O Metaverso não Salvará o Facebook: mas seu Império não Cairá Hoje

Otavio Bopp
6 min readMay 4, 2022

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O primeiro trimestre de 2022 foi marcado por uma queda nos mercados financeiros mundiais, sendo nenhum resultado negativo tão impactante quanto o tombo que as ações do Facebook — agora Meta — levou. Os valores despencaram de 323 para 237 dólares em um único dia; simbolizando uma perda de mais de 200 bilhões de dólares em market cap.

Para se ter uma ideia da magnitude desse montante, o TCU estimou que todos os gastos do governo brasileiro na Copa do Mundo de 2014 chegaram em R$25,5 bilhões; aproximadamente 11 bilhões de dólares, em valores de 2014. Ou 20 vezes menos do que o Meta perdeu desde o início do mês.

A queda nas ações do Meta em fevereiro de 2022 poderia financiar quase 20 copas do mundo. Foto por Pedro Menezes, disponível em Unsplash

Um dos principais motivos por trás dessa desvalorização foi o lançamento do Year End and Q4 2021 Reports ,que revelou uma contínua estagnação na renda e números de usuários nos produtos META. Todavia, resultados meramente medíocres não explicam completamente a queda vertiginosa que a companhia vem sofrendo. Para isso, precisamos entender o modelo de negócios do Facebook.

O Meta é dividido internamente em dois setores: a “Family of Apps”, que contém as redes sociais da empresa (Facebook, Instagram, WhatsApp) e o serviço de vendas de anúncios; e a “Reality Labs”, que desenvolve tecnologias de realidade virtual, como os headsets Oculus. Ambos setores passam por dificuldades sérias, e distintas.

CORAÇÃO DO METAVERSO É O PONTO MAIS FRÁGIL

O Meta é um gigante no competitivo e promissor mercado de realidade virtual. Foto por Vinicius Amano, disponível em Unsplash

A realidade virtual é uma tecnologia revolucionária — com potencial para se tornar tão comum quanto os computadores atualmente são nas diversas residências ao redor do mundo. E quando o Facebook comprou a Oculus em 2014, a companhia se posicionou como um líder nesse mercado.

Ao colocar seu capacete VR da Oculus, o usuário é imediatamente transportado para sua casa virtual — o ambiente padrão é uma mansão mobiliada, com uma lareira e vista para montanhas; que pode ser alterada de acordo com suas vontades. Cansando-se desse ambiente, o usuário pode viajar por uma infinidade de casas construídas pela comunidade — talvez para uma praia, uma fazenda, ou até mesmo outro planeta. E essas viagens não precisam serem feitas sozinhas; o usuário pode convidar amigos ou estranhos para visitar sua casa virtual, e conversar com seus avatares.

Que tal ter uma vista como essa sem deixar seu quarto? Foto pot mahdis mousavi, disponível em Unsplash

É em ambientes assim — e não no Facebook — que Mark Zuckerberg vê o futuro das redes sociais. Por isso, o Facebook se renomeou Meta, visando a concretização de um grande plano: criar um metaverso que unifique a tecnologia VR do Reality Labs com as redes sociais do Family of Apps.

Porém, esse objetivo ambicioso colide com uma realidade de altos custos e baixa lucratividade. A divisão causou um prejuízo de aproximadamente 8 bilhões de dólares para o Meta apenas no ano de 2021; um valor que se assemelha à Copa do Mundo de 2014, sem a construção de estádios novos. Isso é quase um terço da renda bruta do Meta, e têm como consequência a retirada de recursos de outros projetos e a diminuição dos dividendos para os acionistas.

Todo esse investimento pode ter ótimos retornos a longo prazo, mas a Reality Labs está a anos — senão décadas — de distância da lucratividade.

Anúncios personalizados em risco

“É gratuito e sempre será”. Por anos, esse slogan seria visto por todos os usuários que entrassem no Facebook sem uma conta logada. E, apesar do bordão ter sido removido em 2019, o Facebook — e todos os outros membros da “família de apps” — continuam comprometidos em não cobrar diretamente de seus usuários. O custo de entrada para uma rede social gratuita é, e sempre foi, vender a privacidade de seus usuários para anunciantes.

Antiga página de entrada do Facebook. Disponível na Wayback Machine

Como descrito no Q4 Earnings Report, 97% de toda a renda bruta do grupo Meta vem da venda de anúncios. Seu modelo de negócios consiste em tentar criar um perfil preciso de cada um de seus usuários, para mostrar-lhes propagandas de produtos que melhor condizem com o perfil formulado. Gênero, idade, sexualidade, opinião política… O Meta rastreia tudo isso, e muitos dos cookies encontrados nos mais diversos websites são feitos especificamente para fornecer mais informações sobre os usuários para Zuckerberg.

A maioria das pessoas não se sente confortável com esse sistema e, dadas a oportunidade, darão o mínimo de informações possíveis para anunciantes. O Facebook ganhou em média $10USD por usuário em cada trimestre de 2021, o que equivale a um lucro de centenas de reais todos os anos, advindo de produtos supostamente gratuitos.

No entanto, com novas medidas de privacidade nos aparelhos Apple — que podem ser copiadas pela Google em um update próximo do Android — o modelo de negócios do Meta está em sério risco.

Ainda no Q4 Earnings Report, o Meta ameaçou deixar a União Europeia caso novas leis de privacidade entrem em vigor. Dias depois, o Meta disse que não fez nenhuma ameaça, mas reiterou que poderia ser obrigado a sair da União Europeia. Políticos e europeus não se intimidaram; o mercado do continente é vasto e lucrativo, e outras redes sociais podem substituir as do grupo Meta. A mensagem enviada por governanças e usuários é clara: o Facebook deve se curvar às novas regras de privacidade, não o contrário.

Perspectivas de longo prazo

Como consequência do crescimento de medidas de privacidade impostas por governos e pelo mercado, o Meta terá uma menor lucratividade com seus anúncios personalizados, no futuro próximo. Até o momento, seus executivos ainda tentam impedir que essas medidas venham à frente, e não estão focados em se preparar para as mudanças por vir. Ao mesmo tempo, bilhões de dólares são gastos todos os anos em tecnologias de realidade virtual, e não há nenhuma previsão para quando esse investimento se tornará lucro.

Em um cenário assim, a queda das ações do Facebook/Meta era inevitável. Porém, mesmo diante destas circunstâncias, o futuro não é funesto.

O Tik Tok é visto como o maior concorrente do Facebook, mas não tem qualquer potencial de destruir o império da Family of Apps. Muitos usuários que saem do Facebook migram para o Instagram, e o WhatsApp se tornou essencial para o dia-a-dia de pessoas em dezenas de países. Não importa se você prefere o Facebook, Instagram ou WhatsApp; o Meta coleta suas informações da mesma maneira. E a estagnação no número de usuários não aparenta ser um mal sinal para o futuro, dado que as redes sociais do Meta já são utilizadas por quase 3,6 bilhões de pessoas todos os meses.

Os maiores controles de privacidade podem até ser positivos para o Meta a longo prazo; é possível aprimorar a efetividade dos anúncios personalizados, e ao mesmo tempo dar mais privacidade para seus usuários.

Veja um exemplo engraçado: comecei a receber muitos anúncios para vestibulares da FGV no Facebook desde que iniciei meu curso na EPGE. O Meta analisa minhas interações fora de suas redes sociais, percebe que eu pesquiso muito sobre a FGV, e entende que eu sou um aluno perspectivo. Mas o mesmo sistema não analisa uma informação que já lhes dei voluntariamente: meu perfil público no Facebook indica que estou cursando economia na FGV! O Meta não precisa de mais informações sobre seus usuários, mas sim aprender a utilizar melhor a informação que lhe é dada.

Em um futuro não tão distante, o Meta deve recuperar suas perdas de fevereiro de 2022. Porém, essa recuperação não será rápida, muito menos indolor. Essa queda aconteceu devido a problemas estruturais sérios na companhia; a habilidade de resolver esses problemas vai ditar se estamos vendo um mero tropeço; ou o começo de um desabamento.

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Otavio Bopp
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Estudante de economia na FGV-EPGE. Amante de história. O tipo de pessoa que se diverte aprendendo sobre política.