O Futuro da Energia

Pablo Ribeiro
23 min readJun 5, 2019

(English? Click here)

A primeira vez que tive uma ideia sobre a importância e os desafios de lidar com energia no planeta foi em 2011 quando assisti uma palestra do Jeremy Rifkin no SmartCities. Desde então, passei a entender mais do tema, trocar ideias com amigos engenheiros elétricos até que, anos depois, li o livro Abundância, do Peter Diamandis. Ele tem uma visão otimista sobre os avanços para o mundo em diversas frentes e também falava de energia. Durante a minha viagem por diversos países, esse tema foi me instigando mais. Nesse tempo, li o livro A Terceira Revolução Industrial, do Rifkin, visitei empresas ligadas a energia e, nos últimos meses, comecei a conversar com várias pessoas do setor e a ler uma grande quantidade de referências.

Hoje vejo que fazer uma revolução na maneira como entendemos e consumimos energia é o principal desafio que existe no mundo, pois ela está na base e tem impactos diretos em todas as outras áreas. Para deixar mais claro: produção de comida, acesso a água potável, aquisição de produtos e serviços, transporte, entre tantas outras coisas que têm seus preços impactados pelo custo da energia. Mais do que os desafios ambientais causados pelo uso de combustíveis fósseis, temos que encontrar uma forma de obter energia que seja abundante, barata, renovável, acessível e distribuída. É nisso que consiste o grande trunfo para elevar nossa civilização para um outro patamar. Seria criar uma revolução equivalente ao que a internet representou para o acesso/produção de informação e comunicação.

Minha intenção na sequência desse artigo é sintetizar esse período de estudo inicial sobre o mercado de energia: apresentar uma visão macro da situação atual, comentar os desafios e mostrar minha perspectiva de futuro sobre eles, além de trazer algumas referências de inovação que encontrei nessa área. Com isso, dar um passo a mais para contribuir com o desenvolvimento desse setor, disseminando conhecimento e iniciando conversas.

A ENERGIA HOJE

Primeiro, como atua o mercado de energia? No diagrama há uma visão de como as coisas funcionam:

Diagrama — Grid elétrico

Basicamente, temos os geradores que produzem energia usando diversas fontes (carvão, nuclear, hídrica etc.). Essa energia é levada para as linhas de transmissão e passa a ser administrada pelos transmissores até chegar aos distribuidores que entregam a energia para os clientes — casas, comércios, zona rural e indústria. Muitas vezes, uma mesma empresa faz todos esses papéis (geração, transmissão e distribuição). Em alguns mercados mais liberais existem também as comercializadoras, que compram e vendem energia sem necessariamente produzí-la (ou distribuí-la) e agregam serviços à comercialização de energia promovendo competição ao setor. Ao todo, o mundo produz cerca de 13,790 MToe por ano (International Energy Agency, 2015), ou seja, mais de 160,377 TWh. Para termos uma ideia, São Paulo, a 8ª cidade mais populosa do mundo, consome cerca de 27 TWh por ano. É muita energia ao nosso alcance e, ainda assim, temos 1.1 bilhão de pessoas vivendo sem energia, sendo a maioria na África e sudeste asiático.

E, para somar, essa energia é, na sua maioria, suja e cara: 62% da geração é com base em carvão e gás (WEF / World Bank, 2016). Os custos variam muito por país, pois depende de sua capacidade instalada (o tipo de fonte energética utilizada), da estrutura de distribuição e das tarifas. A Alemanha, por exemplo, um dos países que tem feito altíssimos investimentos visando mudar para uma matriz completamente renovável, tem um alto custo de energia que chega a 0.33 US$ por KWh. Para compararmos, Brasil e Estados Unidos têm um custo por volta de 0.13 e China bate 0.08. Lembrando que os valores mudam de acordo com o tipo de cliente — em geral, residências pagam mais que indústrias, por exemplo. Vale ressaltar também que, comparativamente, a energia no Brasil é cara, uma vez que o poder de compra é baixo. Os brasileiros gastam em média mais de 11 horas de trabalho para pagar o consumo básico enquanto os alemães gastam 5,5 horas. Fazer uma transição para um modelo mais sustentável pode custar caro, mas é o caminho buscado pelo mundo.

Desde o protocolo de Kyoto, sancionado em 1999, os países têm buscado diminuir as emissões de gás estufa e combater o aquecimento global. Em dezembro de 2015, durante a COP21, foi firmado o Acordo de Paris, que renova estes esforços e determina objetivos mais agressivos no sentido de limitar o aquecimento global para menos de 2ºC, tendo esforços concretos para ficar no limite de 1.5º C. Isso levanta uma série de questões e desafios. Por mais que existam outros fatores que contribuem para o aumento de temperatura no mundo, como produção de carne, desmatamento e causas naturais, a produção de energia com base em combustíveis fósseis é também um grande responsável. Então o que temos feito no mundo e o que podemos esperar para o futuro? Hoje, entendo estes desafios em 4 frentes, as quais comento a seguir:

  • Geração
  • Armazenagem
  • Transmissão e Comercialização
  • Inteligência e Eficiência

DESAFIO 1: GERAÇÃO

Esse talvez seja o desafio com mais variáveis e incertezas de como será no futuro. Afinal, o que impede de mudarmos no mundo a nossa matriz energética de combustíveis fósseis para renovável? Primeiro, temos que entender que é necessário ter capacidade instalada que atenda os picos de energia. Por exemplo, sol e vento não são fontes constantes, então são necessárias outras fontes ou modelos de armazenagem (veremos abaixo) para compensar quando aquelas não estiverem gerando energia. Mais importante que isso, acredito que o custo seja determinante na adoção de qual matriz um país ou região utiliza.

Como já previsto anos atrás, a energia solar tem se tornado cada vez mais barata e, junto com a eólica, é a promessa para o futuro. No gráfico abaixo, é possível ver isso e a expectativa é de que chegue a ser ainda mais barata que as outras fontes. Mas, infelizmente, também apresenta adversidades: a criação de fazendas solares requer uma quantidade grande de espaço e em muitos lugares isso significa limpar a vegetação. Também não é muito comentado sobre o caminho final de um painel fotovoltaico já utilizado, ou seja, qual impacto dos resíduos de um painel que se tornará obsoleto? Há estudos que mostram que eles necessitam 17 vezes mais de materiais na forma de cimento, vidro, aço e geram 200 vezes mais lixo do que se comparado à fabricação de uma planta nuclear com o mesmo nível de produção. O que faremos com eles em 20–30 anos quando for necessário substituí-los?

Vejo que isso é um problema a ser resolvido e não um impeditivo para a aplicação de energia solar. Primeiro, por que tem sido criado painéis cada vez melhores — mais duráveis e baratos. É o que tem feito Tesla e Solar City, por exemplo, com telhas solares que são mais baratas do que telhas convencionais. Existem diversas regiões no mundo, como zonas desérticas e espaços não utilizados que poderiam ter instalações de placas solares. Mas, principalmente, o grande destaque para a energia solar é o fato dela possibilitar que pessoas tenham sua própria geração em casa, permitindo, assim, que se crie uma rede distribuída de geração de energia em contraponto a concentração de mercado. Hoje existe um monopólio natural na distribuição, pois é um mercado altamente regulado com um nível de planejamento centralizado (seria antieconômico ter duas empresas construindo duas linhas paralelas para transmitir energia, quando somente uma é suficiente). Por outro lado, a geração deve ter competição por uma fonte de energia mais abundante e barata (no entanto, temos aqui uma alta barreira de entrada, principalmente do ponto de vista de investimento pré-operacional, e um fator também de regulamentação — um gerador não pode simplesmente parar de produzir energia de surpresa e deixar uma região toda sem luz).

No futuro, talvez tenhamos microempreendedores de energia que utilizam do seu próprio imóvel para produzir energia e vender para sua comunidade ou indústrias próximas. É claro que isso implica em ajustar desafios de armazenagem, comercialização e regulação. Por exemplo, cobrar da pessoa física uma taxa pelo uso das linhas — por mais que você injete energia na mesma proporção que consuma, o saldo final não é zero, pois existem custos com as transmissões. No Brasil, ao injetar energia o marcador residencial regride, ou seja, de certa forma você vende a energia pelo mesmo valor que compra, mas não pode ter lucro — você pode zerar a sua conta de luz, mas não receberá por injetar mais do que entra. A Agência Nacional de Energia Elétrica Brasileira deixou muito claro que não permitirá a criação de um mercado paralelo de venda de energias — pelo menos a curto prazo. De toda forma, o caminho parece promissor, uma vez que seja encontrado uma matriz barata suficiente que possa ser instalada em pequenas áreas. Energia solar e eólica são as mais cotadas para isso, mas não são as únicas fontes que prometem remodelar a matriz energética do mundo.

Não creio que teremos uma fonte apenas que seja dominante, pois são diversas as origens e sempre depende das características e oportunidades de cada região. Existem muitas pesquisas sendo desenvolvidas que poderão propor uma alternativa disruptiva ainda não prevista que mude o panorama. Isso também impactaria economicamente, pois muitos investimentos hoje no setor são feitos pensando em um retorno a longo prazo, de 20–30 anos, como, por exemplo, as grandes usinas hidrelétricas e os projetos solares e eólicos. Se no meio desse tempo surge um trunfo, o investimento anterior é perdido, usinas serão fechadas e isso traz algumas consequências negativas. Mas, visto que seriam pelo surgimento de uma matriz mais barata e limpa, me parece uma consequência natural de uma inovação tecnológica — o mesmo acontece em outros setores.

Que outras fontes podem ser disruptivas ou são incomuns e apresentam oportunidades?

Fusão

Diferente do modelo atual de energia nuclear que é feita por fissão, a técnica de fusão seria unir dois núcleos do átomo de hidrogênio, o que teria uma liberação grande de energia. O problema é que os dois núcleos, por serem positivos, são difíceis de se unirem, pois um repele o outro. É necessário uma alta velocidade para fazê-los colidirem. Tem sido feitas tentativas aquecendo o plasma, que permitiria isso acontecer. Mas, para isso, é necessário também uma grande quantidade de energia gasta para preparar a reação. De todo modo, a fusão é limpa, pois só geraria hélio e neutro como resíduo, o que não são perigosos para o meio ambiente. Cientistas estão construindo o ITER, uma planta na França capaz de gerar 500 MW. Estados Unidos, China — com o EAST (Tokamak Superconductor Experimental Advanced), e outros países também avançam com estudos sobre este tema, que em geral ainda está em estágio inicial. Caso viável, teríamos novas usinas com altíssima produção de energia tornando-se os pilares da nossa matriz.

A energia ao nosso redor

Outro conceito que ainda deve ser muito explorado é usar a energia que já está presente em seu estado natural, além do sol e do vento. É o caso de usar, por exemplo, movimentos da maré ou das ondas como faz por exemplo a empresa Ocean Power Technologies. Nesse caso, a aplicação da tecnologia pode encaixar melhor para mercados como exploração offshore de petróleo, instalações off-grid na costa, etc.. Se já existe um movimento natural e mecânico no mundo que produz energia cinética, vale buscar um modo de explorar. Antes é importante entender se a tecnologia disponível permitirá gerar energia elétrica mais barata que de outras fontes. Neste caso do meio do oceano, por não ter outra fonte mais barata por perto, a conta pode fechar.

A Pavengen, situada no Reino Unido cria soluções que transformam passos em energia e aplicam isso para pequenas soluções como pontos de luz e painéis publicitários. A Sound Energy, da Holanda, aproveita o calor desperdiçado, como por exemplo de uma caldeira, um processo produtivo ou da própria estrutura de um edifício e utilizando um conversor termo-acústico cria um output de 25 kW, gerando agua ou ar frio. A Gravity Light utiliza a gravidade para gerar uma quantidade de energia suficiente para manter uma luz acesa. Perfeito para lugares rurais sem acesso a energia, certo? São iniciativas interessantes que otimizam nosso processo energético e podem reduzir o preço da energia e aliviar o uso de outras fontes primárias, porém ainda precisam de mais tempo para se provarem.

Uma empresa que tive a oportunidade de visitar em Barcelona foi a Bound4Blue que tem uma solução de velas para utilizar a energia eólica para transporte marítimo. Mas não era isso que os barcos faziam há 200 anos? Exatamente! Mas, com o passar do tempo, substituímos o vento por combustíveis fósseis e, hoje, o setor tem o desafio de diminuir o impacto ambiental ou passará a ter sanções, segundo os novos acordos. As velas complementam o uso do combustível tradicional e podem conseguir até 40% da redução do consumo de combustível, dependendo do tipo de barco e rota utilizada.

Quando olhamos para a energia solar então, é possível encontrar centenas de oportunidades, desde as mais tradicionais — empresas criando painéis solares — até novas soluções como a ENDEF que produz os painéis híbridos e que, além do sol gerando energia, também aproveitam o calor para esquentar a água. Esta, por outro lado, ajuda a refrigerar o painel aumentando a eficiência em 15% em relação aos painéis tradicionais. Vale citar ainda a empresa de um grande amigo empreendedor, a Vatio, que no Brasil busca levar energia solar acessível para o mercado, ao trabalhar com a possibilidade de locação e co-investimento para a aquisição dos painéis. E, por fim, citar a Tecnosol, outra empresa que visitei durante a minha viagem pela Nicarágua e, hoje, é a maior empresa de energia solar do país. Neste vídeo (somente em português) falei mais sobre a experiência.

Transformação orgânica

Outras soluções que me chamaram a atenção foram as empresas que utilizam o subproduto de algum processo produtivo que, ao invés de virar lixo, transformam em energia. É o caso dos Empreendedores Endeavor da Geo Energética que, em um processo simples de biodigestão desenvolvido pela empresa, conseguem transformar resíduos da cana de açúcar, que seriam descartados e causariam danos ambientais, em fonte de energia. O biogás produzido pode ser convertido em eletricidade ou em biometano, que é uma alternativa mais econômica e sustentável para o diesel utilizado nas usinas atualmente, e fertilizante, que volta para os campos de plantio de cana de açúcar e, assim, fecha seu ciclo de nutrientes. A Bio Bean faz algo similar, mas utilizando os resíduos de café. Já a Antecy e a Opus12 reciclam o CO2 e fabricam derivados como combustíveis. Existe um leque grande de possibilidades e reaproveitamento do que antes pensávamos que era apenas lixo.

Thorium

A primeira vez que ouvi falar de Thorium foi quando li o livro Abundance. Depois disso não escutei nenhuma notícia que a tão prometida fonte de energia nuclear virou realidade. Thorium é um elemento similar ao urânio gerando energia nuclear, porém com mais energia por ton e menos resíduos radioativos. Além disso, é mais abundante no mundo do que o urânio (500x) e as principais fontes estão na Índia, Brasil, Austrália e nos Estados Unidos. Então por que as pesquisas não foram focadas nele? Uma das respostas é porque o urânio pode ser transformado em plutônio, o que tem um alto valor militar. As pesquisas com Thorium são feitas por grupos nacionais e quase não existe publicidade ou empresas olhando isso. Até hoje, poucas usinas foram criadas com base neste mineral, estando elas localizadas basicamente na Índia e na China. Será que ainda é muito cedo para falarmos de Thorium?

Existem outras fontes e mesmo novas empresas e soluções, além das já “tradicionais” fontes como solar e eólica. Como dito anteriormente, não creio que teremos uma única fonte como monopólio da produção de energia solar, mas caso surja uma tecnologia disruptiva que seja abundante, extremamente mais barata e não poluente, então poderíamos ter uma ruptura na matriz atual. Por hora, ainda vejo que o caminho é usar esse conjunto de fontes de energia reaproveitando cada parte da cadeia econômica e criando soluções mais baratas, que funcionem de forma distribuída e tenham impacto positivo para o meio ambiente.

DESAFIO 2: ARMAZENAGEM

Como estocar a energia para utilizar nos momentos em que há picos de demanda ou baixa na produção é uma questão fundamental para a evolução da matriz energética limpa do mundo. Hoje, o discurso mais comum é a mescla de baterias com energia solar e eólica, ou seja, a energia é armazenada em uma bateria quando há excesso de produção e utilizada quando não há mais vento ou sol. No entanto, historicamente o custo da bateria tem sido uma das grandes barreiras para isso, embora a tendência seja o preço diminuir.

Hoje as baterias mais aplicáveis para o mercado são as de Lithium-ion. É também esperado que o preço caia para até 70 dólares/kWh. A Tesla tem uma das baterias com maior densidade na indústria e, recentemente, abriu as patentes para outras pessoas também desenvolverem pesquisas com suas soluções de baterias e carro elétrico. Seu Powerwall tem uma capacidade de 13.5 kWh e expectativa de durar mais de 10 anos mantendo um “round-trip efficiency” de 90% (a cada 10 kWh de energia que entra, pode-se utilizar 9). Conforme o tema se populariza, outras empresas também tem surgido com iniciativas — competidores automobilísticos, empresas de energia solar/armazenagem como a Sonnen. Mas será a Tesla a melhor bateria para o futuro da armazenagem? Ou, ainda, será que as baterias de lithium são a solução do futuro?

No fim, podemos ter diferentes soluções de armazenagem dependendo do contexto e das oportunidades da região. Tudo dependerá da capacidade de armazenagem, a potência da solução (quanto de energia pode ser consumida por hora), a durabilidade e os custos (custo por kWh estocado e durante toda a vida). É certo que, conforme novas tecnologias e técnicas forem surgindo, mais barata e eficiente serão essas soluções. À parte das baterias de lithium, vi outras soluções que também podem estar presentes no nosso grid futuro.

Outros tipos de baterias

Baterias com base em água salina podem ser mais baratas que a de lithium, embora ocupem mais espaço. As pesquisas ainda são recentes e a empresa que tem liderado esta iniciativa é a Aquioenergy que, depois de sofrer problemas financeiros, foi adquirida pela BlueSky. Outra solução similar foi desenvolvida por 3 estudantes do último ano do ensino médio, que criaram a Blue battery utilizando membranas compostas de água e ligações de hidróxido para manter a energia. É um caminho sustentável, que pode ser mais barato no futuro, ainda que demande mais espaço.

No Energy Summit da IESE conheci o fundador da Carbon Clean, que está começando a comercializar uma solução capaz de gerar 100 MWh com uma potência de 10 MW. A tecnologia deles permite armazenar a energia em um material sólido que esquenta e mantém o calor, para depois transformar este excedente novamente em eletricidade. O produto requer um grande investimento, mas parece uma boa solução para grandes empresas ou geradores de energias renováveis que também querem complementar sua oferta. Além disso, pode ser uma requisição do governo em querer um sistema de armazenagem dentro do grid para melhorar o desempenho do sistema e postergar investimentos em geração. A princípio esta solução sai mais barata que o uso de baterias de lithium.

Valhalla e Energy Vault

Um grande amigo chileno que faz MBA comigo aqui na Universidade de Barcelona e trabalhou no setor de energia, comentou sobre o projeto Valhalla no Chile. A ideia consiste em utilizar a energia excedente (vindo de plantas solares instaladas no deserto) e bombear a água do mar para uma região mais alta. A água armazenada seria a futura energia obtida através de um sistema hidrelétrico. A proposta me pareceu genial, mas quando li mais a respeito constatei que o projeto ficou parado por causa de investimento: esperava-se um preço de energia perto de 100 dólares por MWh, mas o governo chileno abriu licitações para novos projetos de energia renovável e muitas empresas se inscreveram prometendo um preço mais baixo. Logo, captar recursos para seguir com a iniciativa de Valhalla ficou difícil. Caso esses projetos se concretizem como prometido, o Chile terá dado um grande passo para uma matriz energética mais sustentável e barata. Por outro lado, se as metas dos projetos não forem cumpridas, o preço da energia a curto prazo ficará mais cara e também não terão o projeto Valhalla funcionando. Projetos similares a este podem ser encontrados nos países nórdicos. São chamados de hidroelétricas reversíveis e embora sejam caras, muitas vezes acabam sendo a melhor opção para o local.

A lógica de estocar energia de uma outra forma pode ser aplicada a várias outras iniciativas. Uma delas que me pareceu diferente, ainda que genial, é a Energy Vault. Eles desenvolveram guindastes imensos com blocos de concreto suspendidos formando uma torre. Para armazenar a energia, os guindastes formam a estrutura. Depois para consumir ela, eles baixam os concretos e, utilizando a gravidade, formam energia cinética, que é transformada em elétrica. Vale entrar no site e conferir o vídeo de demonstração e ler mais sobre a tecnologia, que promete armazenar 35 MWh com uma potência de 5 MW.

Outras formas de armazenagem que encontrei

Nesses meses estudando fui vendo outras iniciativas que também podem ser utilizadas para estocar energia. Isso só reforça a ideia de que possivelmente teremos no mercado mais de uma solução e que dependerá sempre do contexto local de utilização e preço. O Rifkin é um grande defensor da criação de hidrogênio a partir da água ou ar como forma de guardar o combustível para depois ter uma queima limpa. Existem os desafios de segurança e custo e parece que o mercado não está tão empolgado em seguir este caminho. Por outro lado, tem trabalhos por essa vertente, como, por exemplo, a indústria automobilística fazendo protótipos com combustível h2 ou, como publicado em 2018, o uso de nano partículas de ouro para serem usadas como semicondutores para produzir hidrogênio a partir da água, sendo 4x mais eficiente que outros métodos. Não me parece que hidrogênio está abandonado.

Uma startup inglesa tem testado usar o movimento angular para girar muito rápido um objeto pesado e mantê-lo isolado de tal maneira que serviria como uma forma de armazenagem, conhecida também como “flywheel energy storage”. E pesquisadores em Harvard têm, inclusive, buscado um meio de conter energia utilizando bactérias. Se aplicaria o princípio da fotossíntese, transformado a energia solar em combustível através de um processo envolvendo a captura de co2 e hidrogênio. De fato, as possibilidades de armazenagem são inúmeras e estou ansioso para ver como essas tecnologias serão aprimoradas e até quanto o custo de estocagem vai diminuir, possibilitando a criação de novas aplicações e soluções para nossa rede.

DESAFIO 3: TRANSMISSÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Qual a melhor forma de fazer a energia ir de uma ponta a outra? Hoje temos uma grande rede de linhas de transmissão (alta, média e baixa voltagem) responsável por isso. Quanto mais longa a distância percorrida, menos eficiência terá. Isso depende muito da infraestrutura disponível em cada país e da quantidade de transformação de uma voltagem para outra. Em muitos locais são criadas linhas redundantes para evitar perda e assegurar a entrega da energia, mas ainda assim existem muitas perdas. A tabela abaixo é de um estudo da ETSAP que mostra as perdas de algumas regiões no mundo. Por mais que a eficiência tenha melhorado, elas ainda representam um volume significativo que impacta nossos custos de energia.

O caminho para melhorar a distribuição de energia pressupõe soluções de smart grid que gerem inteligência e eficiência na rede. Já existem algumas iniciativas inovadoras nesse sentido:

Agregadores

Agregadores são como uma central conectada na rede que integra toda geração e demanda e faz a gestão da alocação da energia. Isso tem sido possível pela utilização de marcadores digitais, que permitem entender o comportamento de consumo. Segundo um levantamento da IRENA, 20% da demanda diária na Austrália pode ser atendida por uso dessa solução. Sendo assim, a Tesla e o governo australiano têm desenvolvido um projeto para conectar 50 mil casas com painéis solares com os agregadores.

Blockchain e marketplaces

Com a evolução da tecnologia de blockchain vemos iniciativas de conectar a ponta de geração com a do cliente, sem necessitar de intermediários. Ainda, um cliente pode determinar exatamente de qual fonte quer comprar a energia. Na prática, não é possível saber de fato se a energia que você está recebendo em uma determinada hora veio exatamente de onde você comprou, já que, quando a energia de uma fonte específica entra no grid, ela se mistura com as demais. No entanto, cada vez mais é possível fazer essa conciliação exata de onde foi gerado e onde foi entregue. Com a disseminação desta solução, as pessoas poderão tomar a decisão sobre quais fontes de energia desejam comprar.

Outra possibilidade é que, com geração distribuída, será possível também criar verdadeiros marketplaces onde uma residência poderá vender seu excedente de energia para um estabelecimento vizinho. Este tipo de solução tende a criar mais competição de mercado, mas, como dito anteriormente, tem ainda grandes barreiras de regulamentação. Uma iniciativa interessante nesse caminho é a australiana PowerLedger, que é uma plataforma de comercialização focada em compra e venda de energia renovável, utilizando blockchain como base para essas transações.

Transmissão Wireless

Stanford tem dado sequência à invenção de Nikola Tesla, que, em 1891, conseguiu criar uma transmissão wireless para média distância. Isso significa não precisar mais de cabos de distribuição e transmissão para receber energia. E poderia ainda carregar todos os seus gadgets pelo ar ou até mesmo recarregar seu carro elétrico enquanto esteja andando. É claro que isso apresenta enormes desafios de eficiência, já que a perda de energia por wireless é ainda maior que pelas redes, mas não deixa de ser uma possibilidade futura.

Outro desdobramento disso sendo estudado pelo governo chinês é a utilização de satélites para transmitir energia. A ideia consiste em ter uma estação espacial que captura energia solar fora de órbita e envia para terra na forma de micro-onda ou laser. Ainda são incertos a eficiência e os custos disso e, por mais interessante que seja esse mecanismo de transmissão, ainda parece um pouco ficção científica.

Comercialização

Aqui na Espanha tem se tornado comum empresas comercializadoras como a Hola Luz e a Lucera focadas na venda de energia diretamente para o consumidor. Ou seja, elas compram a energia (incluindo todos os gastos de geração, transmissão e distribuição) e vendem para residências e empresas. Suas propostas de valores são as fontes de energia 100% renováveis e também a modalidade de tarifa onde o consumidor paga uma taxa fixa mensal, independente do seu consumo.

Elas ainda são startups, que receberam investimentos em Series A e Seed, mas têm crescido consideravelmente no país. Acredito que, principalmente, em função da proposta de uma tarifa única, o que acaba dando total previsibilidade de gastos para o consumidor. É esperado que a conta do lado deles deva fechar positiva, ou seja, conseguem negociar com os geradores preços melhores por comprarem em volume e necessitam ter uma estrutura mais eficiente que os comercializadores tradicionais e, provavelmente, trabalhar com margens menores para serem competitivos. Um desafio que vejo para eles é que por venderem uma commodity, a competição fica focada em preço e serviço de suporte, o que é mais difícil para se gerar um diferencial competitivo, mas ajuda eles a se distanciarem de uma venda de commodity. Por exemplo, além da tarifa única, podem prover um sistema de gestão de consumo, vender energia especificamente em uma hora ou por um tipo de fonte, entre outros diferenciais que eles devem estar pensando.

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Podemos ter inovações na forma como distribuímos e compramos energia, mas ainda o principal ponto é em como fazer esse caminho ser mais barato — e isso passa por ter menos perdas e mais inteligência na alocação de recursos. Assim, chegamos no último desafio desse mercado:

DESAFIO 4: INTELIGÊNCIA E EFICIÊNCIA

Este desafio implica em alocar melhor os recursos disponíveis: utilizar melhor as redes, saber quando consumir energia e de que forma, etc. Existem inúmeras iniciativas que contribuem em diferentes frentes de eficiência e inteligência dentro desse mercado. Por exemplo, empresas de construção tem criado soluções de aproveitamento de luz e retenção de calor para diminuir a necessidade de uso de energia. Também é possível encontrar soluções de software, como a promissora Dexma que desenvolveu uma plataforma capaz de monitorar e controlar o uso de energias em edifícios. Além disso, conheci os fundadores da HeatVentors recentemente e me impressionei com o fato da solução deles ser capaz de diminuir em 54% os gastos com eletricidade para refrigeração de data centers.

Outro caminho com um grande potencial é o uso de IoT (Internet of Things) para gerar mais inteligência e automação. Por exemplo, conectar seus eletrodomésticos em casa para saber a melhor hora de funcionarem, consumindo energia no horário em que o preço esteja mais barato. Mas a iniciativa mais interessante que vi foi a de uma startup espanhola com a qual comecei a trabalhar nesses meses. A Energiot desenvolveu uma solução piezoelétrica de energy harvesting que possibilita criar aplicações autônomas, ou seja, fabricar dispositivos que não necessitam de bateria e nem de manutenção, pois o próprio dispositivo captura a energia residual do ambiente.

Ninguém parece visualizar muito bem o problema ecológico que teremos futuramente com a quantidade de baterias que utilizamos. Por mais que elas se tornem mais baratas e tenham melhor funcionalidade, ainda assim se tornarão resíduos em dezenas de anos. É preciso, sim, uma forma de estender o ciclo de vida delas ou buscar alternativas de armazenagem que sejam mais baratas, eficientes e não gerem resíduos. A Energiot cumpre este desafio ao possibilitar uma solução mais barata que elimina a necessidade de bateria.

E qual é o foco que estamos dando à empresa? Entendemos que essa solução possibilita criar sensores autônomos capazes de capturar informações dos ativos de transmissão e distribuição (linhas, torres, subestações) e, assim, contribuir para implementação de um smart grid. Hoje, essas empresas não tem informações exatas de toda sua estrutura, justamente por ser difícil e caro de implementar estes sensores. Porém, se tivessem essas informações, poderiam fazer tomadas de decisão mais inteligentes e ter um serviço de manutenção preditivo. Assim, as empresas de distribuição e transmissão utilizariam suas redes com a máxima capacidade (aumentando eficiência), saberiam quando trocar um equipamento e quando enviar uma equipe de manutenção, detectariam a exata localização de uma falha elétrica e até mesmo descobririam os locais de fraudes ou acidentes na rede.

Hoje estamos fazendo os primeiros pilotos e, pelas referências que temos, a utilização destas informações dentro de um sistema inteligente pode ajudar as empresas a reduzirem cerca de 15% dos seus custos de operação e manutenção. Ainda há muito o que fazer, mas o caminho é promissor. E, uma vez bem sucedido nesse mercado, também é possível aplicar a mesma solução para monitorar transmissão de água e gás, além de outros mercados. Esse é um exemplo claro de como uma inovação pode ser impactante no uso eficiente e inteligente das redes de energia.

FUTURO

A revolução no mercado de energia virá de diversos lugares: a união de diferentes inovações na geração, armazenagem, distribuição e inteligência nos possibilitará reduzir os custos de energia e torná-la cada vez mais abundante. Mais do que isso, nos permitirá trocar a nossa matriz energética por modelos renováveis e mais eficientes.

É impressionante a quantidade de investigações e novas empresas que têm surgido para resolver esses desafios. Um grande incentivador disso no mundo é a InnoEnergy, criada pelo European Institute of Innovation and Technology (EIT) e muito similar a Endeavor, onde já trabalhei. Ela tem feito diversos programas de aceleração de empresas com foco em energia, além de estimular a educação e a investigação na área . As próprias grandes empresas de energia no mundo também têm buscado fazer corporate venture para buscar acompanhar essas mudanças no setor.

O modelo do setor de energia é o mesmo a mais de um século e, aparentemente, as mudanças estão acontecendo de maneira muito mais acelerada agora. Parte das coisas que mencionei neste artigo vão acontecer em breve, outras podem levar mais tempo e algumas nem progredirem. Uma tecnologia disruptiva pode ser um game changer e acabar com o setor como o conhecemos hoje. De toda forma, o prognóstico é otimista como afirmam Rifkin e Diamandis. Tem sido muito prazeroso ver todas essas inovações acontecendo e fazer parte, de alguma maneira, dessa revolução. Espero que todas estas ideias e referências inspirem vocês e possam contribuir para futuras iniciativas. E, claro, se alguém quiser aprofundar algum ponto ou trazer novas referências, por favor, me escrevam ou comentem aqui no artigo!

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Pablo Ribeiro

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