O Fim da Miséria

Pablo Ribeiro
20 min readJul 1, 2020

(English? Click here!)

Se reacendeu a discussão sobre a Renda Básica de Cidadania, conhecida também como Renda Básica Universal ou Universal Basic Income (UBI). Isso me deixa muito animado, pois a entendo como sendo uma das causas mais importantes no mundo e essa exposição nos dá força para avançarmos com a sua implementação. Não seria incrível estar vivo para ver uma Renda Básica funcionando mundialmente?

Mas o que é exatamente uma Renda Básica Universal? Essencialmente, é uma transferência de renda entregue a todas as pessoas individualmente, sem necessidade de qualquer condição, comprovação ou contrapartida. Ou seja, todas as pessoas recebem igualmente a mesma quantia independentemente de sua renda ou condição. Tal ação visa melhorar a vida de todos, eliminando a miséria. Esse caminho, assim como outros métodos de transferência de renda, ganha cada vez mais força e a utopia de um direito global solidário se torna mais real.

Já tem muita gente falando sobre esse tema. A existência de UBI parece favorável e a discussão não deve ser mais se vamos ou não implementá-la, mas em como tornar isso uma realidade, entendendo o que já foi feito e quais os impactos e desafios para a sua concretização. É instigante ver como a necessidade de implementação da UBI é um dos tópicos que pode ser visto como suprapartidário. Encontramos entre os apoiadores da UBI políticos de esquerda, como o senador brasileiro Eduardo Suplicy (que, a propósito, escreveu o livro que, anos atrás, me fez entrar em contato pela primeira vez com o tema) e Martin Luther King Jr.; economistas de direita, como Milton Friedman e F. A. Hayek; e diversos empreendedores (Mark Zuckerberg, Elon Musk, etc.). Por mais diferenças econômicas e políticas que possamos ter, concordamos que a miséria é um desafio crucial a ser resolvido. A solução de dar uma renda mínima parece um caminho justo e é ainda mais interessante quando constatamos o seu impacto sócio-econômico.

A crise atual por conta do Coronavírus é a maior que a nossa geração já vivenciou até hoje. Mas se já tivéssemos UBI estaríamos mais seguros e mais vidas teriam sido salvas? Teríamos feito uma quarentena menos preocupados com a necessidade das famílias de colocar comida no prato no dia seguinte? E quanto à automação dos meios de produção, cada vez mais iminente, como lidar com ela? Nossa sociedade se torna mais produtiva, com mais tecnologia e uma série de trabalhos manuais humanos passam a ser substituídos por máquinas e inteligência artificial. Isso significa que, em um futuro próximo, poderemos trabalhar menos e ainda ter a abundância gerada por essas inovações? Ou isto acentuará ainda mais a concentração de renda? Implementar uma política de renda básica se entrelaça com esses temas, pois trata-se de uma garantia fundamental que visa eliminar a pobreza extrema e, consequentemente, pode trazer ao indivíduo a liberdade de escolha para viver e trabalhar. Cada cidadão terá uma rede de segurança em momentos de crise. O mercado de trabalho poderá se tornar mais flexível e a abundância possibilitada pela tecnologia conseguirá beneficiar a todos.

O que deveríamos saber sobre a Renda Básica de Cidadania para começar a apoiá-la? É um tema complexo e, hoje, é uma das causas mais importantes no mundo. São vários argumentos e casos que reforçam essa tese. Por exemplo, os textos de Scott Santens, ativista e defensor da renda básica, que abordam todos os pontos sobre o tema de forma muito didática, e a organização Give Directly, que faz ações diretas de UBI e nos mostra que não precisamos esperar os governos para ver isso acontecer.

Apresento aqui um ponto de partida para entendermos e explorarmos essa causa para futuramente nos aprofundarmos em cada tópico,visto que há complexidade e particularidades para cada caso. Organizei nesse artigo a minha visão nos seguintes tópicos:

  • Porque a renda básica universal deveria existir: casos, exemplos e os impactos na vida das pessoas.
  • Porque dar dinheiro a todos: como atingir toda a população e qual deveria ser o valor mínimo.
  • Como financiar a UBI e quem paga a conta (lembrando que “não existe almoço grátis”).
  • Conclusão sobre essa utopia e o que podemos fazer agora para agir.
  • Referências e conteúdos para você se aprofundar, caso queira.

POR QUE A RENDA BÁSICA DE CIDADANIA DEVERIA EXISTIR?

O futuro é melhor do que você imagina. Olhar esse gráfico é algo que sempre me traz tranquilidade e inspiração. Por maiores que sejam os problemas que temos hoje, a história nos mostra que o mundo está melhor do que no passado e o futuro é promissor. Com certeza a concentração/desigualdade é uma adversidade que tem aumentado, mas entendo que o problema da miséria é algo mais urgente e prioritário. Por mais que tenhamos melhorado muito, ainda temos centenas de milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade. O caminho mais lógico é garantir um mínimo onde qualquer pessoa possa viver com dignidade e tenha a liberdade de fazer e trabalhar como quiser. É mais importante que ninguém esteja na miséria do que a existência de bilionários que concentram renda.

O que você faria ou deixaria de fazer se recebesse um valor mínimo para atender suas necessidades primárias? A renda básica traz liberdade para as pessoas decidirem o que é melhor para elas. Dá a liberdade de escolher melhores trabalhos e não se submeter à condições degradantes, como por exemplo, trabalhos análogos à escravidão. Mas a UBI não vai desestimular a busca por trabalho? Não é o que as evidências dos programas pilotos atuais apontam. Pelo contrário: a transferência de renda incondicional permite a pessoa aumentar a sua renda de trabalho, se qualificar melhor e recusar trabalhos mal remunerados. Além disso, possibilita assumir mais risco, aumentando a atividade empreendedora e inovação, o que traz grandes e positivos impactos sócio-econômicos.

Uma série de benefícios pode ser correlacionada com a renda básica, como indicam centenas de estudos feitos com base em dezenas de programas sobre transferência de renda: além do aumento de liberdade, empreendedorismo e atividade laboral, como comentado, também pode-se perceber ganhos em saúde e nutrição, segurança mental, diminuição de violência, empoderamento feminino e aumento de frequência escolar. A UBI é uma rede de segurança que tende a diminuir a desigualdade do nosso sistema capitalista. É a garantia de um valor que contribui para que as pessoas não precisem se concentrar apenas em suas necessidades básicas, abrindo oportunidades para que elas possam buscar satisfação em outras esferas da vida e realização pessoal. Me parece óbvio que tal iniciativa deveria ser considerada como um direito humano e jamais na nossa história se mostrou tão necessária e possível de acontecer como agora.

DISCUTINDO ALGUNS EXEMPLOS

Já existem experimentos com resultados animadores. Acredito que Thomas More, que talvez tenha sido a primeira pessoa que falou sobre UBI no mundo, em 1516, no seu livro Utopia, ficaria entusiasmado com isso. Embora os resultados dos pilotos se mostrem positivos, ainda falta uma ação massiva para testar a aplicabilidade e ter mais precisão sobre seu impacto.

Comento aqui algumas iniciativas:

Alaska, EUA: Esse me parece ser o exemplo mais forte que temos de UBI no mundo. A partir dos royalties do estado oriundos da exploração de petróleo e outros recursos naturais (Basic income financed by equal rights to natural resources), eles criaram, em 1982, o Alaska Permanent Fund (APF). Com isso, conseguem pagar, todos os anos, algo entre 1,000 e 2,000 dólares/ano para todos os cidadãos do Alaska. Sensacional! Essa iniciativa gerou mais empatia, segurança psicológica, atividades sociais e aumento da produtividade no trabalho.

O caso também ajuda a responder uma das maiores preocupações sobre a renda básica: ela poderia gerar inflação descontrolada? O APF não gerou alteração no Índice de Preços ao Consumidor (Consumer Price Index — CPI) do Alaska em comparação aos demais estados. Isso também pode ser explicado porque, diante do aumento da demanda por produtos melhores, a busca por produtos inferiores diminui. Além disso, existe capacidade industrial para aumentar rapidamente a oferta que, no caso do Alaska, estava em 79% quando iniciou o APF. Mas o proprietário do meu imóvel, por exemplo, não vai querer aumentar o meu aluguel, já que eu recebo mais? Em um mercado com livre concorrência, se você aumentar o seu preço para capturar essa renda extra básica das pessoas, elas vão gastar esse dinheiro em outro lugar. O caso do Alaska, entre outros, reforça a evidência de que a UBI não irá causar inflação descontrolada.

Brasil: A Bolsa Família foi criada em 2003 e é um programa de transferência de renda. Ainda que não funcione exatamente como uma Renda Básica Universal, pois utiliza-se de contrapartidas e é destinada somente à população mais vulnerável, ela é similar. Há um consenso de que o Bolsa Família teve impacto fundamental na redução da pobreza no país. Eu escrevi um artigo há algum tempo comentando isso, no qual você pode se aprofundar um pouco mais. Outro caso interessante é o da comunidade de Quantinga Velho, em Mogi das Cruzes. O projeto funcionou entre 2008 e 2014 com recursos privados. Pagavam 30 reais por mês de forma indiscriminada aos cerca de 70 moradores da comunidade. Gosto desse exemplo por mostrar que é possível implementar a renda básica com uma iniciativa independente e privada. No entanto, é algo desafiador, visto que o projeto não seguiu por falta de recursos.

África: Com certeza a região que mais precisaria desse tipo de recurso. A iniciativa de UBI da Give Directly está em curso e foi pensada para distribuir no Kenya 22 dólares por mês, durante 12 anos, para 6 mil adultos e mais outros 11,500 por 2 anos. É, provavelmente, o maior estudo sobre UBI no mundo, pois estão avaliando uma renda básica sendo aplicada por um período longo, de forma universal, e utilizando um grupo controle como estratégia. Uganda também teve um projeto piloto em vilas, feito por uma organização filantrópica, com pagamentos de cerca de 18 dólares por pessoa. Em breve devemos ter um documentário apresentando os resultados.

Irã: Em 2011, o governo iraniano iniciou depósitos mensais de dinheiro em contas familiares individuais no valor de 29% da renda média familiar do país. A ação não tinha como objetivo reduzir a pobreza, mas redistribuir subsídios dados a combustíveis. De toda forma, a iniciativa contribuiu para a diminuição da pobreza e da desigualdade. Os depósitos tiveram seus valores mantidos enquanto a inflação no país disparou (de 12.4% em 2010 para 34.7% em 2013). Críticos de UBI atribuem esse aumento ao fato das pessoas receberem essa renda, enquanto indícios apontam para outras causas, como, por exemplo, o preço da energia. Esse tema é bastante debatido no país, pois há uma forte crítica no sentido de que essa subvenção deixe as pessoas preguiçosas para trabalhar. No entanto, não foram encontradas evidências na diminuição da busca por trabalho, como mostra o paper escrito por Djavad e Mohammad.

Espanha: Com a crise causada pelo COVID-19, o país iniciou a implementação da garantia de renda. A grande diferença em relação à UBI é que essa é uma iniciativa pontual, direcionada a lares e a um grupo específico de pessoas. A renda básica é universal e dirigida para cada indivíduo e não por grupo familiar. A iniciativa pretende pagar algo entre 462 e 1,015 euros por mês, por família. Ela não tem prazo definido e deve custar 3 bilhões de euros por ano, atendendo 1,6 milhões de pessoas. Anteriormente a prefeitura de Barcelona realizou um experimento com 450 casas vulneráveis, entre novembro de 2017 e outubro de 2019. Os resultados preliminares foram ao encontro das expectativas do programa que, em geral são similares aos impactos de UBI mencionados anteriormente, e apontam, por exemplo, que houve aumento de 28% em felicidade e satisfação com a vida e maior participação na comunidade. Esse programa também utilizou da moeda social, um artifício onde se cria uma moeda paralela que pode ser usada dentro da comunidade e, assim, estimular o mercado local.

POR QUE DAR DINHEIRO PARA TODO MUNDO?

Não seria melhor dar dinheiro apenas para quem precisa? Você quer mesmo conceder uma renda básica para o Bill Gates? Essas são ótimas perguntas, pois, à primeira vista, não faz sentido algum destinar um benefício a alguém que não precisa. Porém temos alguns outros pontos que justificam o acesso de todos ao benefício.

Primeiro, é uma questão de considerar a UBI como um direito humano. Por mais que sejamos diferentes e precisamos corrigir injustiças no mundo, existe o princípio da igualdade, que é um dos fundamentos da democracia e dos direitos humanos que nos guiam desde os tempos da Grécia antiga. Todos são iguais perante a lei, sem fazer distinção por qualquer parâmetro (cor, riqueza, prestígio, localização, etc.). “Você existe nesse mundo, logo compartilha de uma riqueza comum. Você vive entre nós, logo desejo que possa viver bem.”

O segundo ponto é o efeito prático. Ao criar regras de quem pode ou não receber, você gera uma série de processos e custos para fiscalizar e administrar. Primeiro, teria que estabelecer quem pode ou não receber. Depois, assegurar que as pessoas não fraudem sua entrada ou manutenção dentro do grupo beneficiado, e também controlar quando a pessoa sai. Deve-se, ainda, tentar garantir que os potenciais beneficiários não fiquem de fora do programa. Além disso, as pesquisas já realizadas mostram que receber o benefício incondicionalmente gera mais segurança psicológica do que ter alguma condição para saída (por exemplo, trabalho, renda, etc.). Vale ressaltar, no entanto, o artigo escrito por Rema Hanna e Ben Olken, demonstrando que o custo de fiscalização para entregar a renda básica a um grupo específico seria consideravelmente menor do que entregar para todos. Porém, mesmo assim, segundo eles, haveria pessoas que deveriam receber e não receberiam, e vice-versa. Embora você possa aumentar os recursos disponíveis para quem realmente precisa, ainda acho que uma solução universal faz muito mais sentido pelo princípio de igualdade, o fato de não ter risco de deixar alguém que precisa de fora e o impacto psicossocial já demonstrado em diversos casos de ser um benefício perpétuo.

Por fim, o Bill Gates realmente estaria recebendo o benefício? Com certeza ele e todos os outros bilionários estarão, na verdade, pagando muito mais em taxas. Este artigo do Scott ilustra mais esse ponto. É fato de que um programa de renda básica universal sumariamente necessita passar por algum tipo de revisão do sistema tributário. Isso depende de como cada país teria que fechar a sua conta. Além disso, acho que se pode criar um mecanismo onde as pessoas que recebem a renda básica possam, voluntariamente, doá-la (ou até mais) para alguma organização social ou devolver para o programa. Dessa forma, se estimularia mais a ação filantrópica (algo ainda muito tímido em diversos países, como é o caso do Brasil).

COMO CHEGAR EM TODO MUNDO?

Conseguir chegar a todos de forma transparente e segura é um dos desafios mais importantes para a UBI. Fico pensando em uma pessoa em lugar remoto, de difícil acesso no interior do sertão brasileiro. Como o benefício pode chegar em uma população com baixo nível de escolaridade, sem renda e sem serviços financeiros?

Vemos que já existem caminhos alcançáveis para suprir isso e são um indicativo importante. Por exemplo, em todos os programas de transferência de renda existentes hoje isso já é feito de alguma maneira (o cadastro único, como no caso do Bolsa Família, no Brasil). Cada país, provavelmente, terá que se adaptar às suas condições específicas. No Kenya, onde a maior parte da população não tem acesso a serviços financeiros, uma operadora de telefonia criou um sistema para transferência de dinheiro por mensagem. Ou seja, não é necessário ter uma conta bancária e nem um smartphone para poder receber e administrar o seu dinheiro. Considerando que, de acordo com a GSMA, temos hoje mais de 10 bilhões de celulares conectados (maior que a população mundial), esse pode ser um caminho para os programas de transferência de renda. Na China, com o Alipay e o Wechat, dinheiro físico já tem se tornado obsoleto, visto que esses serviços atendem os chineses de todas as classes sociais.

E, claro, não poderia deixar de comentar a possibilidade do uso de moedas criptografadas (ex: Bitcoin) como uma solução. Esse poderia ser um caminho seguro e transparente para que todos recebessem a renda básica. Já existem projetos nessa direção, como o Group Currency. Ainda que blockchain não esteja completamente estabelecido, se pode imaginar sua aplicação.

QUAL DEVERIA SER O VALOR DA RENDA BÁSICA UNIVERSAL?

Qual seria o valor ideal para ser pago de forma irrestrita para todos? Até qual valor se sustenta os benefícios descritos anteriormente? 100 dólares por mês? 500? 1,000? Com qual valor as pessoas realmente param de trabalhar? Qual o mínimo necessário para cobrir as necessidades básicas? Essas perguntas só serão respondidas testando e aumentado gradativamente o valor do benefício, respeitadas as peculiaridades de cada local. Não existe, hoje, um número mágico.

Mas podemos fazer algumas inferências e comparações. Nos pilotos realizados, por exemplo, já temos exemplos de valores. No Brasil, o Bolsa Família paga em média 38 dólares por mês por família. O experimento da Give Directly beneficia com 22 dólares por pessoa. Os casos da Espanha e Alaska apresentam valores que vão de 100 a mais de 300 dólares mensais por pessoa.

Poderíamos começar com um pagamento mínimo que erradicasse a extrema pobreza que, hoje, segundo o Banco Mundial, é de quem vive com US$ 1.90 por dia ou menos. Temos quase 1 bilhão de pessoas nessa situação, estando a grande maioria na África e Sudeste Asiático. Esse valor totalizaria 694 dólares por ano ou cerca de 58 dólares por mês, por pessoa. Isso me parece um bom número para começarmos e depois aumentarmos gradativamente.

Após eliminarmos a miséria, poderia-se determinar um valor percentual do PIB ou da arrecadação governamental para se definir o valor da renda básica. Ou, ainda, equiparar a uma relação com a renda média da população. É claro que existem diferenças de país para país. Enquanto o valor mínimo para se viver nos EUA pode chegar a mil dólares por mês, na Índia, com absoluta certeza, o valor é muito menor. Pensando em uma implementação global da renda básica, é muito provável que cada país comece definindo seus próprios valores com seus critérios específicos antes de iniciarmos uma coalizão global e discutirmos até qual valor podemos aumentar.

QUANTO CUSTA A RENDA BÁSICA DE CIDADANIA E COMO PODEMOS PAGAR?

A partir desse valor mínimo, vem a questão: quanto custa pagarmos 694 dólares por pessoa por ano?

Considerando que hoje o mundo tem 7.8 bilhões de pessoas, estaríamos falando de um gasto de 5.4 trilhões de dólares por ano. Isso é equivalente a 6.3% do PIB mundial e 21% do que todos os governos gastam por ano. No entanto, vale entender que o gasto real é muito menor. Isso se deve ao fato de que parte da renda básica retorna aos governos através de impostos que as pessoas beneficiadas pagarão.

Fazendo uma comparação: o Brasil gasta hoje cerca de 30 bilhões de reais (aproximadamente 6 bilhões de dólares) por ano com o programa Bolsa Família, que é equivalente a 1.5% dos gastos atuais do governo federal. Se pagássemos 694 dólares por ano ( R$3,400) para cada um dos 210 milhões de brasileiros, teríamos um gasto de 145.7 bilhões de dólares por ano. Porém, o gasto real é muito menor. Considerando que 41.25% do rendimento do brasileiro retorna ao governo por meio de impostos, o custo real seria de 86 bilhões de dólares (cerca de 420 bilhões de reais ou 14x mais do que é gasto com o Bolsa Família). Considerando o PIB brasileiro de 1,489 bilhões de dólares e que os gastos governamentais (federal, regional e municipal) chegam em quase 780 bilhões de dólares por ano, essa ideia de programa de renda básica seria equivalente a 4.2% do PIB e 11% dos gastos governamentais. Por mais que esses cálculos não sejam precisos, eles nos ajudam a ter uma dimensão desses custos.

O economista Samuel Pessôa publicou recentemente uma série de artigos no jornal Folha de SP onde discutiu os custos e como pagar uma renda básica no Brasil. Segundo ele, o custo líquido do programa seria de cerca de 150 bilhões de dólares (R$ 750 bilhões) com um pagamento anual de quase mil dólares por pessoa. E, para isso, seria necessário uma alíquota linear de 35.7% sobre todas as rendas e a eliminação de todas as deduções do imposto de renda.

Tanto para Samuel Pessôa, como para Scott Santens, financiar um programa de renda básica requer a participação do Estado. A participação do governo é fundamental tanto para fazer o dinheiro chegar nas mãos de todos, como também para arrecadar os valores necessários para financiar o programa.

De toda forma, financiar qualquer programa desse tipo é uma operação épica que requer muito cuidado, observações e ajustes. Cada país deveria entender internamente sua estrutura tributária e como ela deveria ser adequada. A proposta de Friedman de imposto de renda negativo é comparável a UBI e parece fazer sentido. Ela é defendida por muitos outros economistas, como os brasileiros Armínio Fraga e Marcos Lisboa. Por exemplo, no Brasil, é imprescindível uma reforma tributária onde se diminua o imposto sobre o consumo e aumente o imposto de renda, corrigindo o fato de que uma pessoa de baixa renda paga proporcionalmente muito mais em impostos do que um milionário. O principal caminho para se financiar a UBI segue na direção de uma reforma tributária. Nesse artigo vemos um exemplo de como seria o pagamento de impostos com uma alíquota linear de 40%, a aplicação de uma UBI de mil dólares por mês nos EUA e como isso levaria à diminuição da desigualdade (índice GINI).

Outra boa maneira de financiar a UBI é através de fundos soberanos, como é feito no Alaska. O país (ou região) cobraria um imposto sobre um ativo natural e público (exploração de petróleo, minérios, etc.). Isso segue a premissa de que o recurso natural pertence a todos, porém pode trazer volatilidade ao benefício por causa da variação de preços do ativo, como deve acontecer no Alaska em 2020 por causa da queda dos preços do petróleo.

Existe também o argumento de que a renda básica universal poderia substituir outros gastos governamentais, gerando economias que seriam revertidas ao programa. Em geral, os mais liberais reforçam esse argumento: vale mais dar o dinheiro na mão das pessoas e deixá-las buscar os melhores serviços para elas. Sim, isso faz sentido, mas em um processo de transição de sistema tributário e implementação de UBI, eu não cortaria outros gastos sociais, principalmente os destinados a saúde, educação e segurança. Para ajudar a pagar a UBI, seria melhor uma redução de gastos ineficientes da administração pública e cortes de subsídios e benefícios para grandes empresas (“coincidentemente” aquelas que recebem benesses são as mesmas que fazem grandes doações para campanhas políticas).

Podemos ver, portanto, que existem alguns caminhos para se financiar a renda básica. Ela não é uma política barata, mas é menos dispendiosa do que pode parecer. Cada país deverá entender os custos de acordo com o modelo de programa proposto e qual valor de arrecadação seria possível por cada mecanismo. Por mais que possamos criar fontes de receita e financiamento privados para uma implementação em escala, necessariamente se deveria fazer uma reforma tributária. Analisar e discutir o imposto de renda negativo ou aplicar uma alíquota linear de imposto de renda me parecem ser os caminhos iniciais.

A UTOPIA DE ̶T̶H̶O̶M̶A̶S̶ ̶M̶O̶R̶E̶ PABLO?

Já se passaram mais de 500 anos desde que a ideia de uma renda básica foi publicada pela primeira vez. Nunca antes na nossa história estivemos tão próximos de ver isso acontecer, mas também não será de um dia para outro. São pequenos passos! Testar, medir e ajustar essa idéia. Já temos evidências e pilotos em curso que demonstram impactos positivos extremamente superiores aos custos e fortalecem a tese de que a renda básica universal é alcançável. Estamos prontos para realizar testes em países até criarmos uma iniciativa global.

Uma renda básica poderá erradicar a miséria, diminuir a desigualdade e contribuir para o crescimento econômico e social. Empreendedorismo e inovação serão influenciados positivamente. A liberdade se fortalecerá enquanto espectros políticos convergem. Não é um auxílio ou uma política trabalhista! Devemos entendê-la como um direito humano universal à seguridade social. Ela é uma das causas mais importantes para a humanidade e pode ser iniciada a partir de nós.

Não resolveremos todos os problemas do mundo. Tampouco iremos erradicar graus de pobreza e diferenças de renda. Mas, em um mundo ideal onde existe liberdade e singularidades da espécie humana, podemos coexistir com as diferenças de riquezas e ambições, desde que possamos garantir o mínimo ideal para todos e a liberdade de viver e escolher. Ninguém deveria sofrer por privações do que é essencial à vida. Ter a segurança de uma renda mínima, em um mundo que caminha cada vez mais para a abundância, poderá reduzir nossa dependência material e abrir inúmeras possibilidades para a nossa existência.

Podemos colocar a humanidade em um patamar superior de riqueza, qualidade de vida e solidariedade. Se garantirmos as condições básicas de vida, podemos chegar na utopia da abundância e liberdade que permite à espécie humana conquistar sonhos maiores, transcendendo a busca pela felicidade.

O QUE PODEMOS FAZER PARA VER A RENDA BÁSICA UNIVERSAL ACONTECER AINDA NA NOSSA GERAÇÃO?

Para mim é claro que a UBI é uma das causas mais importantes para nos preocuparmos. Imagino que se você chegou até aqui neste artigo, provavelmente está se perguntando o que você pode fazer para contribuir. Afinal, é algo grandioso e que requer ainda muito trabalho e desenvolvimento. Toda ajuda é válida e seu apoio, por menor que possa parecer, será extremamente importante para fortalecer essa ideia e fazê-la acontecer. Sugiro algumas ações:

  • Fale sobre o tema: divulgando este artigo ou qualquer outro conteúdo sobre renda básica universal, você estará contribuindo para que a causa ganhe mais relevância e mais pessoas possam conhecer e apoiar.
  • Apoie organizações sobre renda básica universal: já existem algumas organizações que tem feito advocacy ou ações diretas de renda básica universal. Você pode contribuir com elas ou se voluntariar. Recomendo a Give Directly (Africa e EUA), a Bien (Global), a Unconditional Basic Income Europe (Europa), a Red Renta Basica (Espanha), a Renda Básica (Brasil) e a Eight (Congo). Você também pode buscar uma organização no seu país/região olhando essa lista. E, claro, não deixe de recomendar alguma que você já conhece ou apoia.
  • Pressione os seus políticos e apoie leis: pergunte para o seu representante o que ele pensa sobre isso. Envie informações para ele. Busque leis que estão em discussão. Pressione.
  • Pague seus impostos e recuse privilégios: por mais chato que seja pagar impostos, especialmente em lugares onde são mal aplicados, não deixe de fazer. Não sonegue. Recuse privilégios e restituições que distorçam a justiça tributária. Cobre aplicações mais eficientes e justas do dinheiro público.
  • Inicie sua ação local de renda básica: vimos pelos exemplos de Quantiga Velho e Give Directly que não precisamos do governo para ver a UBI começar a acontecer. Você pode juntar a sua comunidade e criar um fundo de renda básica para alguma região. Ou criar alguma regra na sua empresa de reverter parte do lucro para algum fundo ou organização de renda básica.

PARA SABER MAIS!

Espero que este artigo tenha contribuído para o seu conhecimento sobre o tema e possa gerar mais ações e iniciar conversas mais profundas. Independente disso, sempre vale buscar mais informações. Muita coisa eu não falei e também tem outros conteúdos mais elaborados para se aprofundar. Separei aqui alguns deles que tive a oportunidade de ler nestes tempos e são interessantes:

PARA SABER MAIS

Curtiu este artigo? Você pode acompanhar mais no:

--

--

Pablo Ribeiro

In the Worldtrip | Traveling the world to tell you good stories about life, tech and more