendo, por estar com muito calor. Deitei-me no chão, com uma almofada sob minha cabeça para cumprir meu horário de descanso e acabei adormecendo.

Momentos depois, eu acordei morrendo de frio. O chão, que antes parecia refrescante, agora estava me fazendo tremer. Bom, talvez eu pudesse ter me levantado e deitado em qualquer outro lugar, mas pensava na incisividade das orientações e acabei decidindo por ficar lá. E tive que aturar o frio até o fim do descanso.

Mesmo com esses episódios de sintomas físicos que demonstravam as dificuldades que meu corpo provavelmente estava enfrentando, o curioso é que eu estava muito bem. Isso não me fazia pensar: “meu Deus, será que estou morrendo?”, ou ficar com raiva, dúvida ou medo.

Pelo contrário, eu assumia que aquilo era algo normal e agradecia por saber que o fim do meu deserto estava se aproximando. Dificilmente me olho no espelho e reconheço força como uma de minhas principais qualidades — eu sou outro tipo de pessoa. Mas esse tipo de coisa me faz ver a minha própria força.

Como será que outras pessoas teriam reagido no meu lugar?

Deixando o deserto

Por fim, chegou a minha vez. Era meu dia de deixar o meu deserto, declarar-me senhor de mim mesmo e tomar a minha água abençoada. Como em todos os outros dias, nos reunimos no templo.

Antes da minha cerimônia, pedi licença para ler uma passagem da Bíblia que eu havia escolhido nos dias anteriores. Eu acreditava que a Bíblia que havia levado na minha mochila era a que meu falecido avô havia dado para minha mãe.

Meu avô era um homem muito inteligente, e de uma certa maneira, ele quem passou esse ímpeto espiritual para minha mãe, que, por sua vez, passou para mim.

Eu e ela temos gostos e escolhas muito diferentes, mas, talvez, algumas coisas em comum… A fé, uma busca por Deus, pela verdade. Mas não, essa Bíblia, na verdade, era a que meu pai havia dado para ela, que a deu para mim e que, ainda hoje, está na minha prateleira.

A passagem que eu li foi a da Samaritana, quando Jesus pede água para uma mulher em um poço e dali começa um diálogo. Escolhi essa passagem por Jesus falar de uma tal “água viva”. Com minha garganta tão seca, eu mal conseguia falar e meus lábios às vezes grudavam um no outro.

Eu chorei, muito embora não quisesse. E, em meio aos meus soluços, li a oração que tem que ser proclamada antes de beber a água. Infelizmente, não me lembro de cor como ela era, e pareço não ter registros, mas me lembro de como ela terminava, algo como:

“Eu sou o mestre de mim mesmo!”

Então, coloquei o memento no chão e, segurando meu copo com as duas mãos, fechei meus olhos e, lentamente, dei meu primeiro gole. Eu tremia e, além de ter sentido uma sensação que eu não tenho como descrever — vou deixar para você imaginar: eu estava há sete dias sem beber água, outra coisa aconteceu. E não, não foi o fato de eu quase ter engasgado.

Quando eu abri os olhos, olhei para a esquerda e perguntei para a pessoa que estava ao meu lado: “você me tocou enquanto eu bebia a água?”. Ela respondeu que não.

Agora, acredite se quiser, eu tenho que te dizer. Enquanto eu dava meu primeiro gole, de olhos fechados, senti uma sensação MUITO forte de algo me segurando logo acima da minha cintura, do lado esquerdo do meu corpo.

Talvez eu não tenha citado isso aqui ainda, mas eu sou um homem cético. Como um homem cético, refleti sobre isso algumas vezes depois, e o que eu posso dizer é o seguinte: eu realmente senti como se uma mão estivesse me segurando. E a pessoa que estava ao meu lado respondeu que sequer tocou em mim, bem como ninguém na sala a desmentiu.

Para mim, isso significa que das duas uma: ou meus músculos daquela região se contraíram e me fizeram pensar que algo me segurava, o que eu não vou dizer que não foi, mas também não vou dizer que foi; ou eu fui tocado por alguma coisa.

Como eu havia pensado muito em meu avô, imaginei que talvez pudesse ter sido ele. Talvez tenha sido um anjo, quem sabe Deus ou algum outro espírito. Enfim, talvez algo tenha me tocado. E sendo bem sincero, é isso que eu acho que aconteceu.

Não acho que tenha sido uma contração muscular. Acho que algo me tocou. Eu não sei o que foi, mas é o que acho. Cabe a você tirar suas próprias conclusões.

Epílogo

Querido leitor, devo me desculpar, mas tenho um prazo a cumprir, então por enquanto essa história acaba por aqui. É por isso que vou evocar um recurso comum aos narradores e dizer:

Continua.

Há muito mais a dizer. Essa é uma história sobre a busca da felicidade, e como tal, muitas reflexões poderiam ser feitas, como o fato de que penso que a maioria de nós somos escravos conformados. Mas, por enquanto… Isso é tudo.

Antes de ir, gostaria de dizer só mais algumas coisas. Quando as pessoas lerem este trabalho, elas não terão noção de sua dimensão. Ele é a soma do desejo de minhas gerações passadas, que me colocaram neste mundo, e desejaram que eu me tornasse um cidadão graduado, dos meus interesses e de muitas outras coisas.

Antes de chegar até aqui, foram dez anos de muita tentativa e erro, e muitos, muitos fracassos (essa não é a minha primeira vez em uma graduação, embora seja a primeira que chego ao final de uma), que finalmente foram convertidos em uma vitória muito importante. Então você deve imaginar o peso da mochila que eu finalmente estou jogando no chão. Esse objetivo muitas vezes deixou de ser meu, e eu o conquistei mesmo assim na base da teimosia, mesmo que isso incluísse me arrastar.

Para completar, escrever este trabalho não foi fácil. Tive muitas dúvidas. Acho que eu teria dúvidas independente do tema que escolhesse, mas este tema em particular é muito importante. Vivemos em um momento quando aquilo que é certo é muitas vezes confundido pelo que é politicamente correto, e escrever sobre “cura” parece uma grande hipocrisia quando você não se considera a si mesmo uma pessoa curada.

Há muitos gurus e mestres por aí, de todas as áreas do saber, que querem nos dizer o que fazer e como fazer, como se eles fossem a autoridade máxima em seus campos de atuação e nós tivéssemos que comprar suas ideias. Isso é especialmente verdade quando se trata de “desenvolvimento pessoal” e imagens projetadas nas redes sociais, como o Instagram, o que é um tremendo malefício para nossa saúde emocional.

Quero deixar bem claro que eu não quero te dizer o que fazer ou como pensar. Essa história sou apenas eu compartilhando algo que foi de suma importância pra mim. Aliás, se no começo eu tinha muita ânsia de fazê-lo, ao longo do caminho essa ânsia deu lugar a todas as minhas dúvidas.

Como eu havia previsto ainda ao longo do meu Processo, sabia que todo o progresso pessoal que fizesse lá dentro poderia se perder caso eu não tomasse as precauções necessárias.

Quando saí, eu só não acreditava que isso de fato aconteceria (e aconteceu), pois eu estava muito transformado, em todos os sentidos. Logo comecei a me questionar se de fato tinha algo importante a dizer, afinal, como diz o poeta:

Todos os meus conhecidos tem sido campeões em tudo

E eu já não estava tão bem assim, o que para mim quis dizer que a transformação talvez não tivesse sido assim tão verdadeira. Se eu coloquei a mim mesmo em uma situação como essa, potencialmente negativa, não quero ser o responsável por guiar outra pessoa para o mesmo lugar. Não quero ser mais um cego guiando outro cego, como há muitos por aí.

Apesar de tudo isso, realmente acredito que o Processo dos 21 Dias foi uma das experiências mais incríveis da minha vida, muito embora hoje, o que eu vivi, por vezes, pareça até que não foi real. Me sinto até bobo ao compartilhar algumas coisas.

Como eu disse para o camarada que saiu de seu processo nos primeiros dias: talvez lá na frente isso tudo faça sentido. Ou talvez não faça. Mas está tudo bem, de uma forma ou de outra.

Caso ainda não tenha ficado claro: eu não sou nenhum santo. Não escrevi sobre milagres ou sobre um mundo perfeito porque ache que me enquadre em qualquer definição tal. Pelo contrário, acho que sou uma pessoa aquém do que poderia ser, e isso me frustra muito, mas como diz o ditado: é a vida.

Sou uma pessoa normal com qualidades e defeitos, vitórias e derrotas, vícios e virtudes, que se enquadra, muitas vezes, nos paradoxos aos quais me referi ao longo do trabalho.

É engraçado, porque nós seres humanos esporadicamente nos parecemos com verdadeiros quebra-cabeças feitos de paradoxos e hipocrisias, e alguns de nós negarão mesmo que isso seja verdade para eles.

Estou falando de desejar uma coisa e fazer outra, por exemplo, mesmo quando isso vai de encontro aos nossos valores — o que é um evento mais ou menos comum na vida de todo mundo.

Tornar-se mestre de si mesmo e ser genuinamente feliz tem muito a ver com isso: desvendar esses paradoxos. E convenhamos, ser GENUINAMENTE feliz é uma tarefa árdua. Alguns de nós parecem ter vindo com o equipamento adequado para fazer justamente o contrário.

Para terminar, escrevi todas essas dezenas de páginas com um teclado semi-funcional, tendo de usar um teclado virtual para escrever alguns caracteres, como o “p” e o “j”, além de todos os outros desafios que tive de superar ao longo dessa jornada. Só um ninja poderia ter feito isso. Eu não sou um grande fã de estoicismo, estou mais para um sujeito hedonista, mas…

Eu venci. E estou muito orgulhoso disso.

Espero que você tenha gostado e… Nos vemos por aí.

Você chegou ao fim dessa história. Se você quer que ela continue, por favor, me diga! Eu tenho várias ideias. Fique à vontade para compartilhar comigo também a sua opinião. Se você quiser ler mais alguma coisa, como a parte teórica, volte para o index.

Obrigado por estar aqui. É uma honra pra mim.

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André Demenech

Conteúdo sobre evolução, espiritualidade e expressão. Expanda sua consciência.