AMÉRICA LATINA: PALCO DE PROTESTOS EM 2019

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30 min readMar 11, 2020

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Manifestantes num monumento, em Santiago.MARCELO HERNÁNDEZ (GETTY)

Desde a queda dos preços das matérias-primas em 2013, a América Latina vem testemunhando turbulências políticas crescentes. Em 2019 aconteceram grandes protestos no Chile, Equador e Bolívia e diversos países latino americanos. O avanço da direita aprofundou as desigualdades em todo o continente. Grande parte das mobilizações populares tiveram como pano de fundo a luta contra a enorme desigualdade social.

Como chegamos a isso?

Com o final das ditaduras militares nos anos 80, se acreditava que a América Latina seguiria o rumo de democracias estáveis, como nos países do mundo desenvolvido. Mas não foi bem isso que aconteceu. A estabilidade conquistada foi sendo perdida por golpes de Estado, impeachments e rupturas institucionais. Uma série de golpes de Estado, tentativas frustradas de golpe, impeachments e outras formas de ruptura institucional e democrática vêm marcando o capítulo atual das democracias latino-americanas, pondo a perder boa parte da estabilidade conquistada.

Esses países possuem um passado colonial em comum, vítimas de uma colonização de exploração, a maioria dessas atuais nações serviu aos países colonizadores e tiveram suas economias voltadas à exportação, o que impediu a constituição de um mercado interno consolidado. Isso causou enormes prejuízos que permanecem até os dias atuais. A concentração de terras nas mãos da elite, mesmo após a descolonização é um dos principais fatores responsáveis pelas enormes desigualdades sociais e econômicas nesses países.

Embora existam várias diferenças entre os países latino-americanos, é possível afirmar que cada década contou com uma imagem ou identidade amplamente unificadora. Os anos 70 são lembrados como uma era de golpes e juntas militares, enquanto os 80 são considerados uma “década perdida” de crises de dívida. A década de 90 foi o “Consenso de Washington”. Os anos 2000 trouxeram o boom das commodities. E a década iniciada em 2010 poderá ser lembrada como “A ressaca” — um período doloroso durante o qual a América Latina teve dificuldades para se recuperar dos excessos e das expectativas irrealistas da década anterior.

Universitários protestam em Medellín, na Colômbia.JOAQUIN SARMIENTO (AFP)

A América Latina entra nos anos 20 abalada por crises e como uma das regiões que menos cresce no mundo. Com o fim do boom das commodities, a região teve taxa de crescimento anual média de 0,7% nos últimos anos. O ritmo de crescimento da economia não acompanhou o crescimento da população — isso significa que estão mais pobres hoje do que em 2012, afirma o Fundo Monetário Internacional. As maiores economias da América Latina: Brasil, México e Argentina encolheram nos últimos três anos.

Nas últimas décadas o Brasil viu surgir uma série de novos partidos políticos, no final da década de 1980, o sociólogo brasileiro Sérgio Abranches definiu o sistema político brasileiro como “presidencialismo de coalizão”. Onde o presidente representa uma série de partidos. Na Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México e Costa Rica — tradicionalmente bipartidária, também viram crescer o número de partidos com representantes no legislativo e o número de partidos relevantes. Três partidos relevantes representavam o sistema político do Uruguai desde a redemocratização, mas também já surgiram novos partidos no país.

Ouvimos Horácio Mesones, diretor executivo do Centro Regional de Atendimento e Consultoria Ecumênica (CREAS) na Argentina sobre a volatilidade histórica dos ciclos econômicos na América Latina e sua influência na instabilidade política em seu país. Mesones comentou:

“É verdade que a América Latina, principalmente a América do Sul, desde os anos 2000, baseou seu modelo de desenvolvimento no alto preço internacional das matérias-primas, seja petróleo, gás, minerais ou soja. Isso beneficiou a renda dos Estados por meio das empresas públicas que exploravam esses recursos ou pela aplicação de impostos sobre as exportações. Esses recursos permitiram a implementação de políticas públicas de subsídio de taxa ou políticas sociais para a extensão de direitos".

Miguel Lovera, Coordenador Geral — Iniciativa Amotocodie, Paraguai nos fala que:

“Se houvesse democracia na América Latina, incluiria realidade e recursos econômicos, ativos produtivos, terra e capital seriam usados ​​para o benefício do interesse social, no entanto, nem se destina a afetar os ativos daqueles que acumularam riqueza nos “bons tempos” para resolver infortúnios. nos “maus momentos”.

E conclui: “Sem dúvida, estamos experimentando um retorno ao autoritarismo. A razão não é tanto o enfraquecimento das economias, mas o fortalecimento de setores oligárquicos que não acreditam na democracia e preferem seus privilégios de classe, discriminação racial e escravidão ou semi-escravidão. Esses fenômenos foram verificados no período das ditaduras “violentas” e agora é novamente no período da “violência democrática”, uma época em que o capital privado é sacrossanto e não há interesse em resolver problemas nacionais — sociais permanentes e públicos .Essa situação é aprovada e é o produto dos guias que emanam do centro de poder hemisférico, nos EUA.

A América Latina é considerada a região mais desigual do planeta.

A América Latina foi apontada como a região do mundo com a maior desigualdade de renda no relatório de desenvolvimento humano de 2019 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), lançado em dezembro. Os 10% mais ricos da América Latina concentram uma parcela maior da renda do que qualquer outra região (37%), afirmou o relatório. E vice-versa: os 40% mais pobres recebem a menor fatia (13%).

Muitos atribuem essa desigualdade como uma das explicações para a onda de protestos que varreu nos últimos meses de 2019 alguns países da América Latina, como Chile, Peru e Bolívia.

Apesar dos avanços econômicos e sociais nos primeiros anos deste século, a América Latina ainda é “a região mais desigual do planeta”, alertou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em várias ocasiões.

Na América Latina, a incidência de pobreza é ainda maior nas áreas rurais, e entre indígenas e negros, afirmou a Cepal em relatório de 2019 sobre o cenário social da região.

De acordo com o documento, embora tenha havido uma leve redução recente, a taxa de pobreza dos indígenas em 2018 foi de 49%, o dobro do registrado para a população não indígena nem negra. E a taxa de extrema pobreza alcançou o triplo (18%).

As evidências mostram que as classes médias latino americanas pagam mais impostos do que recebem em serviços sociais como educação ou saúde. Em resposta, elas recorrem a provedores privados, o que tende a aumentar a desigualdade, segundo o relatório do PNUD sobre desenvolvimento humano.

“Uma resposta natural seria recolher mais recursos dos mais ricos. Mas esses grupos, embora sejam minoritários, costumam ser um obstáculo à expansão dos serviços universais, usando seu poder econômico e político por meio de mecanismos estruturais e instrumentais”, diz o documento.

“Diferentes gatilhos estão levando as pessoas às ruas — o custo de uma passagem de trem, o preço da gasolina, a demanda por liberdades políticas, a busca pela justiça e justiça. Esta é a nova face da desigualdade e, como define este Relatório de Desenvolvimento Humano, a desigualdade não está além de soluções ”, diz o administrador do PNUD, Achim Steiner.

O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2019 (HDR), intitulado “Além da renda, além das médias, além de hoje: desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI”, diz que, assim como a lacuna nos padrões básicos de vida está diminuindo para milhões de pessoas, as necessidades para prosperar evoluíram.

Uma nova geração de desigualdades está se abrindo, em torno da educação e em torno da tecnologia e das mudanças climáticas — duas mudanças sísmicas que, sem controle, poderiam desencadear uma ‘nova grande divergência’ na sociedade do tipo não visto desde a Revolução Industrial, de acordo com o relatório

Manifestações explodiram em 2019 na América Latina

As diversas manifestações populares na América Latina foram a marca da região em 2019. Equador, Peru, Chile, Bolívia, Colômbia e Haiti, Venezuela e Nicarágua foram palco de amplas manifestações, por motivos diversos. Apesar de pacíficas em sua maioria, tiveram episódios de forte violência urbana e de repressão policial não menos violenta. As manifestações aconteceram em 2019 quase simultaneamente, por motivos diversos, mas que gerou a percepção de que toda a região entrou em ebulição política e social.

“Na LAC News, entendemos que nossas democracias na América Latina e Caribe sofrem constantemente o ataque de anti-direitos e movimentos antidemocráticos que, após a desculpa da “liberdade de opinião religiosa” que pretendem defender, nada mais é do que instrumentalização para negar direitos a mais pessoas. Fundamentalismos de todos os tipos são aqueles que, principalmente, geram desordens que tentam impedir a continuidade republicana de nossos países”, comenta Leonardo Daniel Félix, diretor executivo da Agência de Comunicação Ecumênica da América Latina e do Caribe (LAC News).

Na análise de Horácio Mesones, diretor executivo do Centro Regional de Atendimento e Consultoria Ecumênica (CREAS) na Argentina:

“Durante 2019, houve uma explosão de manifestações, marchas e greves contra as políticas governamentais em vários países da América Latina. Embora a origem e a propriedade dessas mobilizações variem entre os países, as mobilizações de organizações indígenas na Bolívia foram destacadas na ausência de subsídios aos combustíveis, na Colômbia e no Chile, com forte componente de classe média, jovens e estudantes que reagiram ao aumento dos serviços básicos, à privatização dos serviços e ao alto endividamento das famílias, e aqueles que ocorreram na Bolívia em reação à suspensão da contagem de votos nas eleições de 2019. Na Argentina, por outro lado, Houve manifestações em torno da situação de alienação, que resultou na declaração da emergência e, em seguida, na aprovação do programa argentino contra a fome".

As mobilizações também são um indicador da falta de canais políticos e institucionais que permitem uma mudança nas orientações governamentais (um indicador que acrescenta, no Chile e na Colômbia, à participação muito baixa nas eleições nacionais).

Outro elemento a destacar é que alguns protestos mostraram aos líderes do movimento indígena a capacidade de negociar e alcançar acordos, outras mobilizações não mostram liderança política e horizontes de articular-se em uma proposta partidária. Os efeitos dessas mobilizações foram eficazes pelo menos no Chile, onde há uma projeção de reforma constitucional, mas o tempo dirá se resultam em um poder alternativo no médio prazo”, conclui Mesones.

As ruas alimentam uma busca de auto-organização das classes mais baixas com força social e autonomia. Mas parece não haver saídas partidárias ou populistas neste momento.

Equador

No Equador os protestos violentos surgiram contra o aumento da gasolina — um aumento de 100% no preço do combustível, e o impacto negativo para a população — principalmente trabalhadores do setor dos transportes e os movimentos indígenas.

O protesto indígena durou 11 dias e parou o Equador

Manifestante indígena protesta contra o governo em meio a fumaça de gás lacrimogênio em Quito, no Equador, outubro/19— Foto: Dolores Ochoa/AP Photo

As manifestações começaram dois dias depois de o presidente Lenín Moreno ter implementado por decreto medidas econômicas e reformas trabalhistas que integram o receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI). De todas as decisões econômicas, a que gerou mais resistência social foi o fim do subsídio à gasolina e ao diesel, instituído pelo decreto presidencial 883 — não apenas pelo impacto direto no custo do transporte público e dos produtos de primeira necessidade, mas por seu significado político.

Uma série de atores sociais e movimentos populares participou dos protestos, mas foi o movimento indígena, um dos poucos grupos com capacidade de convocar milhares de pessoas em todo o país a paralisá-lo, que sustentou os 11 dias de greve nacional.

Segundo a jornalista equatoriana Ana María Acosta:

“os movimentos sociais no Equador, especialmente os indígenas, têm uma longa história de defender os subsídios aos combustíveis e ao gás de uso doméstico por meio de mobilização social”.

No dia combinado, o país amanheceu com vias bloqueadas, transporte paralisado e as aulas suspensas em escolas e universidades. A resposta do presidente Lenín Moreno foi a publicação do Decreto 884, que estabeleceu o estado de exceção, permitindo às Forças Armadas participar da segurança com a polícia.

Foram 1.330 pessoas detidas em todo o país, seis mortos, além de 435 policiais e militares feridos.

Chile

O conflito social no Chile foi impulsionado pelo não cumprimento das expectativas da população e pela desconfiança em relação aos políticos

Manifestantes no Chile protestam em dezembro de 2019Colectivo +2/Carlos Vera M. — 7.dez.2019

No Chile, o governo de direita de Sebastián Piñera e a oposição chegaram a um acordo para mudar a Constituição herdada da ditadura militar de 1973–1990. As situações de desigualdade social no país, que se arrastam há décadas, e uma tolerância menor para com essa desigualdade, que diminuiu mas em ritmo insatisfatório, somados à desaceleração do crescimento econômico nos últimos anos levou à realização de protestos de escala sem precedentes.

Políticos e especialistas afirmaram à BBC News Mundo, que o aumento da tarifa do metrô foi apenas a “ponta do iceberg” dos problemas que os chilenos estavam enfrentando. A palavra “desigualdade” ganhou protagonismo no país, com milhares de manifestantes insistindo que a diferença social entre pobres e ricos no país é excessiva.

Segundo a última edição do relatório Panorama Social da América Latina, elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a parcela de 1% mais rica da população chilena manteve 26,5% da riqueza do país em 2017, enquanto 50% das famílias de baixa renda representavam apenas 2,1% da riqueza líquida. Por outro lado, o salário mínimo no Chile é de 301 mil pesos (cerca de R$ 1.715,70 — no Brasil, ele era em 2019, de R$ 998).

Segundo o Instituto Nacional de Estatística do Chile, metade dos trabalhadores do país recebe um salário igual ou inferior a 400 mil pesos (R$ 2.280) ao mês. Já no Brasil, como comparação, 60% dos trabalhadores (ou 54 milhões de pessoas) tiveram um rendimento médio mensal de apenas R$ 928 em 2018, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE.

Com esse salário, os manifestantes alegam que um aumento na passagem do metrô era inconcebível. Ainda mais se considerarmos que o transporte público no Chile é um dos mais caros da mundo, dependendo da renda média. Segundo a BBC News Mundo, um estudo recente da Universidade Diego Portales aponta que, de um total de 56 países ao redor do mundo, o transporte no Chile é o nono mais caro.

Assim, existem famílias de baixa renda que podem gastar quase 30% de seu salário no transporte público, enquanto, no nível socioeconômico mais rico, o percentual de gastos nesse setor pode ser inferior a 2%.

As causas do descontentamento vieram das expectativas geradas pela sequência de dois governos antagônicos: Michelle Bachelet (de 2006 a 2010 e depois de 2014 a 2018), de centro-esquerda, e Sebastián Piñera, de centro-direita — que também liderou o país em um período anterior, entre 2010 e 2014.

“Se os primeiros governos tanto de Bachelet quanto de Piñera eram símbolos de mudança, as segundas gestões de ambos esgotaram o estoque de esperanças. Eles pegaram a retroescavadeira e enterraram os melhores tempos. Eles estavam surdos à falta de um projeto nacional, um caminho para o desenvolvimento, uma meta compartilhada que dê sentido às dificuldades cotidianas”, escreveu o jornalista Daniel Matamala, em uma coluna no jornal La Tercera.

Bolívia

Na Bolívia, os protestos obrigaram o presidente de esquerda Evo Morales a renunciar e exilar no México.

Manifestantes levam corpo de morto em protesto em El Alto e bandeiras wiphala durante ato 21/11/2019 — Foto: Aizar Raldes/AFP

Na Bolívia a acusação de fraude eleitoral do governo Evo Morales fez explodir levantes populares semelhantes aos experimentados pelo país em 2003 e 2005, levando à renúncia do presidente e do vice-presidente e dando início a um período de transição política. Inicialmente muito conflituoso e polêmico, devido à renúncia a seus postos de todos os integrantes da cadeia de sucessão presidencial.

Evo Morales renunciou à Presidência depois de quase 14 anos no cargo, após ser acusado de vencer eleições fraudulentas.

No poder desde 2006, Evo Morales disputou uma nova reeleição em 20 de outubro de 2019. A candidatura já havia sido contestada — um referendo feito em 2016 rejeitou essa possibilidade, mas, em 2018, a Justiça Eleitoral autorizou Evo a tentar um quarto mandato. O argumento era que o limite de mandatos viola a garantia constitucional de que qualquer cidadão tem o direito de se candidatar.

Havia duas apurações: uma preliminar e mais rápida, e outra de resultado definitivo, por contagem voto a voto. Os resultados iniciais da primeira apuração apontavam um segundo turno. Mas ela foi interrompida e passou-se somente à contagem definitiva, mais lenta. Depois de dias de indefinição, a autoridade eleitoral declarou que Evo Morales estava eleito pela quarta vez. Para ganhar em primeiro turno, ele precisava de 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado — e conseguiu 10,56.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) e o governo da Bolívia anunciaram que a entidade faria uma auditoria do processo eleitoral inteiro. Em 10 de novembro, a OEA divulgou resultado preliminar apontando fraude e a necessidade de novas eleições. Ao tomar conhecimento do relatório, Evo anunciou novas eleições, mas a notícia não foi suficiente para conter a ira da oposição. Naquele momento, ele já tinha perdido apoio dos militares, que se recusaram a reprimir manifestações.

Os chefes das Forças Armadas e da Polícia pediram, então, que Evo deixasse o cargo para “pacificar o país”. Ele concordou em sair, mas disse que era vítima de um golpe cívico, político e policial, que teve a casa destruída e que a polícia tinha uma “ordem de prisão ilegal” contra ele.

Mesmo antes do fim da contagem dos votos de outubro, protestos tomaram as ruas da Bolívia. Simpatizantes de Carlos Mesa, opositor de Evo, denunciavam fraudes na apuração.

Com a renúncia de Evo Morales, chega ao fim o mais longevo governo da história recente da América Latina. Além de Evo, o então vice-presidente Álvaro García Linera, a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, e o presidente da Câmara de Deputados, Víctor Borda, também decidiram deixar os cargos.

Evo Morales anunciou renúncia em pronunciamento em rede nacional em novembro/19 — vice também deixou o cargo — Foto: Reprodução/TV do governo boliviano/Via Reuters

Segundo matéria publicada no G1 no dia 28 de fevereiro, uma dupla de cientistas de dados do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, desafiou o relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre fraude nas eleições na Bolívia em outubro do ano passado.

John Curiel e Jack R. Williams, os pesquisadores do MIT, publicaram um texto no jornal americano “The Washington Post” sobre o tema no dia 27 de fevereiro. O título é o seguinte: “A Bolívia desconsiderou as eleições de outubro por serem fraudulentas. Nossa pesquisa não encontrou um motivo para suspeitar de fraude”.

A OEA, em nota publicada no dia 28 de fevereiro, contestou as afirmações de Curiel e Williams.

Argentina

Na Argentina, os maus resultados econômicos conduziram a uma derrota previsível do governo de centro-direita de Mauricio Macri, e à volta do peronismo ao poder. Na Argentina foi o caos econômico que levou os argentinos às ruas em agosto de 2019, em uma jornada de manifestações. Os atos foram um reflexo da crise econômica que atingiu a Argentina desde a posse de Maurício Macri.

A jornada de manifestações, chamada “Urgência para enfrentar a fome” levou milhares de argentinos às ruas com reivindicações de aumento do salário social complementar (programa equivalente ao Bolsa Família) e que o Governo reforçasse os centros que distribui alimentação para as pessoas em situação de vulnerabilidade, dentre outras pautas.

Manifestantes protestam e acampam em frente ao Congresso Nacional argentino, em Buenos Aires — Agustin Marcarian/Reuters

“Em todo o país, estamos demonstrando que a fome, a falta de trabalho são visíveis. Precisamos da declaração de emergência alimentar; precisamos que essa crise não se agrave porque os danos sociais são muito profundos e a única maneira de impedir isso é uma política concreta para gerar trabalho e garantir o acesso a alimentos básicos”, afirmou o dirigente do Movimento Evita, Gildo Onorato, ao jornal argentino Página/12.

A recuperação democrática na Argentina já dura 35 anos. Para Horácio Mesone:

“A exposição à crise não pode ser explicada apenas pela consideração de serem “jovens democracias”. No caso da Argentina, a percepção é de que houve um fortalecimento da democracia durante esses anos. Isso aconteceu graças às políticas públicas de memória e à ação dos movimentos sociais. É preciso lembrar que, no caso da Argentina, qualquer consideração sobre democracia se opõe à experiência histórica da ditadura de 1976 a 1983, que está intimamente associada a crimes contra a humanidade e violações de direitos humanos. A defesa da democracia é, nesse caso, influenciada pela rejeição dos regimes autoritário e ditatorial do passado, e pelo movimento pela justiça na questão dos direitos humanos”.

Para Mesone, “A implementação de políticas públicas em detrimento dos direitos é, em alguns casos, reforçada pelas condições das organizações multilaterais de crédito (FMI)”.

Peru

A crise política no Peru teve como pano de fundo a luta pelo controle do Tribunal Constitucional, instância judicial máxima do país. O gatilho da crise se deu em torno da renovação de 6 das 7 cadeiras do tribunal. O presidente da República, Martín Vizcarra, questionou formalmente o processo de escolha dos magistrados adotado pelo Congresso sob alegação de falta de transparência e de separação entre os Poderes.

Manifestantes saíram em defesa de Martín Vizcarra em Lima. Foto: Cris BOURONCLE / AFP

Mas os congressistas de maioria opositora ignoraram o pedido e elegeram um novo nome para a Corte: um primo do presidente do Congresso, Pedro Olaechea.

No Peru, a dissolução do Legislativo, medida de exceção prevista na constituição, e a convocação de novas eleições pelo presidente Martín Vizcarra provocou manifestações a favor e contra a medida.

Diferentemente do Brasil, o Peru não tem o chamado sistema bicameral — em que o Poder Legislativo é exercido por Senado e Câmara dos Deputados. No Peru, o Congresso é composto por apenas uma delas, em que atuam 130 parlamentares.

Mas nem sempre foi assim. Até 1992, o país tinha Câmara de Deputados e Senado. Naquele ano, o então presidente Alberto Fujimori deu um “autogolpe”: entre outras medidas, fechou o Congresso, enviou militares às ruas e promulgou uma nova Constituição no ano seguinte. No texto, que foi aprovado por um referendo, ficou determinado que o país não teria mais um Senado — e a regra vigora até hoje.

Em janeiro de 2020, após o presidente fechar o Congresso no ano anterior, o Peru teve eleições para escolher novos parlamentares. A votação ocorreu em um contexto de prisões e investigações contra políticos envolvidos em casos de corrupção — inclusive no braço peruano da operação Lava Jato, em que parte da classe política foi denunciada por esquemas de propinas envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht.

Venezuela

A Venezuela continua em situação política e social caótica, e as manifestações contra o governo, explodiram em novembro.

No começo de 2019, o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino, e convocou manifestações de apoio, na expectativa de que as forças armadas deixassem de respaldar o regime de Nicolás Maduro, o que terminou por não se concretizar e no final do ano passado, a liderança do oposicionista começou a ser questionada. Enquanto isso, o fluxo migratório de cidadãos venezuelanos para diversos países da região continua forte.

Juan Guaidó discursa em manifestação que convocou contra o governo — Foto: AP Photo/Matias Delacroix

Maduro não parece disposto a ceder. Diante dos protestos em novembro de 2019, ele exortou seus seguidores a permanecerem vigilantes nas ruas e ordenou que chefes militares e policiais reforçassem as patrulhas em todo o país.

Apoiadores de Nicolás Maduro também vão às ruas — Foto: AP Photo/Matias Delacroix

“Mobilizados e alertas! As ruas de Caracas estão cheias da alegria de nosso povo em defender seu direito sagrado à democracia, liberdade, convivência e felicidade. Digamos ao mundo que a Venezuela está de pé e em paz, construindo a Pátria socialista “, disse Maduro em sua conta no Twitter.

Maduro ainda tem o apoio da maioria dos membros das forças armadas, que garantem a sua permanência no cargo. Guaidó tentou mobilizar protestos e, apesar dos confrontos terem sido violentos, não conseguiu destituir Nicolás Maduro.

Colômbia

Uma greve nacional, convocada em 22 de novembro na Colômbia pela Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Confederação de Trabalhadores da Colômbia (CTC), levou a protestos ao redor do país para manifestar o mal estar e preocupações referentes ao governo do presidente Iván Duque.

O Parque Nacional de Bogotá durante a manifestação. Foto: CAMILO ROZO (EL PAÍS)

Os manifestantes lutaram contra a reforma trabalhista, supostamente preparada pelo governo e que destrói a estabilidade no emprego porque alega que os jovens que ingressam no mercado de trabalho receberão 75% do salário mínimo. As centrais dos trabalhadores também argumentam que o governo procura eliminar o fundo de pensão estatal Colpensiones e deixar as contribuições de empresas e trabalhadores para a aposentadoria nas mãos de fundos privados, um modelo que eles dizem ter provado seu “fracasso” no Chile.

Eles têm reclamações sobre possíveis alterações nas leis tributárias, trabalhistas e previdenciárias que estejam no legislativo ou que estejam em desenvolvimento. O presidente Iván Duque propôs um “diálogo nacional” que duraria até março, o que foi rejeitado pelos manifestantes.

Por todo o país se viam as bandeiras dos partidos da oposição e das centrais de trabalhadores, que inicialmente convocaram uma greve à qual aderiram diferentes setores sociais. E também a wiphala, dos povos indígenas, foi um dos símbolos populares entre os manifestantes da greve nacional.

Pessoas participam de marcha contra o governo em Bogotá, na Colômbia, 08/12/19— Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

“Marchamos pela defesa da vida, pelos irmãos indígenas que foram assassinados este ano”, disse ao jornal El País Giovani Simbaqueda, professor da Universidade Externado da Colômbia, que segura uma wiphala, como também vários outros manifestantes. “(Esta bandeira) não pertence a nenhum partido político, eu tenho porque é um símbolo e aqui estão todos os povos indígenas”, diz.

Ele acrescenta que a queima da wiphala recentemente na Bolívia foi uma ofensa a todos os povos do continente.

Paraguai

O governo assinou com o Brasil um documento em que se comprometia a comprar energia mais cara do que o habitual da Usina de Itaipu, que pertence aos dois países. Em decorrência disso, em agosto, o Paraguai mergulhou numa crise política, funcionários em cargos importantes caíram e o presidente Mario Abdo ficou ameaçado de ser submetido a um processo de impeachment. Houve manifestações pelo país, principalmente na capital Assunção.

Os manifestantes se concentraram no centro de importados de Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil — Foto: Bruna Kobus/RPC

Segundo o jornal paraguaio Última Hora, os novos termos acertados em maio representam um custo total extra de mais US$ 200 milhões de dólares entre 2019 e 2022 — valor que representa quase 50% do que o Paraguai pagou à Itaipu Binacional no ano de 2018 (US$ 394 milhões). Já o Brasil pagou US$ 3,35 bilhões em 2018.

Descontando o que ambos os países têm de receitas com a usina, o Brasil teve resultado líquido negativo em 2018 de US$ 2,9 bilhões, enquanto o Paraguai fechou com saldo positivo de US$ 249 milhões.

A usina de Itaipu tem um peso grande na economia do Paraguai, sendo, portanto, um tema sensível no país. O pedido de impeachment também foi apresentado contra o vice-presidente Hugo Velázquez, acusado de ter interferido no acordo de maio para tentar favorecer uma empresa brasileira interessada em comprar energia de Itaipu diretamente do Paraguai no mercado privado de eletricidade. O caso está em investigação pelo Ministério Público paraguaio.

O acordo firmado em maio, sem divulgação, foi cancelado oficialmente, e a tensão diminuiu. Um grupo governista que havia aderido à proposta de impeachment da oposição acabou desistindo.

Para Miguel Lovera, Coordenador Geral — Iniciativa Amotocodie no Paraguai:

“As mobilizações são a reação à voracidade dos setores hegemônicos, à exclusão e criminalização dos setores populares pelo Estado e às injustiças e desigualdades de nossa sociedade”. E conclui: “As mobilizações são a reação à voracidade dos setores hegemônicos, à exclusão e criminalização dos setores populares pelo Estado e às injustiças e desigualdades de nossa sociedade”.

México

Para combater a pobreza, o presidente López Obrador reajustou o salário mínimo em 20% para 2020. O país teve o seu pior desempenho econômico em uma década –o PIB recuou 0,3% no 3º trimestre, de 2019 na comparação anual.

Com cartazes que diziam “mentiroso, corrupto”, milhares de pessoas foram às ruas da cidade do México em julho de 2019, para protestar contra o presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador.

Um ano depois da posse de López Obrador como presidente, a violência se estabiliza em um nível muito alto.

Protesto contra a violência no México, em dezembro de 2019. Foto: GUSTAVO GRAF (REUTERS)

A fronteira com os Estados Unidos é assunto de desconforto diplomático entre os 2 países: o presidente norte-americano, Donald Trump, segue defendendo a construção de 1 muro para conter a migração mexicana.

Cuba

Em fevereiro de 2019 Cuba aprovou uma nova Constituição, que reconhece a propriedade privada e o enriquecimento individual com limites. Também foram criados cargos de primeiro ministro, governadores e vice. O mandato presidencial passa a ser de 5 anos, com direito a uma reeleição.

Foto: AFP/ArquivosAFP/Arquivos

Apesar da retomada das relações comerciais com os Estados Unidos durante o governo Obama, o país caribenho continua sofrendo sanções econômicas norte-americanas: O governo Trump aplicou mais de 180 sanções sob a justificativa de que Cuba apoia o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela.

Guatemala

Em setembro de 2019, após a execução de 3 militares por narcotraficantes o Congresso aprovou o estabelecimento de estado de sítio. A medida, que foi revogada em outubro, provocou protestos em todo país.

Parentes de um dos soldados mortos no município de El Estor chegam à Base da Força Aérea na Cidade da Guatemala — Foto: Johan Ordonez / AFP

A discussão e aprovação da medida ocorreu em meio a manifestações do lado de fora do Congresso, reunindo dezenas de pessoas contrárias à medida, que consideram ineficiente para solucionar os problemas do país. Os protestantes temem abusos dos direitos humanos.

Haiti

Em agosto de 2019, com dois terços da população abaixo da linha da pobreza, país caribenho assolado pela corrupção foi paralisado em meio a protestos e greves. Oposição exigia renúncia do presidente Moïse e uma mudança radical no sistema.

Protesto em Porto Príncipe pedindo a renúncia do presidente Jovenel Moïse. Foto: reprodução

Manifestantes protestam no país contra o presidente Jovenel Moise pela alta no preço dos combustíveis e o descontentamento da população com o desemprego, a inflação alta e a insegurança na capital. Pelo menos 42 pessoas morreram e 86 ficaram feridas desde o início dos protestos, em setembro.

Honduras

O presidente Juan Orlando Hernández tem sido alvo de protestos contra privatizações nas áreas de saúde e educação. As manifestações se intensificaram quando o irmão de Hernández foi preso nos Estados Unidos por tráfico de drogas. Durante o seu julgamento, testemunhas disseram que uma parcela do dinheiro do narcotráfico foi usada para financiar sua a campanha de reeleição em 2018.

Protestos em Honduras. Foto: reproduçã0.

Com 9 milhões de habitantes, este país do istmo centro-americano é conhecido como um dos países mais pobres e desiguais da América Latina. Ainda que seu PIB tenha crescido alguns pontos nos últimos anos, com uma forte redução do déficit fiscal tal qual recomendam os planos neoliberais, graças à redução de serviços básicos para a população, sua desigualdade social é a maior do continente e ostenta a cifra de 67,4% da pobreza, a maior da América Latina segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Nicarágua

O governo do presidente Daniel Ortega tentou passar um projeto de reforma da Previdência em 2018 por exigência do FMI. A medida ocasionou protestos contra o governo que foram reprimidos por paramilitares. Instituições internacionais denunciam a violência no país.

Opositores protestam contra governo do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, em 23 de março de 2019 em Manágua — AFP

A Nicarágua terá eleições presidenciais e legislativas em 2021, mas parte da população e dos partidos de oposição pedem uma antecipação para 2020.

Panamá

Em novembro, o país registrou manifestações motivadas por um projeto de reforma constitucional, proposto pelo presidente Laurentino Cortizo.

Protestos contra reformas constitucionais no Panamá, no dia 2 de novembro de 2019. Foto: Iván Chanis Barahona

Os protestos também foram contra projeto que proibiria o casamento igualitário. A reforma definiria o casamento como a união entre um homem e uma mulher. O Panamá já impede que pessoas do mesmo sexo se casem, de acordo com o artigo 26 do Código da família do país. Colocar a discriminação no texto da constituição impediria que pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) sejam membros igualitários da sociedade panamenha.

Uruguai

O candidato de centro-direita Luis Lacalle Pou foi eleito presidente do Uruguai em 28 de novembro. Venceu o candidato da coalizão de esquerda Daniel Martínez em uma eleição acirrada. É a 1ª vez em 15 anos que 1 candidato de direita governará o país. O Uruguai registrou em 2019 a maior taxa de de desemprego em 12 anos: chegou a 9,8%.

A possível reforma foi alvo de manifestações. Foto: Eitan ABRAMOVICH / AFP

Uruguai encerra campanha para eleição em meio a protestos contra reforma constitucional que pretende aumentar as penas de prisão para crimes graves.

Brasil

Afetado pela polaridade entre direita e esquerda, o Brasil se vê em meio a um cenário regional de crises e de avanço da instabilidade política e social.

A convulsão social que inflamou protestos em diversos países da América Latina não chegou ao Brasil. Não aconteceram manifestações e protestos numerosos no país contra o Governo. Por aqui, as manifestações aconteceram com pautas específicas. Uma das pautas que provocou grande apelo popular foram os cortes na verba destinada à educação pública. Protestos e paralisações contra cortes na educação ocorrem em todos os estados e no DF.

Houve manifestações em mais de 200 cidades do país em maio de 2019, após o bloqueio de verbas destinadas à educação. Na época, Bolsonaro disse que bloqueou a verba para educação porque precisa e chamou os manifestantes de ‘idiotas’. Atos foram pacíficos.

Manifestantes participam de ato contra cortes na educação, na Candelária, no Rio de Janeiro, maio/19 — Foto: REUTERS/Pilar Olivares

Crise na América Latina

Em balanço preliminar, publicado em dezembro de 2019, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe, afirma que o período de 2014–2020 será o de menor crescimento para as economias da região nas últimas sete décadas.

Desaceleração da demanda interna e uma demanda agregada externa menor, acompanhada de mercados financeiros mais frágeis no cenário internacional, são fatores que pesaram sobre o ritmo da atividade econômica na América Latina e no Caribe em 2019, aponta a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) em seu Balanço Preliminar das Economias da região, divulgado em dezembro de 2019.

Os últimos anos, destaca a Cepal, marcaram uma importante desaceleração da atividade econômica, com queda do PIB per capita (retração de 4,0% entre 2014 e 2019), consumo e investimento, assim como recuo das exportações e piores condições no mercado de trabalho na região observada.

Na análise do Poder 360, a América Latina também foi cenário de protestos violentos, transições de poder e insatisfação popular com a classe política em 2019. Com os governantes conservando baixo índice de popularidade, uma forte divisão política e baixa confiança em relação à viabilidade de investimentos na região, o continente passa por momento de crescimento econômico tímido e incerteza em relação ao futuro.

O Poder 360 preparou infográfico com balanço geral da turbulência enfrentada por países da região da América do Sul:

Fundamentalismo religioso cresce na América Latina

O aumento, consideravelmente rápido, de igrejas evangélicas neopentecostais, muitas sob o discurso da teologia da prosperidade e repressão a qualquer tipo de movimento das minorias, está lançando as sociedades nos países Latino Americanos a um retrocesso político e ideológico. Lideranças religiosas estão se transformando em lideranças políticas. Isso foi destacado no artigo de opinião, do jornalista José Ospina-Valência do DW.

Ele analisa o crescimento das igrejas neopentecostais e a relação estreita entre a religião e política. Destacamos algumas partes deste artigo:

“A luta das igrejas neopentecostais na América Latina é uma luta pelos pobres: por sua consciência, por suas carteiras e por seus votos. Seu êxito se deve também ao fracasso da Igreja católica em atender às necessidades de milhões que buscam apoio num mundo cada vez mais frustrante e sem aparente futuro. E a história de abusos sexuais do dogma católico deixou, além disso, um rastro de repúdio em vários países e contribuiu para a erosão de um poder passado".

"Assim, os mais necessitados são recrutados por pastores protestantes que se autodenominam “cristãos” e que, com frequência, têm mais espírito comercial que religioso.

Apesar de o movimento pentecostal ter sido criado em 1906 nos Estados Unidos, são as novas seitas e igrejas fundadas na mesma América Latina as responsáveis pelo auge que ameaça não somente a supremacia da Igreja católica como os princípios democráticos.

Um movimento que parece germinar especialmente no Brasil, na Colômbia, no México, no Peru, na República Dominicana e na Venezuela. No Brasil, haveria 42,3 milhões de fiéis, equivalentes a 22,2% da população. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada ano abrem no país 14 mil novas igrejas neopentecostais.

Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, considerado pela revista Forbes “o pastor mais rico do Brasil”, é proprietário da Record, a segunda rede de televisão mais importante do país. Seu tema favorito: a moral. O caso da Costa Rica é exemplar: bastou que o pastor e cantor Fabricio Alvarado, candidato à presidência, rechaçasse vociferante o chamado da Corte Interamericana de Direitos Humanos para respeitar os direitos da comunidade LGBTI para que ganhasse o primeiro turno da eleição.

Na Venezuela, por seu lado, milhões não viram outra saída senão refugiar-se em igrejas com nomes como “Pare de sofrer”. Já a Guatemala é governada por um humorista e pastor evangélico, Jimmy Morales, que é contra o aborto, recusa o casamento homoafetivo e tem mais receitas contra as minorias do que soluções para a corrupção galopante.

O assustador é que muitos desses pastores tenham tanto êxito com ideias excludentes e um discurso de ódio. Em suas pregações, Piraquive descarta que pessoas com deficiência física possam assumir a veiculação da “palavra de Deus”. Uma postura discriminatória em todos os países latino americanos, que, pelas suas Constituições, se definem como pluralistas e laicos, fundados sobre o respeito e a dignidade humana, e garantidores da liberdade de expressão e de culto.

Paradoxalmente, apesar de essas sociedades terem avançado cultural e economicamente, também graças ao princípio liberal e protestante de que “os pensamentos são livres”, o movimento neopentecostal ataca o Estado de opinião. O radicalismo de suas ideias contra as conquistas dessas sociedades abertas, como a abolição da pena de morte, a autodeterminação da mulher e o respeito aos direitos das minorias é difamado como uma suposta “ideologia de gênero” que pretende destruir a família e a moral.

E, enquanto as escolas e universidades na América Latina têm de pagar impostos prediais, as igrejas estão isentas de qualquer contribuição, pelo menos na Colômbia, onde até 2017 havia 750 colégios públicos — contra 3.500 igrejas neopentecostais. A recepção diária de dízimos forma a base do poder econômico, convertido em poder político, que, graças a uma agenda moralizadora, está conquistando a política na América Latina.

O teólogo alemão e pastor luterano Thomas Gandow adverte que muitos pregadores neopentecostais atentam contra o espírito do mesmo protestantismo que defendem, que não pode ser expressado com fanatismo, “porque o espírito do protesto não pode ser outro senão o da liberdade”. O resto é retrocesso".

José Ospina-Valência é jornalista da redação da DW em espanhol.

Horácio Mesones, diretor executivo do Centro Regional de Atendimento e Consultoria Ecumênica (CREAS) na Argentina, a pedido do PAD fez uma pequena análise sobre ascensão do fundamentalismo religioso em seu país e sua influência na crise latino-americana.

“A própria definição de fundamentalismo é problemática, assim como sua relação com movimentos políticos conservadores e autoritários. A relação entre religião e política, que não é nova na América Latina, deve ser analisada no cenário atual à luz dos atores religiosos que reforçam sua ação política, mas também em relação aos setores sociais, políticos e econômicos que atuam na arena pública contra os direitos da população, e certos segmentos em particular. Desse modo, preferimos falar sobre “setores anti-direitos”, dos quais alguns grupos religiosos fundamentalistas fazem parte.

A influência dos setores religiosos anti-direitos inclui o apoio a candidatos (geralmente de tendência conservadora, que tem implicações sociais, econômicas e ambientais), atos políticos em locais de culto, influência no referendo do acordo de paz na Colômbia, a influência nas políticas de educação e educação sexual no Peru, o questionamento do estado secular. Mas, ao mesmo tempo, observamos a importância do peso do discurso da encíclica Laudato Sí e das relações com o papa Francisco.

A renúncia forçada de Evo Morales na Bolívia, promovida por os grandes grupos econômicos que negociavam com setores militares, teve o apoio de setores religiosos cujo sinal mais visível foi a entrada da Bíblia no congresso e a demonização das religiões indígenas. Esses grupos religiosos não eram fundamentalistas, mas católicos fundamentalistas, o que nos leva à necessidade de uma análise mais profunda da relação entre religião e política na América Latina atualmente”.

Leonardo Daniel Félix, diretor executivo da Agência de Comunicação Ecumênica da América Latina e do Caribe (LAC News) também foi ouvido pelo PAD. Para ele, “O pensamento e as variantes do fundamentalismo sempre estiveram presentes; neste momento, o que podemos notar é um afluente claro do pensamento religioso nessas posições como legitimador do que estamos dizendo: a negação e supressão de direitos para uma grande maioria.

É essencial entender o papel da comunicação nesse sentido, onde “narrativas de significado” são disputadas e também lutar por uma hegemonia comunicacional que possa apresentar e tornar um mundo melhor e possível tangível para grandes maiorias”.

Para Miguel Lovera, Coordenador Geral — Iniciativa Amotocodie, Paraguai:

“O fundamentalismo é um fenômeno pernicioso no social e no político. Ele foi projetado por décadas para enfraquecer as estruturas sociais tradicionais que poderiam atrapalhar a hegemonia americana e as empresas transnacionais. Por mais de uma década, verifica-se uma fase de maior agressividade em termos de interferência na política nacional, coincidentemente com o processo de restabelecer o controle do hemisfério pelos EUA”.

As desigualdades na América Latina

De acordo com o relatório da Cepal publicado em janeiro último, América Latina e o Caribe estão crescendo menos, enquanto as desigualdades e a pobreza aumentam.

A Cepal defende que, levando em consideração os desafios das transformações tecnológicas, demográficas e climáticas, os governos devem acelerar o cumprimento dos compromissos assumidos para alcançar a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres na região.

“Por quase uma década, a CEPAL posicionou a igualdade como base do desenvolvimento. Hoje, constatamos novamente a urgência de avançar na construção do Estado de Bem-Estar, baseado em direitos e na igualdade”, afirmou Alicia Bárcena, secretária-executiva do organismo regional, durante o lançamento do relatório.

São Paulo (Brasil) — Foto: Reprodução

Segundo a CEPAL, a diminuição da desigualdade de renda é fundamental para retomar o caminho da redução da pobreza e cumprir as metas estabelecidas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 1 da Agenda 2030.

Alicia Bárcena enfatizou que a cultura do privilégio, herança de nossos vestígios coloniais, naturaliza as desigualdades e a discriminação, as hierarquias sociais, a deliberação política e o acesso à justiça.

“Temos que combater a cultura do privilégio. O modelo vigente já não responde, nem em crescimento, nem em redução da desigualdade, nem em erradicação da pobreza”, assinalou.

ONU adverte que desigualdade aumenta risco de conflitos na América Latina.

A América Latina e o Caribe correm o risco de sofrer mais crises sociais e instabilidade política em consequência da desigualdade, refletida na convulsão provocada pelos protestos sociais na região, adverte o relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, em dezembro de 2019.

“A desigualdade é um dos problemas estruturais mais importantes da América Latina, sem dúvida, e quando interage com outros elementos se torna um dos fatores de desestabilização”, afirmou Luis Felipe López-Calva, diretor para América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

De acordo com o relatório, milhões de pessoas saíram da pobreza na última década na América Latina, mas ao mesmo tempo esta é a segunda região mais desigual do mundo, atrás apenas da África Subsaariana.

A América Latina é considerada uma região de renda média em comparação com o resto do mundo, mas o relatório alerta que estes dados “podem ocultar as carências” da sociedade.

Fontes: Veículos de imprensa dos países da América Latina, CEPAL, ONU.

Por Kátia Visentainer

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