Otavio Silva
7 min readMay 3, 2020

Nada a Perder (2018)

UMA ANÁLISE DO EVANGELICALISMO MODERNO E SUA RELAÇÃO COM OS ENSINOS DE KENNETH HAGIN

Nada a Perder — Contra Tudo por Todos é um filme do Diretor Alexandre Avancini que conta a história do Bispo Edir Macedo e sua trajetória desde sua infância conturbada em Rio das Flores, município do Rio de Janeiro, até a ameaça de fechamento de sua Igreja em algum momento da história nos 90.

A narrativa contada mostra seu primeiro namoro, seu noivado conturbado e casamento festivo, a fundação da IURD, o conflito com o cunhado R.R Soares, a compra da Rede Record e sua polêmica prisão em 1992.

Embora seja de meu costume fazer críticas de filmes, esse texto se trata apenas de uma breve análise do evangelicalismo brasileiro na era moderna e suas implicações gerais. Edir Macedo de fato é o grande líder religioso da igreja neopentecostal brasileira e o pioneiro quando se trata de teologia da prosperidade, portanto, nada melhor do que analisar as características do evangelicalismo brasileiro que estão no filme.

Ainda jovem Edir Macedo demonstra certo desapontamento com o Catolicismo Romano e decide romper com o Papismo tradicional de sua família ao se filiar à Igreja Nova Vida. No longa, Edir Macedo é menosprezado pelo próprio Pastor de sua Igreja local (Robert McAlister) que se recusa a dar uma oportunidade ao jovem de pregar no púlpito para “ganhar almas” para Cristo. Inconformado, ele decide sair da Igreja Pentecostal onde congrega e se filiar a outra Igreja com seu cunhado R.R Soares, que logo depois também o menospreza afirmando que ele não tinha talento para ser Pastor e pregar para multidões. É a partir desse ponto que Edir Macedo resolve seguir seu objetivo sozinho. Com a ajuda de algumas pessoas consegue fundar a Igreja Universal do Reino de Deus em 9 de julho de 1977. É quando observamos a primeira característica do Ministério de Edir Macedo:

O CONFLITO COM OS ROMANISTAS

Edir Macedo, no filme, é perseguido por um líder católico e por políticos caricatos e ‘malvados’ que querem a qualquer custo prender Macedo e parar sua máquina de ganhar dinheiro. Esse conflito entre evangélicos modernos e católicos romanos não é de hoje. Os evangélicos não eram muito bem vistos pela sociedade brasileira nas décadas de 80 e 90. Principalmente na década de 90, quando as Igrejas Evangélicas chegaram em peso na Televisão, com seus programas cheios de milagres e testemunhos. Era um marco na história, o canal católico Canção Nova não era mais soberano, e isso erradicou uma série de conflitos.

O conflito entre católicos e neopentecostais na grande mídia já estava bem acirrado, talvez tenha atingido seu auge quando os Bispos de Macedo começaram a se popularizar entre a população de baixa renda . Edir Macedo e Silas Malafaia se juntavam para atacar Padres e Bispos em debates acirrados nos programas de TV dos anos 80! Analisando esse período conturbado entre neopentecostais e católicos, o caso mais notório foi do Bispo da IURD que chutou uma Imagem de Nossa Senhora Aparecida em um programa de televisão em 1995. A cena causou ódio nos católicos e a reprovação de outra religiões não cristãs “perseguidas’’ pela IURD como Umbanditas. Mas, obviamente, essa repercussão por parte dos não-cristãos não foi se quer mencionada no filme.

EVANGÉLICOS MODERNOS

Em 9 de maio de 2017, Ricardo Mariano, professor de Sociologia da USP, em entrevista a Pedro Bial no Programa da Rede Globo afirmou:

“Os evangélicos somam hoje, quase 60 milhões no Brasil. Eles apresentam um perfil muito jovem, uma Religião concentrada no meio urbano, se no passado, os pentecostais ocupavam casas, igrejas e espaços de trabalho, nas últimas décadas eles tomaram todos os canais de comunicação e mídia, principalmente TV e Rádio e Internet, a política partidária e eleitoral, começaram a vender inclusive produtos eróticos ‘gospel’, e atualmente a fala deles se mostra contra o tradicionalismo, o moralismo e ao controle pastoral e denominacional’’.

Para que você, caro leitor, se lembre do contexto, estou me referindo àquele Programa cujo qual convidaram Priscilla Alcantara, um humorista evangélico e um rapper para falar sobre o fenômeno dos evangélicos na internet como precursor moderno da Reforma Protestante. Tentando entender termos do meio Pentecostal como “canela de fogo”, “manto” e “línguas estranhas” Pedro Bial salta dos desdobramentos da Reforma em Winterberg no Século XVI para as gírias de jovens artistas do meinstream gospel sem nenhum comprometimento com a riqueza Teologica e Social da Reforma. Por incrível que pareça, quem mencionou a influencia de Lutero na vida cristã prática, foi o professor Ateu, que claramente incomodou os artistas convidados que mal sabiam explicar os termos relacionados a sua própria fé.

Além de outras falácias, o professor implicitamente tenta desvalorizar o Cristianismo Reformado e o Pentecostalismo Clássico para enfatizar de forma tendenciosa essa geração de neopentecostais influentes com seus programas televisivos, artísticos e humorísticos. Além do crescimento dos evangélicos, nos últimos anos, em relação aos católicos, o que não passa de dados estatísticos. Sabemos que o crescimento da Igreja Invisível de Cristo não se mede por número de pessoas que confessam a fé evangélica na TV, justamente por causa do alto número de cristãos nominais no Brasil.

Porém, isso tudo começou com Edir Macedo e sua Seita da Prosperidade. É graças a ele que você prefere dizer que é “Protestante”, ao invés de dizer que é “Evangélico”. Reza a lenda que o teólogo liberal Caio Fábio alertou, ainda em meado dos anos 80 que se as Igrejas Protestantes Históricas não tomassem as medidas cabíveis, no futuro, ser Evangélico seria sinônimo de ser um membro da Igreja Universal do Reino de Deus. Dito e feito, não que Caio Fábio seja hoje um exemplo de piedade e cristianismo autêntico, infelizmente.

Segundo, Alister McGrath, o termo “evangélico” data do século XVI e era, naquela época, usado em relação aos cristãos que ansiavam por um retorno às crenças e às práticas mais bíblicas do que aquelas associadas ao período final da idade medieval. Esse termo foi utilizado especificamente em 1520, quando os termos évangelique (francês) e evangelisch (alemão) passaram a se destacar na literatura polêmica no início da Reforma.¹ O termo atualmente se refere, em maioria, aos neopentecostais carismáticos. Essa narrativa de que o Evangélico é o Neopentecostal da IURD ou da IMPD (Igreja Mundial do Poder de Deus) é disseminada pela grande mídia e pelos muitos canais informativos da Internet. O meio Evangélico hoje tende a ser associado ao meio Neopentecostal, cuja a Teologia da Prosperidade predomina. Por isso Cristãos Reformados, os que confessam a Fé Reformada publicamente, justamente para não serem confundidos com os Neo-Pentecostais, preferem dizer que são “Cristãos Reformados” e não “Evangélicos”, uma vez que o termo “Evangélico’’ perdeu o seu significado nos últimos anos.

CONFISSÃO POSITIVA

Em muitas partes do filme, Edir Macedo fala incisivamente frases como: “É agora ou nunca”, “Deus é Deus ou Deus é falso”, “ou a Bíblia é a verdade ou é a mentira”, “Deus quer mudar a sua vida, mas para isso acontecer, você precisa crer, precisa se lançar”, “você precisa sacrificar no altar” etc… Ainda no começo de sua trajetória, pregando em praças públicas, Macedo já começa a fomentar sua linha de produção de fiéis em massa com Confissão Positiva, que é o fato de pressionar ou exigir recompensas a Deus. Por exemplo: “Eu quero minha benção, e eu não saio daqui até o Senhor me abençoar”, como se Deus tivesse obrigação de te dar tudo que você pediu só porque você declarou isso em voz alta. E como você teve Fé, Deus tem a obrigação de te dar. Sabemos que cada grande líder religioso carismático tem um mentor e o de Macedo, foi o grande expositor da teologia da prosperidade nos EUA Kenneth Hagin, Edir Macedo trouxe a Confissão Positiva para o Brasil depois que percebeu o resultado obtido nos EUA. Ele mantém essa característica até os dias de hoje.

PRISÃO E VERSÍCULOS ISOLADOS

Em vídeo publicado em 29 de abril de 2015, Edir Macedo diz ao repórter Roberto Cabrini, do programa Conexão Repórter do SBT, que se sentiu humilhado quando foi preso em 1992 por charlatanismo, curandeirismo e estelionato, e que depois lembrou que o Apóstolo Paulo também foi preso, o Apóstolo Pedro foi preso e que Jesus também foi preso. Ele só não disse que todos eles foram presos por defenderem o Evangelho e não por estelionato.

OBJETIVO DA MISSÃO

Edir Macedo enfatiza de forma prolixa que seu desejo é ganhar almas, porém, quando prega, apenas fala palavras soltas e versículos isolados, reflexões rasas e uma pregação pragmática. O Verdadeiro Evangelho de Cristo que se resume a Fé e Arrependimento, nunca é mencionado no longa. Mesmo sendo Doutor em Teologia, Edir Macedo não professa palavras como pecado ou inferno, somente vitória sobre as dívidas, desemprego, desespero, exorcismo e curas milagrosas. Este último merece atenção especial.

DOUTRINA DAS CHAGAS DE CRISTO

Edir Macedo ensina que crente não fica doente. Por causa do texto bíblico que diz Cristo levou sobre si as nossas dores (Isaías 53). E pior, ao entrar na sala de Cinema, me deram um lencinho. No final do filme o próprio Edir Macedo explica que Paulo curava as pessoas através de suas roupas, pertences e objetos (Atos 19:11–12). Então, com tom de confiança ele exclama que assim como as enfermidades fugiam das vitimas que tinham os lenços e aventais pessoais de Paulo, os espíritos malignos iriam fugir dos telespectadores que estivessem com o lencinho da IURD. Ele fez uma oração e mandou um forte abraço para todos os seus fiéis que estavam na sala do cinema chorando emocionados ao verem o Bispo.

CONCLUSÃO

O evangelicalismo moderno que Hagin popularizou nos EUA, Macedo popularizou no Brasil, exceto a unção do riso. Eu resolvi assistir o filme porque sou um grande fan de Cinema e essa é uma grande oportunidade para entendermos melhor como mega igrejas Neo-Pentecostais atraem tantas pessoas e como elas se distanciam do Cristianismo Bíblico, Confessional e Reformado e de Igrejas Pentecostais Históricas.

Bibliografia: ¹Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução a teologia cristã / Alister E.McGrath — São Paulo: Shedd Publicações, 2005.