BOLSA FAMÍLIA — primeiros passos para uma revolução social

Pablo Ribeiro
7 min readNov 5, 2018

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O Bolsa Família é um programa de transferência de renda criado no governo brasileiro que sempre me chamou a atenção. Desde a sua implementação, a iniciativa foi repleta de críticas e elogios, gerando muitas vezes um ambiente de julgamentos pouco embasados. Para mim, é uma iniciativa com impactos muito positivos na sociedade, mas ainda não é o modelo ideal. Conheci há alguns anos, pelo Eduardo Suplicy (na época Senador), a política de Renda Básica de Cidadania, que explorarei futuramente em outra publicação. Neste artigo, minha intenção é sintetizar um pouco do que vi e fazer um pontapé inicial para estudar o tema de transferência de renda e depois desenvolver outras ideias em direção a renda básica de cidadania.

O que abordo aqui: O que é o Bolsa família, princípio de “dar dinheiro de graça” para as pessoas, impactos positivos e negativos e saída do programa.

O QUE É O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

O programa objetiva eliminar a extrema pobreza concedendo a famílias pobres (com renda mensal per capita de até R$ 154) um auxílio financeiro. O valor médio transferido ao beneficiário é de R$ 187 (2018). Este montante varia de acordo com alguns fatores. Começa-se com o mínimo de R$ 35 e adiciona-se valor baseado na quantidade de filhos e na renda familiar. Para o beneficiário ser elegível a receber a transferência, precisa atender a uma série de contrapartidas: frequência dos filhos na escola, atendimento médico, pré-natal, nutrição etc.. Foi criado em 2003, durante o governo Lula, ao consolidar uma série de outros programas iniciados no governo anterior. São cerca de 14 milhões de famílias contempladas pelo programa, o que cobre 55 milhões de pessoas. Ou seja, cerca de 1/4 da população é beneficiada. (1)

Uma a cada 10 famílias recebe mais que 300 reais por mês pelo benefício do Bolsa Família (14):

REDUÇÃO DA POBREZA

Segundo Tereza Campello (Ministra do MDS até 2016) o programa gerou um aumento na renda de 62% para os 20% mais pobres no Brasil, entre 2002 e 2013 (enquanto os 20% mais rico tiveram um crescimento de 2,6%) (2). Outros economistas, como Marcelo Neri, apontam também impactos positivos na redução da pobreza a partir da iniciativa do programa. Segundo publicação do IPEA (3), o Bolsa Família foi responsável por reduzir entre 15% e 20% a desigualdade de renda. A pobreza crônica caiu de 14% para 3%, entre 2001 e 2011, e a extrema pobreza passou de 8% para 4,7%. A cada 1 real investido no programa, cria-se 1,78 reais na atividade econômica (3).

É CERTO “DAR DINHEIRO DE GRAÇA?”

Não seria melhor outros tipos de políticas públicas? Melhorar a educação, saúde etc.? Um consenso entre os defensores do programa é que a melhor pessoa para dizer como o dinheiro deve ser gasto com o pobre é o próprio pobre. É uma ideia, inclusive, defendida pela linha liberal que propõem menos gastos do governo, deixando o dinheiro na mão das pessoas para elas decidirem o que fazer. O Bolsa Família representa quase 30 bilhões de reais aos cofres públicos (4), mas nem de longe se equipara a outros gastos do governo. Vale ainda lembrar que parte deste recurso volta a união de forma indireta, através dos impostos sobre o consumo.

A iniciativa não é bem “de graça”, pois tem uma série de contrapartidas atribuídas ao beneficiário. Mas de todo modo, sim, me parece certo “dar dinheiro de graça”. A questão fundamental é que mais do que diminuir a desigualdade de renda, o recurso estabelece um mínimo para o cidadão. Não ter pobreza, ou seja, permitir que as pessoas tenham um mínimo digno para viver me parece um dever moral nosso, como sociedade. Qual deve ser esse mínimo, é uma outra discussão também importante e complexa, mas como visão de política pública, sim, oferecer este benefício é fundamental e, de acordo com o que os resultados vem mostrando, traz benefícios ao país como um todo.

IMPACTOS POSITIVOS DO BOLSA FAMÍLIA

Além do benefício econômico e da redução da pobreza, como falado anteriormente, existem também outros impactos sociais como consequência do programa. Por exemplo, crianças beneficiárias do Bolsa Família apresentam progressão escolar melhor do que outras crianças com o mesmo perfil socioeconômico e não beneficiárias. O número de crianças de 6 a 16 anos que não frequentavam a escola decresceu 36%. Ao considerar aspectos como desempenho, abandono escolar, reprovação e distorção idade-série, conclui-se que o programa apresenta uma diminuição na desigualdade educacional entre alunos beneficiários em relação aos demais alunos de escola pública. Isso reduziu a desvantagem educacional destas pessoas e converge com outras literaturas, como a do Banco Mundial (2011), que mostra resultados positivos educacionais em todos os casos de programas de transferência monetária condicionada (3).

Também são constatados impactos relevantes na saúde, com aumento de vacinação, melhoras em nutrição e diminuição da mortalidade infantil. O benefício econômico e o acompanhamento, devido às contrapartidas, criam uma segurança antes inexistente para boa parte desta população. De certa forma, é como tirar a pessoa da escravidão da pobreza. Abre a possibilidade de um melhor desenvolvimento intelectual e social, pois famílias e crianças deixam de passar fome, tornam-se mais nutridas e saudáveis e têm melhores oportunidades educacionais. Para muitas famílias essa é uma nova chance para que seus filhos tenham mobilidade social e saiam do ciclo de miséria (5).

CRÍTICAS AO BOLSA FAMÍLIA

Nem tudo são flores e o programa também tem seus problemas e desafios. Os mais graves e relevantes são a corrupção e a fraude. De forma alguma isso torna o programa uma política pública ruim, mas também são fatores que não devem ser deixados de lado. É preciso investigar, punir e criar melhores sistemas para auditar e seguir com a operação da forma mais justa e ética possível.

Dentro deste contexto, alguns alertas importantes. Primeiro, o poder de controle que os agentes públicos municipais têm sobre a população pobre, por existir uma fila de espera para o programa. “A margem discricionária do trabalho dos agentes locais do Programa Bolsa Família pode ser usada por políticos de qualquer partido ligados à prefeitura” (6). Segundo, pessoas que não deveriam receber são beneficiadas, como por exemplo, mais de 500 mil funcionários públicos (7). Um levantamento do Ministério Público Federal mostrou que o Bolsa Família pagou mais de R$ 2,5 bilhões entre 2013 e 2014 (4,5% do total pago pelo programa no período) para pessoas que não tinham direito. Por mais que o governo tente o recadastramento e outros processos de checagens, o número de fraudes continua alto. Um pente fino feito em 2016 mostrou 1,1 milhão de pessoas com irregularidades (representando cerca de 8% dos beneficiados) (8).

Também existe uma outra crítica mais filosófica argumentando que o Estado destrói a propensão filantrópica das pessoas. O imposto não é uma doação voluntária e um programa de doação como esse influencia as pessoas a não serem filantrópicas. É como se você terceirizasse sua responsabilidade social (9). Ainda que tal afirmação careça de dados para fundamenta-la, vale a reflexão. De fato, as pessoas deveriam ter iniciativas de doação, mas isso não impede que haja um entendimento e um acordo social (formado por meio dos nossos processos democráticos) determinando que o Estado atue no combate à miséria. Como sociedade, me parece sensato utilizar o Estado para articular este grande desafio, o que também não nos impediria de contribuir de outras formas.

SAINDO DA BOLSA E O FUTURO

É preciso que o programa tenha portas de saída. Esta é uma grande afirmação, seja de defensores ou críticos do programa. Sim! Da maneira como o programa está desenhado, ele deveria sim ter um processo em que a família não mais necessitasse dele para estar fora da miséria. E isso acontece: 12% da população beneficiária já abriu mão voluntariamente do programa (2013) (10). Talvez esse percentual pudesse crescer e ser um medidor do sucesso da política, mas, independente disso, nos mostra que existe a porta de saída. O programa é complementado por outras políticas públicas de educação que dão acesso a universidades e ensino técnico. 70% dos beneficiários adultos do programa estão no mercado de trabalho buscando emprego ou exercendo atividades precárias (com rendimentos insuficientes e logo ainda necessitando a ajuda do programa) (11).

Para mim, o Bolsa Família é um excelente programa, mas que, muito provavelmente, não precisaria de uma porta de saída. Como sociedade, deveríamos ter o compromisso de toda população estar fora da linha da miséria e ter um mínimo suficiente para viver com dignidade. Isso significa que, independente da renda de um indivíduo ou de sua idade, ele deveria ser beneficiado com um mínimo para sempre. Este é um tema mais amplo a ser explorado em um artigo futuro. O importante para fechar é entendermos que hoje, como sociedade, temos muito a melhorar, mas o futuro é promissor e os dados históricos nos mostram uma projeção otimista. Desde 1990, miséria e fome caíram pela metade segundo a ONU (12). Temos cada vez menos pessoas abaixo da linha da miséria, como mostra Hans Rosling em sua genial apresentação no TED (13).

Portanto, o caminho mais positivo para o programa Bolsa Família é sua continuação e evolução. Fazer ajustes, seguir monitorando os impactos sociais e econômicos e, com o tempo, propor uma nova linha de política que elimine os problemas atuais e permita toda a população a entrar em um novo patamar de bem estar social.

Hans Rosling TED

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